Opinião

O contrato de vesting no Direito brasileiro

Autores

  • Luisa Doria de Oliveira Franco

    é acadêmica de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) estagiária no Ministério Público Federal- Procuradoria da República no Paraná membro do Grupo de Direito Societário Aplicado da UFPR e membro do Grupo de Arbitragem e Direito Comercial da UFPR.

  • Marcela Demeterco Ruaro

    é graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná integrante da Clínica de Direito e Arte e do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da UFPR.

30 de agosto de 2021, 6h37

O contrato de vesting consiste em um mecanismo contratual por meio do qual é oferecido a um colaborador ou funcionário de uma determinada sociedade o direito de adquirir uma participação societária, de forma progressiva e mediante o cumprimento de condições previamente estabelecidas.

Conforme explicam Fabrício de Oliveira e Amanda Ramalho, "o vesting é um contrato em que as partes pactuam que haverá uma distribuição das ações disponíveis em uma sociedade empresária, de maneira gradual e progressiva, levando em conta parâmetros especificados de produtividade" [1].

O termo vesting é oriundo do inglês "vest", que representa exatamente a lógica do contrato, em que o beneficiário pode ir "vestindo" o direito de aquisição de determinado percentual societário, conforme o tempo ou metas pré-definidas. Esse instrumento contratual surgiu no Direito norte-americano para neutralizar o chamado "conflito de agência", de forma a alinhar os interesses da sociedade com os de seus colaboradores-chave, isto é, aqueles que detêm conhecimento em uma área muito específica e estratégica ao negócio.

No Brasil, o contrato de vesting vem sendo utilizado principalmente para a retenção e atração de talentos, bem como para a captação de investimentos no início do desenvolvimento da sociedade. Esse mecanismo é utilizado principalmente em startups, visto que são sociedades iniciantes e que operam em regime de minimização de custos denominado "bootstrapping".

Conforme apontam Edson Isfer e Mayara Roth Isfer Osna, as startups são caracterizadas por possuírem modelo de negócios em um ambiente incerto, repetível e escalonável [2]. Assim, os autores explicam que a incerteza está na base dessas sociedades, de modo que os investidores procuram, na medida do possível, mitigar os possíveis riscos relacionados com a sua contribuição, especialmente em relação ao ambiente em que o investimento será realizado [3].

O vesting funciona, portanto, como uma forma de atrair e manter bons funcionários em um momento crucial da startup, visto que o colaborador terá a expectativa de, futuramente, adquirir as ações ou quotas da sociedade, de maneira gradual. Assim, o contrato de vesting envolve a junção entre o investimento e a garantia de participação em uma sociedade, indicando uma progressiva aquisição de direitos sobre determinado negócio.

Nesse contexto, é importante compreender a estrutura desse instrumento contratual, que normalmente apresenta um prazo de cliff ou carência, isto é, um período em que o funcionário deve permanecer na sociedade antes de adquirir o direito de exercer a compra da participação societária, medindo o grau de comprometimento e dedicação do colaborador.

Também é interessante mencionar a operacionalização do contrato de vesting, que ocorre por meio de milestones (objetivos e metas), ou por meio da fixação de prazos. Nesse sentido, as milestones criam metas que, caso atingidas, resultam no direito de "vestir" a participação societária. Por sua vez, a fixação de um prazo oferece ao funcionário o direito de "vestir" as ações ou quotas conforme o tempo em que permanece na sociedade.

Assim, diferentemente da primeira opção que é focada na entrega dos resultados, a segunda visa a reter os colaboradores-chave da sociedade. Embora existam duas modalidades distintas, o vesting torna-se mais efetivo se as duas opções são aplicadas conjuntamente, estipulando-se um objetivo para ser alcançado dentro de prazo pré-determinado.

Também vale destacar algumas cláusulas específicas do vesting, que devem estar presentes, a fim de garantir segurança jurídica a todas as partes envolvidas. A cláusula de aceleração, por exemplo, permite o adiantamento da aquisição da participação societária, caso ocorra um evento de liquidez, como investimentos de terceiros na sociedade, ou a venda de ativos relevantes. Por sua vez, a cláusula de lock-up impede que o sócio aliene ou transfira as suas ações ou quotas a terceiros ou a outros sócios durante determinado período.

