Opinião

STF e a amplitude do conceito de entidade educacional para fins de imunidade

Autor

  • Gabriel Calil Pinheiro

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo pesquisador permanente do Núcleo de Justiça e Constituição da FGV Direito-SP e advogado do escritório Pannunzio Trezza Donnini Advogados.

28 de dezembro de 2021, 6h32

A Constituição Federal assegura, em seu artigo 150, VI, "c", a imunidade a impostos às instituições de educação. O dispositivo constitucional não delimita, contudo, a extensão do conceito de "instituição de educação". Diante desse cenário, divergências têm surgido sobre quais entidades estariam ou não abrangidas por essa expressão.

Quaisquer organizações que desempenhem atividades ligadas à educação seriam imunes ou o benefício constitucional se aplicaria apenas àquelas entidades que desenvolvem ensino curricular?

Muito embora seja papel do Supremo Tribunal Federal conferir unidade à interpretação constitucional, a corte tem se abstido de rever decisões das instâncias inferiores sobre esse assunto, valendo-se do argumento de que não pode reavaliar fatos e provas, em razão da incidência da Súmula nº 279 [1]. O impacto dessa decisão para a sociedade civil é expressivo, já que, de acordo com o Mapa das Organizações da Sociedade Civil do Ipea, há ao menos 35.213 entidades de educação e pesquisa no Brasil [2].

Ao contrário do que sustenta o Supremo, a decisão pelo enquadramento de uma organização no conceito de "instituição de educação", muitas vezes, resume-se a uma questão de direito, não de fato. Em diversos casos que chegam ao STF, a moldura fática já foi definida e se tornou incontroversa nas instâncias inferiores. Já se tem clareza, por exemplo, que uma determinada entidade oferece cursos livres e formações amplas, não curriculares. O que se pretende não é o reexame do acervo fático do processo, mas saber se esse tipo de instituição é ou não abrangida pela imunidade do artigo 150, VI, "c", da Constituição.

A esse respeito, vale lembrar que decisões de ministros têm reafirmado que a jurisprudência do STF vem favorecendo uma interpretação extensiva das imunidades. É o caso do ministro Toffoli na decisão sobre a repercussão geral no RE 767.332/MG, que discutiu se imóveis temporariamente ociosos de propriedade de instituições de educação e assistência social poderiam ser beneficiados pela imunidade a impostos:

"No caso da imunidade de que se trata, esta Corte tem conferido interpretação extensiva nos diversos precedentes em que se discute a compreensão do que seja o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades contempladas no texto constitucional, ao passo que tem interpretado restritivamente as normas de isenção" [3].

No RE 595.676/RJ [4], por sua vez, discutiu-se se componentes eletrônicos que acompanhavam materiais didáticos estariam abrangidos pela imunidade da alínea "d" do artigo 150, VI. Ao reputar tais componentes como compreendidos pela imunidade, fez-se referência, naquela ocasião, à teleologia da imunidade, entendendo a corte que o propósito da norma constitucional era privilegiar direitos fundamentais como a liberdade de expressão e livre circulação de expressão, que facilitariam o acesso à educação e à cultura.

Este quadro é favorável a uma compreensão ampla do que seriam "instituições de educação". Em São Paulo, por exemplo, o Tribunal de Justiça [5] já decidiu pela interpretação extensiva dessa hipótese de imunidade. Até mesmo porque, quando trata do desenvolvimento de atividades curriculares, a Constituição faz uso do termo "ensino" (vide o artigo 206) ou acrescenta adjetivos à educação (vide "educação infantil" no artigo 30, VI). No artigo 150, VI, "c", por sua vez, utilizou apenas "educação". Se a intenção é fomentar o direito fundamental à educação, é certo que organizações que desempenham atividades educacionais em variadas frentes (por exemplo, o oferecimento de cursos livres, capacitações em sentido amplo e realização de ações educativas), para além do ensino curricular, também cumprem um papel importante.

Nesse cenário, para evitar divergências e unificar a interpretação constitucional, é extremamente importante que o STF cumpra o papel que lhe foi atribuído pela Constituição e deixe de tratar de modo tão peremptório o enquadramento de organizações como "instituições de educação" como uma questão exclusivamente de fato — e que faça isso de modo coerente com sua jurisprudência. Afinal, não raro se trata de questão de direito análoga a dos casos mencionados acima, já enfrentados pela corte.


[1] Conferir, por exemplo, o RE 1.271.492/DF, STF, rel. ministro Celso de Mello, julgado monocraticamente em 29/6/2020.

[2] Mapa das Organizações da Sociedade Civil, Ipea, disponível em: https://mapaosc.ipea.gov.br/indicadores. Acesso em 14/12/2021.

[3] Trecho da manifestação do ministro Toffoli na decisão sobre a Repercussão Geral no RE 767.332/MG, Plenário, julgada em 01/11/2013. O mesmo se verifica em trecho da decisão do ministro Luiz Fux, no ARE 1244279/SP, julgado monocraticamente em 28/11/2019, que diz que no caso da imunidade das entidades beneficentes de assistência social, a corte tem conferido interpretação extensiva à respectiva norma, ao passo que tem interpretado restritivamente as normas de isenção. Curiosamente, o próprio ministro Toffoli decidiu por um conceito restrito de educação no RE 862.852, julgado monocraticamente em 18/2/2015.

[4] RE 595.676/RJ, Plenário, julgada em 08/03/2017.

[5] Conferir, por exemplo, a Apelação 1001834-72.2020.8.26.0114, TJ/SP. 18ª Câmara de Direito Público, rel. Botto Muscari, decisão de 24/9/2021, decidindo sobre a imunidade da Fundação Carlos Chagas. No mesmo sentido, a Apelação 1044537-12.2017.8.26.0053, TJ/SP, 18ª Câmara de Direito Público, rel. Roberto Martins de Souza, julgada em 6/2/2020, decidindo sobre a Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pesquisador permanente do Núcleo de Justiça e Constituição da FGV Direito SP e advogado de Pannunzio, Trezza, Donnini Advogados.

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