A advocacia e o processo de impeachment
10 de julho de 2021, 7h11
Ao tomar conhecimento de que a OAB discutirá impeachment em sessão extraordinária no próximo dia 20, e das críticas que passou a sofrer por isso, passei a examinar o dever que a advocacia tem de defender a Constituição, o Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas, conforme disposto no artigo 44, I da Lei 8.906/94.
Muito se fala que a advocacia está ameaçada pelos "novos tempos", pelo "novo normal", pela inteligência artificial, pelo que vem por aí…
Entendo que o perigo maior não provém da tecnologia ou do futuro, exsurge do presente e da história, em que vige uma espécie de lei lamarquista do uso e desuso, tendente a atrofiar os órgãos que não são utilizados ou que não cumprem seu papel.
A missão prevista no Estatuto da Advocacia é de alto relevo e envergadura. Como é de esperar, sempre exigiu coragem para sua concretização. Sem coragem o advogado tem a mesma função do apêndice ou do mamilo masculino.
Foi essa consciência que fez Sobral Pinto afirmar que "a advocacia não é profissão de covardes".
Contudo, é necessário ter clareza que escudar a Constituição significa transcender a defesa de governos ou de opositores — e seus interesses partidários ou ideológicos — para firmar ponto na defesa dos direitos fundamentais. Não se defende aqui a hipócrita neutralidade, mas uma transcendência, que vai além da luta política de A contra B e se concentra em garantir direitos básicos do ser humano.
Num momento mais difícil do que o nosso, Luiz Gama defendeu os direitos fundamentais com as seguintes palavras:
"Os senhores de escravos dominam pela corrupção. Têm ao seu serviço ministros, juízes, legisladores, encaram-nos com soberba e reputam-se invencíveis. A luta promete ser renhida, mas eles hão de cair. Hão de cair sim e o dia da queda se aproxima. A corrupção é como pólvora, se gasta, mas não se reproduz. Hão de cair porque a nação inteira vai se levantar. E no dia em que estivermos todos de pé, os ministros, os juízes, os legisladores estarão todos ao nosso lado. Os próprios senhores na granja, na tenda, no Senado — onde entre anciãos venerandos têm infelizmente entrado alguns prevaricadores —, os próprios senhores hão de apertar a mão ao liberto, nivelados pelo trabalho, pela honra, pela dignidade, pelo direito, pela liberdade. Eles dirão como o imortal filósofo: se fosse possível saber o dia em que se fez o primeiro escravo, ele deveria ser de luto para a humanidade".
Defender os direitos humanos não se confina na defesa das vidas e direitos de "Lázaros". É mais do que isso. Pressupõe a primazia do indivíduo sobre o Estado. Implica no reconhecimento de que o ser humano nasce livre e independente, possuindo certos direitos essenciais e naturais que não podem ser desapossados quando da vida em sociedade. Inclusive, ofende os direitos humanos uma organização política cujo fim esteja em conflito com a conservação dos direitos naturais e essenciais. A única limitação admitida nesses direitos é a destinada a garantir o seu gozo para mais humanos.
Disse Heleno Fragoso: "É importante insistir na responsabilidade dos advogados, como homens da lei e do direito, cujo compromisso é a permanente realização da Justiça. Os advogados têm de estar na linha de frente da defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. É esta autêntica responsabilidade histórica que nos cumpre assumir".
A salvaguarda do Estado democrático de Direito vai adiante de um Estado sob o império do Direito. Deve-se antes de tudo respeitar a soberania popular e garantir que o detentor do poder não abuse dele. Os valores éticos fundamentais inseridos na Constituição devem guiar governados e governantes, eleitos mediante a participação livre e igualitária dos cidadãos.
Na luta pela justiça social, a advocacia tem o compromisso de reagir contra qualquer forma de seleção, desigualdade, discriminação, privilégios e exclusão que dificulte a emancipação do indivíduo perante o Estado e lhe retire ou diminua a dignidade.
Dessa forma, entendo que cabe à OAB, sim, discutir o assunto, deveras importante para o país. Aliás, é uma responsabilidade institucional. Mas ao fazê-lo deve cuidar para não incorporar nenhum discurso polarizado, centrando-se unicamente em sua tarefa maior, que é fazer a defesa firme e serena da Constituição.
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