Opinião

A humanidade deve manter a pena de morte?

Autores

  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é advogado criminalista mestre e doutor em Direito Penal pela USP presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo por três gestões (2004/2012) presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCrim).

  • Luiz Eduardo Filizzola D'Urso

    é acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie conselheiro titular do Conselho Regional de Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável e Cultura da Paz da Subprefeitura da Sé na cidade de São Paulo (Cades Sé-SP) integrante do escritório D’Urso e Borges Advogados Associados e vice-presidente da Comissão Nacional dos Acadêmicos de Direito e Estágio Profissional (Cadep) da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

20 de fevereiro de 2021, 7h14

A nossa sociedade precisa refletir sobre esse tema, que é sempre recorrente no Brasil, especialmente em momentos de crise de segurança pública ou da ocorrência de crimes de grande repercussão.

Também conhecida como pena capital, a pena de morte é uma punição aplicada pelo Estado ao acusado, após um regular processo, suprimindo-lhe a vida. Para a efetivação dessa pena, ela deve ser prevista legalmente, vale dizer, permitida por lei, e sentenciada após um julgamento formal, no qual se assegura o direito de defesa ao réu.

A pena capital é a mais antiga das punições, não havendo registro exato de quando ocorreu seu surgimento na humanidade. Desde sua origem, ela sempre foi aplicada com requintes de crueldade, impingindo uma morte lenta, dolorosa e torturante. 

A punição com a morte, em longo período histórico, era executada através da crucificação, sendo essa a forma de aplicação da pena de morte mais conhecida e popular a seu tempo. A Bíblia registra que Jesus Cristo foi morto pelos romanos pela crucificação.

Já no primeiro código de leis que se conhece, o Código de Hamurabi, essa forma de punição estava presente, servindo como pena para punir autores de diversos crimes. 

A pena de morte foi muito empregada pela humanidade, inclusive persistindo até os dias atuais, uma vez que se encontra presente na legislação de vários países.

Atualmente, são muitas as formas de sua aplicação e as mais utilizadas são injeção letal, eletrocussão (morte por descarga elétrica), enforcamento, fuzilamento e decapitação, por vezes com execução pública.

A abolição da pena de morte nos parece ser um imperativo e justifica-se, basicamente, por cinco pontos, iniciando-se pela constatação de que a nossa justiça é realizada por homens e, considerando que o homem é falível, nossa justiça também o será, de forma a propiciar, com certa frequência, o desastre do erro judiciário como realidade e possibilidade.

Outro aspecto é o de que a pena capital retira a proporcionalidade da reprimenda, vale dizer, aquele que mata uma pessoa, caso condenado à morte, poderia continuar matando impunemente antes da execução, pois é impossível acrescentar mais punição a essa pena máxima que já lhe foi decretada.

Também não parece razoável que o Estado puna com essa pena máxima aquele que, violando a lei que dita "não matarás", pratica homicídio. Isso em razão de que, vigente a pena de morte, o Estado está autorizado a matar para que o homem não mate. Essa construção de raciocínio não se sustenta, pois ela se nega por si só.

Muitas pesquisas foram realizadas ao longo da história para apurar se, quando aplicada a pena de morte, ela realmente reduz a criminalidade. Porém, os resultados verificados demonstram que a aplicação da pena capital não tem impacto expressivo para a redução da criminalidade. Uma das razões, especula-se, é a de que o criminoso tem certeza de que não será alcançado pelo Estado, tampouco punido.

Como derradeiro argumento contrário à pena de morte, verifica-se que aqueles que defendiam a execução da pena capital, sob o aspecto subjetivo (enquanto ideia), mudam de opinião, quando da decretação concreta da pena capital e, antes da sua execução, bradam por clemência ao condenado.

A história da pena de morte é a própria história de sua abolição, de modo que, no decorrer da escalada da civilização, constata-se o desuso gradual da pena capital pela maioria dos países desenvolvidos.

