Opinião

Retenção de honorários de advogados contratados por sindicatos

Autor

  • Leonis de Oliveira Queiroz

    é mestre em Regulação e Políticas Públicas especialista em Direito Público graduado em Direito e Segurança da Informação ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal servidor do Superior Tribunal de Justiça e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

23 de dezembro de 2021, 7h04

Os honorários advocatícios não só servem como remuneração dos serviços prestados pelo advogado, como também têm natureza alimentar, indispensável à sobrevivência digna do profissional, conforme dispõe o artigo 85, §14, do Código de Processo Civil/2015 [1]. A despeito disso, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em emblemático precedente [2] , pacificou que:

"As exceções destinadas à execução de prestação alimentícia, como a penhora dos bens descritos no artigo 833, IV e X, do CPC/15, e do bem de família (artigo 3º, III, da Lei 8.009/90), assim como a prisão civil, não se estendem aos honorários advocatícios, como não se estendem às demais verbas apenas com natureza alimentar, sob pena de eventualmente termos que cogitar sua aplicação a todos os honorários devidos a quaisquer profissionais liberais, como médicos, engenheiros, farmacêuticos, e a tantas outras categorias."

No mesmo julgado, a relatora cuidou de fazer a distinção entre os termos "verba alimentar" e "prestação alimentícia", após citar que os termos são utilizados como sinônimos pelo legislador em momentos históricos e diplomas diversos do ordenamento jurídico pátrio, conforme se verifica:

"Uma verba tem natureza alimentar quando destinada à subsistência do credor e de sua família, mas apenas se constitui em prestação alimentícia aquela devida por quem tem a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que, necessariamente, deles depende para sobreviver."

Conforme previsão contida no artigo 22, §4º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil — EAOAB), o advogado pode requerer perante o Juízo onde tramita a ação em que atuou, mediante a juntada do contrato de honorários aos autos, a retenção de valores a que faz jus o contratante dos serviços advocatícios vencedor da demanda, a título de remuneração.

Interpretando esse dispositivo legal, o STJ consolidou entendimento no sentido de que o contrato celebrado exclusivamente entre o sindicato e o advogado não vincula os filiados, em face da ausência de relação jurídica contratual entre estes e o advogado, já que a relação é entre o sindicato e o profissional contratado.

Sob esse enfoque, a retenção sobre o montante da condenação da parte que cabe ao patrono por força de honorários contratuais só é permitida com a apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados, ou, ainda, com a expressa autorização deles para tanto [3] .

A propósito, em recente julgado, a Quarta Turma do STJ, reiterando o entendimento da Terceira Turma do Órgão, impediu a retenção da verba por sindicato, promovida diretamente, e sem a anuência do filiado. Na hipótese, ficou consignado que a entidade, caso entenda, deve propor a ação adequada para o recebimento da verba. Veja-se:

"Conforme a jurisprudência do STJ 'Não havendo prévio consenso entre Sindicato e trabalhador, é indevida a retenção, promovida de mão própria, de parcela do crédito executado pela entidade como substituta processual do obreiro. Se o Sindicato entende ter qualquer valor a receber, compete-lhe exercer tal pretensão mediante a propositura de ação adequada. Nessa ação, facultar-se-á aos trabalhadores manifestar oposição sustentando e provando sua condição de miserabilidade, nos termos do artigo 14, §1º, da Lei 5.584/70'(REsp 931.036/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 2/12/2009)" [4] .

Conforme o Recurso Especial nº 1.665.033/SC, publicado no DJe de 4/11/2019, o arbitramento judicial é a forma de se mensurarem, ante a ausência de contratação por escrito, os honorários devidos. Apesar da indispensável provocação judicial, não se confundem com os honorários de sucumbência, porquanto não possuem natureza processual e independem do resultado da demanda proposta.

Com efeito, não se despreza o teor do §7º do artigo 22, do EAOAB [5] , incluído pela Lei 13.275/2018, que possibilita o destaque dos honorários naqueles casos em que o beneficiário exercer a opção de "adquirir os direitos" (leia-se: de executar o título coletivo). Ocorre que, em execução ajuizada diretamente pelo sindicato, em regime de substituição processual, não havendo qualquer prova no sentido de que o sindicalizado tenha validamente exercido a opção a que se refere a lei, não há que se autorizar o destaque da verba, segundo o STJ.

