Opinião

As Comissões Parlamentares de Inquérito e a proteção das minorias parlamentares

Autor

  • Leandro Augusto de Araujo Cunha Teixeira Bueno

    é mestrando em Direito pela Universidade de Brasília advogado e sócio do escritório Cunha Bueno Advogados coordenador de Comissões Especiais Temporárias e Parlamentares de Inquérito no Senado Federal e ex-secretário de colegiados como as CPIs da Covid-19 do BNDES dos Cartões de Crédito do Futebol e do Assassinato de Jovens.

20 de dezembro de 2021, 16h09

As Comissões Parlamentares de Inquérito, à luz da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal [1], sintetizam a participação ativa das minorias parlamentares na fiscalização do exercício do poder e representam um direito público subjetivo de oposição. É o que se depreende, em especial, do artigo 58, §3º, da Constituição Federal, o qual determina a criação de CPIs quando presentes os requisitos do fato determinado e do prazo certo, com a subscrição de requerimento por um terço dos membros da casa legislativa, despicienda a concordância do plenário.

Embora sacramentado na jurisprudência, esse assunto acaba sendo revisitado com com certa frequência, porquanto a instalação das CPIs nem sempre ocorre com a urgência esperada — o que se deve a uma série de fatores, inclusive, por exemplo, por eventual inércia de lideranças partidárias em indicar a sua composição. Mais recentemente, por exemplo, a instalação da CPI da Covid-19 deu-se somente a partir de decisão do ministro Luis Roberto Barroso no bojo do MS 37.760/2021 [2].

Percebe-se que esse direito de minorias parlamentares atrelado às CPIs é resguardado, pois, tanto no que tange à sua criação, quanto à sua instalação. Esclareça-se que a criação da CPI dá-se com a publicação do requerimento contendo as assinaturas necessárias, independentemente da concordância da maioria da casa legislativa, ao passo que a sua instalação ocorre com a realização da primeira reunião, convocada pelo parlamentar mais idoso dentre os titulares, quando houver, ao menos, mais da metade de sua composição indicada pelos líderes.

Nesse paradigma, já houve decisão do Supremo [3] determinando que, em sendo omissas as lideranças partidárias na indicação dos membros de CPI, caberia ao próprio presidente do Senado designá-los, em linha com a aplicação analógica do artigo 28, §1º, do Regimento da Câmara dos Deputados. Na ocasião, fixou-se o prazo para que a presidência do Senado realizasse as indicações.

Malgrado a existência de diversos julgados a propugnar as CPIs, no contexto ex ante à sua instalação, como um direito basilar das minorias parlamentares, não se verificam decisões ou dispositivos regimentais que forneçam qualquer proteção às minorias parlamentares ex post.

Parece-nos que, a princípio, não seria possível depreender diretamente do texto constitucional essa necessidade de proteção ex post, mas nada impediria que regimentos internos, reconhecendo a especificidade desses colegiados frente aos demais, delimitassem algumas normas que pudessem resguardar minimamente a participação mais ativa das minorias parlamentares nas investigações.

Por outro lado, a partir da observação das CPIs, tem-se como hipótese que a total ausência de resguardo, em qualquer medida, à vontade da minoria após a instalação do colegiado pode ser responsável por investigações mais limitadas e pela crítica comum à efetividade das CPIs trata-se de aspectos regimentais que ditam o funcionamento e interferem diretamente nos resultados do inquérito parlamentar.

A composição das CPIs obedece regimentalmente ao critério de proporcionalidade e, nesse sentido, replica, tanto quanto possível for, a composição do plenário da casa legislativa. Por essa razão, as minorias parlamentares, que puderam impor a instalação do colegiado, diante da composição de grande parte das CPIs, geralmente terão meios de ação extremamente limitados a partir da instalação.

A esse respeito, merecem destaque três aspectos importantes comuns às CPIs: 1) a formação das pautas das reuniões deliberativas; 2) a votação de requerimentos; e 3) a efetivação, uma vez aprovados os requerimentos, das oitivas nele especificados.

O presidente da CPI é eleito, naturalmente, pela maioria do colegiado e em votação secreta — se não for eleito por aclamação, como é comum. Cabe a ele, com exclusividade, indicar o relator — quem ditará com maior ênfase os rumos das investigações e o posicionamento final do colegiado.

Ao presidente compete, ainda, o poder de pauta, de modo que, na formatação normativa atual, cabe exclusivamente a ele elaborar as pautas da reunião do colegiado — isso, na prática, ocorre a geralmente a partir da consulta ao relator e ao grupo majoritário do colegiado.

No que tange às reuniões deliberativas, cabe ao presidente definir quais dos requerimentos apresentados pelos membros integrarão ou não a pauta. Nesse sentido, muitas vezes requerimentos de interesse da minoria sequer chegam a ser pautados para apreciação em reuniões deliberativas de CPI. Qualquer membro poderá apresentar requerimentos, mas esses requerimentos somente serão pautados por decisão do presidente.

