Opinião

Observações sobre o falecimento de sócio durante a cessão de quotas

Autor

  • Gabriel Abreu da Silveira

    é advogado especializado em Direito Societário sócio do escritório Martelli & Abreu Advocacia Empresarial mestre em Economia pela UFPR e especialista em Direito Empresarial pela ABDConst.

30 de agosto de 2021, 15h06

Na omissão do contrato social, o sócio de sociedade limitada pode ceder sua quota a quem já for sócio ou, não havendo oposição dos titulares de mais de um quarto do capital social, a outras pessoas. Basta que o instrumento seja averbado com a subscrição dos sócios anuentes na junta comercial para que possua eficácia quanto aos sócios e à própria sociedade.

Entretanto, imagine-se que a cessão de quotas trata de valor vultoso e houve negociação de um pagamento parcelado. Qual será o tratamento jurídico para o caso de falecimento do sócio cedente que ainda não havia finalizado a transação de suas quotas da sociedade limitada?

Bom, inicialmente, é importante que se frise que a transferência das quotas só surte o efeito pretendido depois de averbada no registro. De acordo com o Enunciado n° 225 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, a cessão de quotas averbada no registro da sociedade independe de alteração contratual quando o contrato social for omisso. Não obstante, mesmo que o instrumento particular tenha sido averbado na junta comercial, fato é que ainda não teria sido de fato cumprida a condição necessária para alteração da posição do sócio cedente para o cessionário.

Ocorre que a falta de quitação do contrato não significa que ele já não surtiu efeito entre as partes. O cessionário possui um direito subjetivo que não se extingue com a morte de quem tem o dever jurídico, razão pela qual subsiste o pacto firmado com o sócio cedente. Contudo, cabe agora ao cessionário realizar o pagamento das parcelas faltantes diretamente ao espólio, o qual passou a ocupar a posição de titular das quotas sociais, de modo a se manter no direito de receber as referidas quotas na devida quitação.

Mas e como fica a sociedade até lá?

O artigo 1.028 do Código Civil dispõe que, salvo disposição diversa no contrato social, opção dos demais sócios pela dissolução ou acordo com os herdeiros para a substituição, as quotas do sócio falecido deverão ser liquidadas. Vale observar, porém, que inexiste a obrigação legal de o herdeiro ingressar na sociedade se antes de tudo isso não for a sua vontade. A entrada do herdeiro na sociedade só ocorre quando é de seu interesse e quando os sócios remanescentes não possuem direito de obstá-la expresso no contrato social.

Em se tratando de cessão total, é descabido ignorar que as quotas do sócio falecido já haviam sido objeto de negócio. Devem, portanto, permanecer com o espólio até a concretização da cessão, sendo o inventariante, pela disposição do artigo 1.056, §1º, do Código Civil, o responsável por exercer os direitos patrimoniais em favor dos herdeiros do sócio falecido. Não sendo assim, além da dificuldade de fazer valer seu direito contra os novos sócios, o cessionário também acabaria sendo prejudicado pela entrada de indivíduos que podem não contar com o mesmo interesse ou habilidade gerencial do falecido.

Até que haja a quitação da cessão de quotas, há uma situação peculiar. Sendo a condição de sócio de natureza pessoal, o espólio não pode ser considerado efetivamente um sócio. Durante esse período, o inventariante terá o poder de decisão sobre as quotas, que, no entanto, condiciona-se à aprovação dos herdeiros sempre que ultrapassar a administração ordinária.

A complexidade se eleva quando o inventário for encerrado sem que a cessão de quotas tenha sido considerada. Nesse caso, sustenta-se que os herdeiros não poderão exigir a liquidação ou o ingresso na sociedade caso o instrumento de cessão de quotas esteja averbado na junta comercial. Os herdeiros não possuem direito irrestrito às quotas sociais do falecido, mas aos valores previstos no contrato que ainda não foram devidamente pagos pelo cessionário e à distribuição de lucros até a completa satisfação do crédito.

Em se tratando de cessão parcial, as quotas que não foram objeto de negociação naturalmente seguem a regra geral que pode culminar na entrada dos herdeiros na sociedade ou em liquidação. Como disposto, deve-se observar se há e qual é a previsão do contrato social sobre o assunto, incluindo aqui tanto eventual cláusula para ingresso de herdeiros ou direito de impedi-lo.

De toda sorte, mesmo na cessão parcial, não haveria impedimento de que os herdeiros deliberem pela cessão das quotas ainda não negociadas se o cessionário ou algum dos sócios tiver interesse. Trata-se de medida que contribui para que a sociedade não seja descapitalizada ou acabe dissolvida a depender da participação pendente de liquidação.

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  • é advogado especializado em Direito Societário, sócio do escritório Martelli & Abreu Advocacia Empresarial, mestre em Economia pela UFPR e especialista em Direito Empresarial pela ABDConst.

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