Opinião

Inclusão de orientação sexual e identidade de gênero em BOs ajuda, mas não basta

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7 de fevereiro de 2021, 15h13

Por determinação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam), unidades especializadas da Polícia Civil nas ações preventivas, protetivas e investigativas de crimes contra as mulheres, em medida liminar, terão de registrar em seus boletins de ocorrência informações envolvendo "identidade de gênero" e "orientação sexual" das vítimas atendidas, buscando, assim, nos termos da decisão, "dimensionar corretamente o grau de violência que a população LGBTI sofre, especialmente no que se refere aos chamados crimes de ódio, o que contribuirá decisivamente no desenvolvimento de estratégias para melhor garantir a segurança e a vida digna e livre de discriminação e violência ao grupo".

É um primeiro e importantíssimo passo, mas terá de vir acompanhado de um treinamento e de sensibilização da Polícia Civil para a realização desses atendimentos. Isso porque há uma forte tendência a dissociar o cometimento do crime da questão ao ódio pela "identidade de gênero" e/ou "orientação sexual" das pessoas LGBTI.

Dados comprovam essa preocupação. Em 2017, quando Dandara dos Santos foi espancada até a morte, seu crime não foi registrado como homotransfobia e, passados três anos, agora a menina trans Keron Ravach, de apenas 13 anos, foi também espancada até a morte e a delegacia de Camocim não registrou o crime como homotransfobia, mas como um crime comum, ignorando que a identidade sexual e de gênero de Keron teve relação direta com a forma brutal com que foi assassinada.

Dandara e Keron tiveram o mesmo registro nos Boletins de Ocorrência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), descartando-se que "o ato infracional tenha ocorrido em razão da orientação sexual da vítima". Dandara teve seu espancamento filmado pelos próprios assassinos e sua morte foi diretamente associada a crime de ódio por sua condição de travesti. Já quanto a Keron, a divulgação dos elementos brutais com que foi morta não deixam dúvidas de tratar-se de um crime de ódio por não a considerarem digna como outras mulheres, a qual o suspeito, hoje preso, também "fazia programas" — se é que, de fato, sua morte decorreu dessa situação.

Aliada a tal situação está a de que o registro não deveria se restringir apenas a delegacias da mulher, mas deveria haver o registro em qualquer delegacia. Porém, se há dificuldades num local em que há, em teoria, maior sensibilidade no atendimento, calcule-se em ambientes mais opressores e com menos preparo ainda para sensibilização no atendimento.

Mas a intenção e o objetivo buscados são imensos, temos de continuar a acreditar que vai gerar frutos para melhor identificar os casos de violência LGBTI e, assim, trazer soluções que levem ao fim de tanto preconceito, evitando-se, por fim, que a comunidade seja vitimada duas vezes: do crime e da invisibilidade.

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