Opinião

Como o iPhone foi parar no STF?

Autores

  • Kone Cesário

    é professora de Propriedade Intelectual da Academia do INPI vice-diretora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e autora da obra "Proteção das Marcas Visualmente Perceptíveis".

  • Alan Lopes de Barros

    é discente da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

1 de julho de 2021, 6h03

Era uma vez uma professora que costumava ensinar para os seus estudantes, como o coautor deste artigo, que o Superior Tribunal de Justiça era, de fato, a última instância para as demandas sobre marcas, patentes ou desenhos industriais porque, naqueles tempos não tão longínquos, essas demandas discutiam apenas as normas de caráter especial da Lei da Propriedade Industrial.

Todavia, nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal vem sendo instado a analisar a constitucionalidade dessa lei que está apenas em bodas de prata. A grande importância do Supremo, obviamente, nasce da sua natureza de guardião da Constituição Federal, que o coloca, teoricamente, na posição de última instância recursal do Poder Judiciário. Assim, tecnicamente, qualquer caso de violação das normas constitucionais pode chegar à Corte Suprema, incluindo os direitos industriais.

Entretanto, será que tantos casos de Direito Empresarial deveriam ser levados por esse caminho? Esse questionamento é feito tendo em mente o tempo que se leva para julgar uma demanda nessa instância, o custo envolvido em movimentar a máquina pública e, em especial, porque na atividade empresarial vale a máxima time is money como melhor caminho para se alcançar seu objetivo primordial, qual seja, o lucro. No entanto, para a gradiente e a Apple, a última instância judicial parece ser a solução para uma disputa que dura mais de uma década sobre o termo "iPhone".

A história é que, nos anos 2000, enquanto muitos acreditavam no apocalipse tecnológico da virada do milênio, a Gradiente deu entrada no pedido de registro da marca "G Gradiente iPhone" perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Naquela mesma época, Steve Jobs, o famoso chefe executivo de ofício (CEO) da Apple, e o possível pai dos smartphones, ainda estava a lançar o "MAC OS X", sistema operacional que se tornaria a base dos MacBooks e, via de consequência, do primeiro aparelho telefônico da famosa "maçã" que só iria ser lançados nos anos 2007 no mercado americano, mesma época em que a Apple fez o seu pedido de registro da marca nominativa iPhone perante o INPI.

Em 2007, qualquer mínimo entendedor sobre proteção marcária diria que a Apple nunca conseguiria ter seu pedido de registro de marca concedido pelo INPI, tendo em vista a latente anterioridade do pedido da empresa brasileira. Esse realmente seria o destino normal daquele pleito, não fosse o grande sucesso que os aparelhos da Apple tiveram como inovadores e uma estratégia de branding que levou o consumidor a uma idolatria da marca, tornando-o, sem dúvida, um termo descritivo  "iPhone"  distintivo e notório ao mesmo tempo. De fato, o ciclo tradicional levou o pedido de registro da Apple a ser negado pelo órgão, mas aquela empresa, não satisfeita com a decisão, entrou com pedido de nulidade do registro da Gradiente para que pudesse utilizar o termo iPhone como sua marca.

A tese da notoriedade e da distintividade adquirida de uma marca se sobrepondo à anterioridade do registro já vinha sendo aplicada pelo STJ no ano de 2019, a exemplo do caso Lojas Hering contra a Companhia Hering no Resp. 1801881. Por isso, atualmente a Apple tem uma decisão favorável do STJ no Resp. 1.688.243, no qual o relator entendeu haver um "alto grau de distintividade da marca iPhone da Apple, alçando até mesmo à categoria de marca notória (exceção ao princípio da territorialidade) e, quiçá, de alto renome (exceção ao princípio da especificidade)", mas, contraditoriamente, também entendeu que o termo é descritivo ao ser composto do "i" de internet e o "Phone" de telefone, abrindo espaço para coexistência com outras marcas similares formadas por tal palavra.

Insatisfeita com essa decisão, e entendendo que houve afronta aos seus direitos de propriedade intelectual, constitucionalmente garantidos no inciso XXIX do artigo 5° da Constituição Federal, a IGB Eletrônica (atual Gradiente) recorreu ao STF e, agora, aguarda julgamento para saber o futuro do seu registro marcário, uma vez que, em que pese os esforços conciliatórios do ministro Dias Toffoli, que encaminhou o assunto para o Centro de Conciliação e Mediação da corte, e da ministra Ellen Gracie, que foi escalada para mediar a disputa, mesmo após 20 encontros em fevereiro deste ano o processo foi encaminhando, sem prazo para ser julgado, para decisão da Suprema Corte.

Assim foi que o iPhone foi parar no STF. Nós acreditamos que ambas as empresas possuem bons argumentos que respaldam suas pretensões, mas na ordem prática das coisas é difícil compreender como esse caso foi alcançar a cúpula do Judiciário, mesmo havendo tantas formas mais técnicas, eficientes e menos custosas de resolução de conflitos, especialmente os da ordem empresarial. É justamente esse aspecto dos direitos da propriedade industrial, ramo empresarial, estar sendo a todo tempo levado ao Supremo que nos aflige, porque parece remar contra a ideia da livre iniciativa que norteia as relações e normas empresariais.

Como ensina o professor Fábio Ulhoa Coelho, há um custo no Direito Empresarial, sendo as normas de Direito Industrial as de mais fácil compreensão como tal e de incidência direta sobre os custos da empresa, que acaba por amortizá-los para tornarem-se elementos do custo da atividade econômica, portanto, incidindo sobre o preço final dos produtos que acabará sendo pago pelos consumidores.

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