Opinião

A sociedade implora por evolução quanto aos precatórios

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24 de janeiro de 2021, 15h17

A sistemática de pagamento por precatório das dívidas dos entes públicos, criação reconhecidamente nacional [1], apesar de ser caracterizada como inegável avanço do ponto de vista da efetividade das execuções contra a Fazenda Pública, encontra-se defasada.

Nesse particular, é de se registrar que a fórmula atual, inserida na Constituição Federal de 1988, ingressou em nosso ordenamento na Constituição de 1967 e foi mantida inalterada na Emenda Constitucional de 1969. Qual seja, aqueles créditos inscritos em precatório até 1º de julho de determinado ano devem ser pagos até o último dia do exercício financeiro subsequente.

O avanço de tal sistema consiste na previsibilidade, para credor e devedor, e também deixou de ser mero arbítrio do poder público a edição de norma que contemplasse tais pagamentos, como vigorava anteriormente.

Contudo, nos tempos atuais, a ineficiência da atual sistemática de pagamento de precatórios está diretamente relacionada ao lapso temporal existente entre sua inscrição e o pagamento. Se tal lapso temporal poderia ser justificado em tempos mais analógicos, a demora atual não se justifica, representando um acréscimo relevante nos valores a serem pagos, por ilação lógica, no aumento da dívida pública, por meio da correção monetária que incidirá sobre os valores inscritos em precatório.

Na sistemática atual, é possível que um determinado valor seja pago em até 30 meses. Basta que o surgimento do requisitório ocorra após dois de julho de determinado ano. O pagamento do crédito só ocorrerá no exercício financeiro de dois anos posteriores.

Nesse interstício temporal de até 30 meses, a Fazenda Pública deverá arcar com a respectiva correção monetária. Ou seja, a atual sistemática de pagamento, apesar de funcional, não é eficiente, pois, além de causar um enorme demora na quitação para o credor, o ente público acabará arcando com o inevitável pagamento da atualização monetária e, em alguns casos, incidência de juros moratórios.

A evolução da sistemática deve buscar atender aos anseios de ambas as partes envolvidas, credor e devedor. Uma solução possível e simples já existe em nosso ordenamento: a sistemática de pagamento de requisições de pequeno valor (RPV). Nessa modalidade, não existe prazo limite e o pagamento ocorre em até 90 dias, contados da inscrição. Atualmente é aplicado apenas para os débitos de até 60 salários mínimos, tomando-se como parâmetro a União.

Apesar da enorme complexidade que envolve alterar a norma vigente, visto que necessita de proposta de emenda constitucional (PEC), existe viabilidade legislativa, financeira e procedimental.

Essa mudança representaria enorme economia à Fazenda Pública, visto que reduziria drasticamente os meses em que a correção monetária incidiria sobre o crédito inscrito em precatório.

Outro ponto importante para defender a evolução normativa é que, atualmente, é possível analisar a média histórica de pagamentos de tal modo que, nos últimos cinco anos, constata-se que foi destinado, em média, cerca de 1% do orçamento público anual (da União) ao pagamento dos precatórios [2].

Na relação entre orçamento, destinação do precatório e percentual do orçamento, temos os seguintes números do período de 2016 a 2021:

— Em 2016, foram R$ 3,05 trilhões de orçamento, com R$ 27,11 bilhões de destinação de precatórios e 0,89% de percentual de orçamento;

— Em 2017, foram R$ 3,50 trilhões de orçamento, com R$ 28,99 bilhões de destinação de precatórios e 0,83% de percentual de orçamento;

— Em 2018, foram R$ 3,57 trilhões de orçamento, com R$ 32,32 bilhões de destinação de precatórios e 0,91% de percentual de orçamento;

— Em 2019, foram R$ 3,38 trilhões de orçamento, com R$ 37,20 bilhões de destinação de precatórios e 1,10% de percentual de orçamento;

— Em 2020, foram R$ 3,68 trilhões de orçamento, com R$ 31,76 bilhões de destinação de precatórios e 0,86% de percentual de orçamento;

— Em 2021, foram R$ 4,147 trilhões de orçamento, com R$ 48,40 bilhões de destinação de precatórios e 1,17% de percentual de orçamento.

Se o ente público destinou, nos últimos anos, cerca de 1% para a quitação dos pagamentos. é possível organizar a legislação (de transição e definitiva) e as finanças dos Estados para viabilizar que, futuramente, a economia com a antecipação dos pagamentos venha a ser, realmente, efetiva.

Por ilação lógica, seria necessária uma norma transitória, visto que, como é de conhecimento geral, existem diversos entes públicos que não se encontram adimplentes com suas obrigações. Para aqueles que se enquadram nessa situação, o ideal é um plano de urgência para quitação dos débitos e um prazo para inclusão na nova sistemática de pagamento.

Tais mudanças trariam benefícios imediatos tanto ao particular (credor), que receberá seus créditos com mais celeridade, quanto ao ente público (devedor), que terá uma incidência menor da atualização monetária.

A norma não pode, mesmo quando funcional, congelar no tempo e na aplicação, devendo, sempre, evoluir. A atualização da sistemática de pagamento de precatórios é um verdadeiro exemplo dessa necessidade e, por óbvio, pode trazer enormes benefícios à sociedade (credores), mas, principalmente, aos entes públicos, que, com organização e gestão financeira, gozarão de enorme economia anual.

 

[1] DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Execução contra a Fazenda Pública. Regime de Precatórios. 2º ed. São Paulo: Método, 2010, p. 157-201.

[2] BRASIL. Despesas realizadas com precatórios e RPVs. Disponível em https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/corregedoria-geral-da-justica-federal/estatisticas-da-justica-federal-1/precatorios-e-rpvs. Acesso em: 24 out. 2020. 

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