Para a Corte, a procuração assinada pelo beneficiário pela execução é imprescindível, ou mesmo o contrato de honorários, ou ainda, documento que evidencie ter ele, de alguma maneira, anuído com a execução proposta em seu benefício (e, consequentemente, com o destaque dos honorários previsto em contrato assinado apenas pelo Sindicato da respectiva categoria).

Assim, o STJ entende que "a legitimação extraordinária com a dispensa de assinatura de todos os substituídos alcança a liquidação e a execução de créditos. Contudo, a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida com a apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados nos termos do artigo 22, §4º, da Lei 8.906/1994." (REsp 1.894.684/RS, relator ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 24/6/2021).

Nada obstante, não são poucos os processos recebidos na Corte, em que advogados contratados por sindicatos pretendem, por conta própria, fatiar da quantia devida ao cliente pelo sucesso na ação, os valores referentes aos honorários advocatícios, o que causa constrangimentos de diversas ordens.

Acreditam, ou pelo menos tentam fazer acreditar, que a relação jurídica está entre eles e o filiado substituído, já que o direito conquistado beneficiará exclusivamente àquele, ainda que às custas do trabalho desempenhado pelo profissional.

Essa conduta não está de todo errada. Em que pese a pacífica jurisprudência do STJ acerca do tema, não é razoável exigir que o advogado ajuíze uma ação autônoma para receber por trabalho que desenvolveu na própria execução granjeada pelo filiado, notadamente, porque o juízo da execução é quem está, como nenhum outro, a par do desenrolar do processo e do desempenho do causídico.

Para evitar o manejo de uma nova ação que certamente tomará tempo, recursos humanos e energia do Poder Judiciário (que já se encontra abarrotado), o certo seria que a execução da verba fosse realizada na mesma ação em que o filiado sagrou-se vitorioso. Não havendo contrato ou autorização expressa nesse sentido, o próprio juízo da execução já deveria proceder ao arbitramento do valor devido, balizando-o nos termos do artigo 85, §§2º ao 6º, do CPC/2015, assegurado ao sindicato o direito de regresso, nas hipóteses cabíveis.

Tal providência, além de atender à moderna processualística, evitaria o manejo de novas demandas judiciais, prestigiaria o trabalho daquele que, nos termos do artigo 133 da CF/88, é indispensável à administração da justiça, além de barrar eventual enriquecimento sem causa, homenageando-se, de forma racional, o ordenamento jurídico, que prima, dentre outros, pela celeridade, eficiência e economia processual.

Ademais, asseguraria a primazia das verbas de natureza alimentar, realçando o antigo conceito de justiça, segundo o qual, deve-se dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere), de sorte que se a verba honorária não é do filiado vencedor da ação/exequente, não faz o menor sentido, do ponto de vista prático, exigir que o advogado ajuíze uma ação autônoma só para receber o que lhe é devido desde o início.

 


[1] "Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial." Nesse mesmo sentido é a Súmula Vinculante nº 47.

[2] STJ. REsp 1815055/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 26/8/2020.

[3] STJ. AgInt no REsp 1892645/RS, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 14/10/2021.

[4] STJ. AgInt no AREsp 1800939/DF, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,  DJe 8/10/2021

[5] "Os honorários convencionados com entidades de classe para atuação em substituição processual poderão prever a faculdade de indicar os beneficiários que, ao optarem por adquirir os direitos, assumirão as obrigações decorrentes do contrato originário a partir do momento em que este foi celebrado, sem a necessidade de mais formalidades".

Autores

  • é conselheiro suplente do Conselho Penitenciário do Distrito Federal COPEN-DF, servidor do Superior Tribunal de Justiça, especialista em Direito Público (Faculdade Fórtium) e mestrando pelo Programa de Mestrado Profissional em Direito, Regulação e Políticas Públicas da Universidade de Brasília - UNB.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!