Opinião

Enfermeira municipal é a nova cara do serviço público

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4 de julho de 2021, 11h35

O serviço público federal nos lembra a todos que o poder público é uno ao usar como símbolo preferencial o brasão da República (Armas Nacionais do Brasil), e não os símbolos do governo federal. De fato, Estado é um só, o país é um só.

Nosso belo brasão representa, por óbvio, a República, que é, por definição constitucional, formada pela união dos estados e municípios e do Distrito Federal. É um símbolo nacional, ao lado da bandeira e do hino.

Diversamente da união que consta do artigo 1 da Constituição, com "u" minúsculo, temos o governo federal, a União (com inicial maiúscula), listada na proposital redação da cabeça do artigo 18, como uma das esferas autônomas que compõem a República junto com os estados, os municípios e o Distrito Federal.

Bem se sabe que a lei exige que todo o poder público, incluídos aí estados, municípios e o Distrito Federal, utilizem o brasão da República de que eles são parte [1]. Na prática, os municípios, com o corpo técnico mais atento e que, portanto, obedecem ao preceito legal, muitas vezes são olhados com desconfiança. O olhar ressabiado se deve muito à ideia leiga de não distinguir o conceito de República do conceito de esfera federal de governo. Não é difícil identificar um certo senso comum que imagina os estados federados assimilados a autarquias federais e os municípios, talvez até desprovidos de roupagem estatal; seriam como empresas, ou, mais propriamente, como fazendas, cujo prefeito seria o senhor e gestor.

Há muito se tem estabelecido no ordenamento jurídico que todos os entes federados têm autonomia política, administrativa e financeira. Não há qualquer hierarquia entre eles. Normas anteriores a outubro de 1988, que estabeleciam hierarquia, são incompatíveis com a nova ordem constitucional. Não por outra razão, o STF afasta dispositivos que não primem pela absoluta autonomia dos Estados-membros e municípios. Como exemplo, temos o recente julgamento da inconstitucionalidade do artigo 187 do Código Tributário Nacional e o artigo 29 da Lei de Execução Fiscal, além do cancelamento da Súmula 563, editada pelo Supremo em 1976, que estabeleciam uma indevida preferência no recebimento de créditos por parte da União em detrimento dos demais entes [2].

Por outro lado, em que pese relativo consenso acerca da autonomia federativa dos municípios, a Constituição não entregou os meios adequados para que as cidades prestassem os serviços públicos de sua responsabilidade, os quais, além de essenciais para a vida em coletividade, não são poucos. Apesar do grande ganho institucional de transferir para o ente que tem a melhor capacidade de prestar serviços diretamente à população, aos municípios faltou a contrapartida de financiamento por meios próprios, ou seja, que não dependesse de repasses voluntários ou de interferências políticas para a sua adequada estruturação [3].

O país tem passado nas três últimas décadas por um aumento na prestação de serviços públicos puxados quase que exclusivamente pelos municípios. Justamente por conta disto, é razoável que do total de servidores que compõe o funcionalismo nacional a maior parte sejam servidores municipais.

Embora todas as métricas tenham comprovado que a prestação de serviços públicos realizada nos municípios tem atendido com surpreendente qualidade, quando comparado ao subfinanciamento das cidades, temos no horizonte reformas constitucionais que visam a vulnerar a qualidade da atuação municipal perante os cidadãos.

Nesse contexto, a PEC 32/2020, nominada de reforma administrativa, visa a eliminar os critérios impessoais para a contratação de funcionários e levar ao âmbito da escolha particular do gestor o pessoal técnico da administração municipal. A indicação política não seria apenas para cargos de chefia e assessoramento hoje, mas passaria a alcançar praticamente todos os setores. Isso sem contar com as propostas de reforma tributária, PECs 45/2019 e 110/2019, que visam a eliminar um dos mais importantes tributos de competência municipal, o Imposto Sobre Serviço, reduzindo a já minguada autonomia das edilidades.

Ao fim e ao cabo, os municípios, executores locais das políticas públicas, é que são os responsáveis pelo aumento da qualidade de vida de todos os cidadãos. Por conta disso, merecem especial atenção, notadamente no que diz respeito à adequação das drásticas alterações normativas que se avizinham. Hoje, em meio a todas as adversidades vivenciadas por causa da pandemia, é evidente que a enfermeira municipal, personagem responsável pela aplicação da vacina contra o coronavírus, tornou-se a cara de um serviço público que merece ser valorizado.

 


[1] Veja-se por exemplo o que dispõe a Lei 5.700/71.

[2] ADPF 357, Relatora Min. Cármen Lúcia.

[3] De acordo com a Receita Federal do Brasil, a participação da União na arrecadação tributária é da ordem de 68,04%, enquanto Estados 25,70% e os municípios 6,26%. Disponível em: https://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/ctb-2018-publicacao-v5.pdf. Acesso em 01 jul 2021.

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