Nesse sentido, Portugal foi o pioneiro na mudança da previsão legal desta punição, pois, no ano de 1867, após uma reforma penal, aboliu a pena de morte para crimes civis. Vale ressaltar que a última pena capital aplicada em solo português foi anterior à sua abolição, em 1849, servindo de exemplo para todo o mundo e, principalmente, para a Europa. 

Dessa forma, na União Europeia — bloco econômico do continente europeu — dos 27 Estados-membros, nenhum deles tem, ainda, em seu ordenamento jurídico, a pena de morte legalizada.

Há um trabalho contínuo pela abolição da pena de morte nos países membros do bloco europeu, que mantêm ações como a proibição do comércio de bens que possam ser utilizados para tortura e execução e, principalmente, uma política pública comercial, para incentivar o cumprimento dos direitos humanos, impingindo ônus comercial para quem os desrespeita.

Ampliando os olhares para o restante da Europa, além do bloco econômico, o único país do continente que ainda tem a previsão legal da pena capital é a Bielorrússia.

No continente asiático, a China, maior país em número de habitantes, é considerada pela Anistia Internacional o país que mais aplica a pena de morte em todo mundo. Os dados oficiais do uso desta pena inexistem ou são desconhecidos, pois são classificados como segredo de Estado; mesmo assim, acredita-se que a China utiliza a pena capital milhares de vezes todos os anos. Por esse motivo, os números levantados e apresentados pela ONU não os inclui sistematicamente.

Embora inexistam dados oficiais, segundo edição da revista Forbes de 2017 a China é o país que mais utiliza desta punição capital, com um número estimado superior a mil execuções. Na pesquisa dessa revista, os Estados Unidos encontram-se em 7º lugar, com 23 penas de mortes aplicadas naquele ano.

No continente americano, os Estados Unidos mantêm algumas leis estaduais e ainda aplica a pena de morte em alguns casos. Dos 50 Estados norte-americanos, 21 já aboliram a pena de morte e outros quatro emitiram proibições temporárias sobre a pena máxima. A abolição mais recente foi do Estado de Nova Hampshire, em 30 de maio de 2019. 

No Brasil, ao contrário do que muitos pensam, ainda existe em nossa legislação a pena de morte, todavia, prevista somente em caso de guerra declarada, segundo artigo 5º, inciso XLVII, "a", da Constituição Federal. Fora desse período de guerra declarada, não há pena de morte no Brasil, a qual foi utilizada pela última vez para crimes civis em 1876 e, desde 1889, com a Proclamação da República, foi proibida a sua aplicação.

Contrariando o ciclo abolicionista, infelizmente o ano de 2015 foi exceção, segundo a Anistia Internacional, pois registrou-se o maior número de mortes decorrentes da aplicação da pena capital nos últimos 25 anos. Foram ao menos 1.634 pessoas que sofreram essa pena durante todo o ano (sem computar os dados da China).

Os anos que se seguiram a 2015 mostraram que a aplicação da pena de morte está diminuindo, pois em 2016 foram 1.032 mortes; em 2017, o número foi reduzido para 993; e em 2018 diminui ainda mais, foram executadas 690 pessoas. 

O tema merece reflexão profunda neste quadrante histórico no qual se registram manifestações de intolerância e ódio em todo o planeta, que reforçam absurdas teses para implantação e defesa da aplicação da pena de morte, tanto no Brasil como em outros países. Como se verifica, não há justificativa plausível para que se continue a implantar ou aplicar essa pena máxima, que escancara o lado mais desumano da humanidade.

Autores

  • é advogado criminalista, presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM), presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), presidente do Lide Justiça, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, ex-presidente da OAB-SP e ex-conselheiro federal da OAB.

  • é acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), membro da Liga Acadêmica Agromack, diretor Administrativo e diretor da Comissão de Meio Ambiente do Rotaract Club Universidade Mackenzie, vice-presidente da Comissão Nacional do Acadêmico de Direito da ABRACRIM.

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