Opinião

Dano moral e pessoa jurídica de direito público: virada na jurisprudência do STJ?

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22 de janeiro de 2021, 9h32

No Brasil, infelizmente foram muitas as notícias de corrupção divulgadas pela mídia, e uma da qual talvez as pessoas já nem se lembrem tanto é a que ficou conhecida como "caso Jorgina de Freitas" [1]. Tratou-se de fraude contra o Instituto Nacional do Seguro Social envolvendo advogados, contadores, peritos e juiz e que causou prejuízos milionários à autarquia federal. No final do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça analisou um ponto específico do caso: teria o INSS sido vítima de dano moral?

De início, vale a pena recordar que o INSS é uma autarquia federal, ou seja, uma pessoa jurídica de direito público, criada e extinta por lei, e com capacidade administrativa para o exercício de atividades típicas de Estado. A doutrina administrativista ensina que autarquia é uma "pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam próprias e típicas do Estado" [2].

A Constituição Federal, promulgada em 5/10/1988, previu como garantia fundamental a indenização por danos ainda que exclusivamente morais. É o que consta do artigo 5º, inciso X, segundo o qual "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação".

E tão logo entrou em vigor o texto constitucional, surgiu o questionamento se seria possível a pessoa jurídica ser indenizada por danos morais tendo o Superior Tribunal de Justiça concluído que sim por meio da sua Súmula de Jurisprudência nº 227 [3], que é textual ao afirmar que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Ocorre que mesmo após a edição da referida súmula ainda se tinha dúvidas se a pessoa jurídica de direito público — União, Estados, Distrito Federal, municípios, autarquias e fundações públicas — poderia ser vítima de dano moral. E, novamente instado a se pronunciar sobre a questão, o STJ concluiu pela impossibilidade de pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral.

O informativo nº 125 do Jurisprudência em Teses do STJ vai nessa direção ao dizer que "a pessoa jurídica de direito público não é titular de direito à indenização por dano moral relacionado à ofensa de sua honra ou imagem, porquanto, tratando-se de direito fundamental, seu titular imediato é o particular e o reconhecimento desse direito ao Estado acarreta a subversão da ordem natural dos direitos fundamentais".

Os julgados mais relevantes que deram origem a tal interpretação foram o REsp nº 1.258.389/PB [4], relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, e o REsp nº 1.505.923/PR [5], relatado pelo ministro Herman Benjamin. O que há de comum entre eles é o exercício do direito de crítica dos cidadãos contra as pessoas jurídicas de direito público. Ou seja: de acordo com o STJ, pessoa jurídica de direito público não tem direito a indenização por dano moral quando exercido o direito de crítica por parte dos cidadãos.

Ocorre que agora, ao analisar o REsp nº 1.722.423/RJ [6], a segunda turma do STJ, por unanimidade, e seguindo o voto do relator, ministro Herman Benjamin, decidiu que é cabível indenização por danos morais em face de pessoa jurídica de direito público quando o que está em discussão é a própria credibilidade da instituição.

Colhe-se do voto do relator a seguinte passagem: "Embora haja no STJ diversas decisões em que se reconheceu a impossibilidade da pessoa jurídica de Direito Público ser vítima de dano moral, o exame dos julgados revela que essa orientação não se aplica ao caso dos autos. (…) O que se extrai é que a credibilidade institucional da autarquia previdenciária foi fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais segurados da Previdência e os jurisdicionados em geral é evidente, tudo consubstanciado por uma lesão de ordem extrapatrimonial praticada por agentes do Estado, que não pode ficar sem resposta judicial".

É de se ressaltar que o STJ não decidiu, ele próprio, qual o valor de indenização por danos morais que seria cabível no caso concreto. Ao contrário, determinou que o processo retorne ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região a fim de que este tribunal, considerando a premissa de que é possível pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral neste caso concreto, analise a questão da forma como entender de direito.

Portanto, talvez ainda seja cedo para afirmar categoricamente que a partir do "caso Jorgina de Freitas" o STJ tenha mudado o seu posicionamento acerca do tema envolvendo dano moral e pessoa jurídica de direito público.

Parece-nos mais correto afirmar que, a partir desse julgado, o STJ passa a admitir expressamente a possibilidade de pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral sempre que o que estiver em discussão seja a própria credibilidade da instituição. O tempo dirá se essa jurisprudência é a que vai prevalecer a partir de agora.

 


[2] Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28 ed. Atlas, 2015. p. 490.

[3] Súmula nº 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

[4] Recurso Especial nº 1.258.389/PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 17/12/2013.

[5] Recurso Especial nº 1.505.923/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., j. 21/5/2015.

[6] Recurso Especial nº 1.722.423/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., j. 24/11/2020.

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