Os requerimentos aprovados — de oitivas, audiências públicas, informações e transferências de sigilos — são responsáveis por oxigenar as CPIs, conferindo subsídios ao desenvolvimento dos seus trabalhos. É comum em CPIs que as minorias parlamentares, a depender da composição, fiquem absolutamente alijadas de aprovar os requerimentos que eventualmente forem de seu interesse. Isso porque a votação dos requerimentos nas CPIs realiza-se exatamente nos moldes aplicáveis às demais comissões: por maioria simples, desde que presente a maioria absoluta dos membros.

Para além disso, mesmo que os requerimentos de oitivas fossem aprovados, tendo em vista o poder de pauta presidencial, não é certo que seriam implementados. É normal que as CPIs aprovem tantos requerimentos de oitivas de modo que se torne impossível a realização de todos esses atos, facultando ao presidente determinar o que será ou não realizado — isso foi o que aconteceu, recentemente, na CPI da Covid-19, por exemplo.

Sob esse aspecto, as minorias também estão desprotegidas, na medida em que dificilmente conseguirão implementar requerimentos de oitiva desalinhados com o interesse do grupo majoritário que houver, em especial, com o presidente.

Em suma, após a instalação das CPIs, as minorias parlamentares enfrentam grandes dificuldades na sua atuação: primeiro, são extremamente difíceis a inserção de itens de pauta nas reuniões deliberativas que atendam a interesses das minorias. Ainda que se logre êxito na inserção de alguns desses itens na pauta, a aprovação de requerimentos de seu interesse é improvável. Por fim, em relação aos requerimentos aprovados de oitivas, não há qualquer garantia de que os depoentes serão ouvidos, porque cabe, com exclusividade, ao presidente definir as pautas das reuniões.

A despeito de serem as CPIs um direito público subjetivo de oposição, percebe-se que, tendo em vista a sua dinâmica regimental, comumente esse direito não pode ser exercido em amplitude, dada a impossibilidade de que as minorias possam impor, em medida mínima, qualquer de suas vontades relativamente às investigações após a instalação do colegiado.

Em razão disso, é comum que as CPIs sejam criticadas por, ao longo das investigações, supostamente carregarem visões enviesadas, tendo em vista esse alijamento absoluto das minorias quanto aos atos decisórios de relevo.

Diante desse panorama, é de se perscrutar: em alguma medida, seria importante para as CPIs que houvesse mecanismos que possibilitassem um resguardo mínimo à vontade da minoria parlamentar após a instalação? Seriam esses colegiados dotados de especificidade suficiente a justificar a formatação de meios protetivos às minorias após a instalação?

Tende-se a concordar, haja vista que normas que, sem subverter o princípio da colegialidade, concedessem certo poder às minorias parlamentares nas CPIs teriam o condão de trazer uma nova dinâmica e mais riqueza às investigações, corroborando para uma percepção do público quanto à maior efetividade da CPI, uma das suas críticas mais comuns na sociedade.

Trata-se certamente de temática que requer um aprofundamento, mas, por certo, a conferência de mais direitos às minorias parlamentares no âmbito das CPIs deveria atacar as três mencionadas frentes: 1) a convocação das reuniões deliberativas; 2) a votação dos requerimentos; e 3) a convocação das oitivas.

Exemplificativamente, aplicação de sistemas previstos no Direito Societário — um dos mais protetivos das minorias — como o voto múltiplo, poderiam viabilizar a aprovação de requerimentos que fossem interessantes às minorias. Ainda, certa limitação ao poder de pauta do presidente, deferindo às minorias a possibilidade de inserir alguns itens em reuniões deliberativas, ou a obrigatoriedade de realização de determinada oitiva, poderia conferir às CPIs maior alinhamento democrático, bem como uma melhora em sua percepção pela população.

Portanto, com vistas a garantir cada vez mais efetividade às CPIs, é necessário avançar e pensá-las como um direito das minorias não apenas até, mas principalmente depois da instalação. Assim, poder-se-ia conferir, em alguma medida, a grupos minoritários formados dentro de tais colegiadas, algumas prerrogativas para que consigam expressar de modo mais ativo a sua visão ao longo das investigações.


[1] A esse respeito, confiram-se: MS 37760 MC-Ref, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 06-08-2021 PUBLIC 09-08-2021; MS 24831, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006 PP-00026 EMENT VOL-02240-02 PP-00231 RTJ VOL-00200-03 PP-01121; MS 24849, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 29-09-2006 PP-00035 EMENT VOL-02249-08 PP-01323; ADI 3619, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJ 20-04-2007 PP-00078 EMENT VOL-02272-01 PP-00127; MS 26441, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 25/04/2007, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-03 PP-00294 RTJ VOL-00223-01 PP-00301.

[2] MS 37760 MC-Ref, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 06-08-2021 PUBLIC 09-08-2021.

[3] MS 24849, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 29-09-2006 PP-00035 EMENT VOL-02249-08 PP-01323.

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  • é advogado e sócio do escritório Cunha Bueno Advogados, coordenador de Comissões Especiais, Temporárias e Parlamentares de Inquérito no Senado Federal e ex-secretário de colegiados como as CPIs da Covid-19, do BNDES, dos Cartões de Crédito, do Futebol e do Assassinato de Jovens.

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