Outra cláusula interessante é a good leaver e bad leaver, que procura beneficiar o funcionário que se retira da sociedade com um bom relacionamento, não dando os mesmos benefícios àquele funcionário que infringiu algumas das regras estipuladas entre as partes. Assim, caso o funcionário seja considerado um good leaver, este terá o preço da sua participação societária avaliado pelo valor de mercado no momento em que receber os valores de sua participação societária. Por outro lado, o bad leaver terá a sua participação societária avaliada a preço contábil, somente recuperando o valor que pagou pelas ações ou quotas.

Ademais, é importante que o contrato preveja as hipóteses de resolução contratual, visto que é possível que o vínculo societário se rompa antes do cumprimento das condições pré-estabelecidas. Nesses casos, normalmente o colaborador terá direito à participação societária proporcional ao tempo em que atuou na sociedade, apurando-se o quanto já foi cumprido do contrato.

Nesse cenário, verifica-se que o vesting é classificado como um contrato atípico, uma vez que não há no ordenamento jurídico brasileiro disciplina ou regramento específico para esse instrumento contratual, ainda que a estipulação de contratos atípicos esteja prevista no artigo 425 do Código Civil [4].

Desse modo, observa-se o predomínio da autonomia da vontade dos contratantes, destacando-se, ainda, que o artigo 7º da Lei nº 13.874/19, denominada Lei da Liberdade Econômica, alterou o artigo 421 e incluiu o artigo 421-A do Código Civil, enfatizando a liberdade contratual e declarando a presunção de paridade e simetria entre as partes.

Nesse sentido, os contratos de vesting são verdadeiros contratos empresariais, considerando o "escopo de lucro de todas as partes envolvidas, que condiciona seu comportamento, sua 'vontade comum' e, portanto, a função econômica do negócio, imprimindo-lhe dinâmica diversa e peculiar" [5].

Cumpre mencionar que a Comissão de Valores Mobiliários já reconheceu a possibilidade de aplicação do contrato de vesting no Brasil, editando a Deliberação CVM nº 728, de 27 de novembro de 2014, a fim de indicar critérios e cláusulas que devem constar no referido contrato para a sua melhor implementação, assegurando segurança jurídica ao referido mecanismo.

Vale ressaltar que o vesting normalmente é operacionalizado por meio de um contrato de opção de compra de participação societária, que assegura ao titular a faculdade de vir a exercer no futuro o direito de comprar a participação societária. Contudo, trata-se apenas de uma faculdade, o que não significa que o funcionário efetivamente a exercerá.

Assim, é importante definir o prazo para que essa opção de compra seja exercida, após cumprida a condição para o seu exercício, além de ter em mente a proporção máxima de ações ou quotas que serão oferecidas aos funcionários, o que pode impactar na entrada de futuros investidores na sociedade.

Impera destacar que existem discussões na doutrina no que tange à utilização do contrato de vesting como instrumento de desenvolvimento nas startups que estão estruturadas juridicamente como sociedade anônima e como sociedade limitada.

Em relação às sociedades anônimas, é comum que o vesting seja confundido com as opções de compra, ou stock options, reguladas pelo artigo 168, §3º, da Lei nº 6.404/76 [6]. Apesar de ambas as estruturas contratuais serem semelhantes, trata-se de dois conceitos distintos.

As stock options exigem previsão estatutária, limite de capital autorizado e aprovação pela assembleia geral para que a opção de compra possa ser outorgada. Além disso, é ofertada apenas a pessoas específicas: administradores ou empregados da sociedade, ou ainda pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou à sociedade sob seu controle.

Cabe ressaltar que as stock options possuem maior regulamentação e, portanto, maior segurança jurídica do que os contratos de vesting, os quais encontram possíveis entraves no que tange à integralização de capital social nas sociedades limitadas.

