Opinião

A instituição de governança corporativa nas sociedades em conta de participação

Autor

  • Sofia Fernandes de Oliveira

    é advogada das áreas de venture capital fusões e aquisições societário e contratos empresariais do escritório Machado Nunes e pós-graduanda em Direito Societário pelo Insper.

2 de janeiro de 2021, 12h46

Sabe-se que há tempos as práticas de governança corporativa são comumente empregadas nas sociedades anônimas, em especial para aquelas que possuem capital aberto na bolsa de valores, tendo em vista a estrutura robusta e complexa em que tais sociedades estão inseridas.

No entanto, apesar de não haver discussões sobre o tema, o objetivo do presente texto é o de inovar e fomentar a criatividade jurídica, expondo, de forma fundamentada, acerca da viabilidade da utilização e aplicação de boas práticas de governança corporativa nas sociedades em conta de participação, haja vista a importância de tais sociedades no que diz respeito à movimentação de boa parte da economia em seus nichos de atuação, como por exemplo a usual utilização nos empreendimentos imobiliários, as quais podem se perpetuar durante muitos anos.

Dito isso, primeiramente faz-se necessário expor uma breve síntese sobre as principais características deste tipo societário. As sociedades em conta de participação, conhecidas como SCP, estão regulamentadas no Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), especificamente nos artigos 991 a 996. São sociedades não personificadas, isto é, não possuem personalidade jurídica e são classificadas como uma sociedade de pessoas (affectio societatis).

A composição de uma SCP se dá por meio de dois tipos de sócios: 1) o sócio ostensivo; e 2) o sócio participante (também conhecido como sócio oculto). Apesar de o código civil não fazer distinção sobre a necessidade de o sócio ostensivo ser uma pessoa jurídica, a Receita Federal — de forma equivocada, a nosso ver — impede a emissão do CNPJ de uma SCP caso o sócio ostensivo seja uma pessoa física.

Na SCP, os sócios participantes contribuem das mais diferentes formas, seja com capital ou bens para formar o seu patrimônio especial, cujo objetivo é o de ser utilizado pelo sócio ostensivo no cumprimento de seu objeto social para compartilhar os resultados almejados com os sócios participantes, de modo que o sócio ostensivo é o único que responde/aparece perante terceiros, atuando sob sua exclusiva responsabilidade.

Conforme ilustrado por Rubens Requião, "dadas as condições econômicas reinantes, as sociedades em conta de participação estão revivendo. Capitalistas emprestam seus capitais a comerciantes, para aplicação em determinadas operações, repartindo-se o lucro ao final. É comum nos negócios momentâneos de importação, ou quaisquer outros negócios que envolvam aplicação imediata de expressivos capitais" [1].

Nas SCP, as partes são livres para negociar o seu objeto social, o qual poderá ser qualquer atividade em que o sócio ostensivo estiver apto a exercer.

Portanto, nada impede a SCP de explorar atividade econômica, bem como de adotar diretrizes e regras para a sua gestão. E é justamente pelo fato de a SCP revestir-se de caráter empresarial que a adoção de boas práticas de governança corporativa pode trazer maior profissionalismo à gestão e fiscalização das atividades do sócio ostensivo, a fim de evitar eventuais abusos, bem como para que os demais sócios participantes consigam examinar os atos de administração e a performance da SCP de uma maneira geral.

As boas práticas de governança corporativa têm como finalidade potencializar a atividade exercida pela sociedade, de forma a considerar todas as partes envolvidas no negócio ao colocar em prática os princípios basilares para uma eficiente gestão, tais como: a equidade (equality) no tratamento das partes, a transparência na gestão dos negócios (disclosure), a prestação de contas (accountability) e a conformidade com as leis vigentes (compliance).

Dessa forma, o sócio ostensivo, por ser considerado um tomador de risco e por ser o único encarregado de executar o objeto social, ou seja, os negócios das SCP, pode propor a adoção de tais princípios na gestão de seu negócio por meio de institutos de governança corporativa usualmente utilizados, de modo a evitar conflitos entre ele e os demais sócios participantes, proporcionando, assim, uma administração mais transparente aos envolvidos.

Nesse sentido, muito comum a criação em SCP de conselhos (administração, consultivo e/ou fiscal), comitês, câmaras, grupos de trabalho etc., de forma as deliberações de tais órgãos possam vincular ou não os sócios da SCP, a depender do que as partes dispuserem no contrato.

A título de exemplo, muito comum que a criação de um conselho de administração tenha como escopo o direcionamento dos negócios da SCP, de modo que suas decisões podem se referir, por analogia, a alguns itens inseridos nos artigos 122 e 142 da Lei das Sociedades por Ações (LSA) (Lei nº 6.404 de 15 de dezembro de 1976), como a fixação da orientação geral dos negócios, a escolha de auditores independentes, a manifestação prévia sobre atos ou contratos ou a reforma/alteração do contrato que reger a SCP.

Lado outro, o conselho fiscal poderá ser instituído com o propósito de fiscalizar e acompanhar a atuação do sócio ostensivo, competindo-lhe averiguar as demonstrações financeiras e todas as questões contábeis da sociedade, aplicando-se por analogia, portanto, os artigos 161 a 165 da LSA.

Diante dos argumentos ora expostos, concluímos que a adoção das boas práticas de governança corporativa na SCP mostra-se bastante interessante, pois traz maior segurança e transparência na condução dos negócios deste tipo societário, já que muitas sociedades poderão se perpetuar durante muito tempo. Dessa forma, ainda que de maneira tímida, mas com algum tipo de governança corporativa, a SCP terá potencial em manter sua administração de maneira mais profissional, podendo ainda atrair outros investidores na forma de sócios participantes mediante a captação de recursos financeiros para o cumprimento de seu objeto social.

 


[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, 24ª ed., v.1, 2007, Saraiva, p. 374.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!