O regime jurídico das sociedades limitadas veda a contribuição de capital social "que consista em prestação de serviços", conforme disposto no §2º do artigo 1.055 do Código Civil [7]. Tal vedação, para alguns autores, impossibilita a aquisição antecipada das quotas sem contrapartida em dinheiro ou bens, ainda que sob condições. Isso se deve à dificuldade de vislumbrar e quantificar a real integralização do capital social pelo sócio, o que poderia gerar conflitos e prejudicar a relação de confiança com investidores vigilantes.

Desse modo, parte da doutrina afirma que, enquanto não houver jurisprudência pacificada em relação ao assunto, deve-se formular no contrato social da sociedade limitada a previsão de regência supletiva pela Lei 6.404/76, para, por supletividade e analogia, possibilitar o modelo de stock options por ela já regulado. Outra parte, mais severa, da doutrina argumenta que apenas sociedades anônimas podem realizar o contrato de vesting.

Faz-se necessário levar em consideração que a grande maioria das startups brasileiras estão constituídas juridicamente como sociedades limitadas, e que a vedação à celebração de contratos de vesting seria prejudicial ao seu desenvolvimento.

Com isso em mente, defende-se que o vesting não se configura como sendo uma contraprestação pela prestação de serviços, mas, sim, como uma opção de compra de participação societária que pode vir a se concretizar, ou não. Uma vez estabelecido isso, o contrato de vesting torna-se perfeitamente possível para a realidade das sociedades limitadas.

Vale destacar que um dos maiores riscos do vesting é quando, rompido o contrato, o empregado e quase futuro sócio busca a Justiça Trabalhista a fim de comprovar vínculo empregatício. Isso ocorre, pois é comum que startups usem do vesting para reter talentos, quando o funcionário recebe uma contraproposta de trabalho que ofereça maior salário, por exemplo.

Para estes casos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) determina que os contratos de vesting com o funcionário devem conter: preço de emissão da ação; prazo, para a obtenção da elegibilidade do exercício das opções (prazo de carência, ou vesting); e prazo máximo para o exercício das opções (termo da opção) [8].

Nesta linha, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região estabeleceu que o vesting não possui natureza salarial, por depender de questões mercantis. Observa-se:

"Em que pese a possibilidade da compra e venda de ações decorrer do contrato de trabalho, o trabalhador não possui garantia de obtenção de lucro, podendo este ocorrer ou não, por consequência das variações do mercado acionário, consubstanciando-se em vantagem eminentemente mercantil. Dessa forma, o referido direito não se encontra atrelado à força laboral, pois não possui natureza de contraprestação, não havendo se falar, assim, em natureza salarial" [9] (grifo das autoras).

Cumpre observar que é possível que o vínculo empregatício seja rompido antes do cumprimento dos termos ou condições do contrato, de modo que ele pode ser considerado resolvido, desde que não tenha havido má-fé por parte do fundador ao tempo do rompimento da relação empregatícia [10].

Além disso, ressalta-se que a Justiça Trabalhista é assentada em reconhecer a existência de vínculo trabalhista apenas na presença conjunta dos requisitos elencados nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determinam: prestação de trabalho por pessoa física, com personalidade; não eventualidade, sob subordinação ao tomador de serviços; e onerosidade (contraprestação econômica).

De tal forma, casos em que um dos "sócios" se retira da sociedade/startup e busca judicialmente o reconhecimento de vínculo empregatício são analisados casuisticamente a fim de se verificar a configuração dos requisitos da CLT mencionados.

Por fim, além das possíveis implicações trabalhistas, também podem haver implicações societárias envolvendo o contrato de vesting. É importante levar em consideração que haverá a figura de um novo sócio após o exercício do direito de aquisição de participação societária.

Para evitar problemas de desacordos entre os sócios, os contratos de vesting são comumente associados a um acordo de acionistas/quotistas, anexado ao contrato, para que o futuro sócio tenha ciência dos direitos e obrigações decorrentes da possível vinculação societária futura.

Diante do exposto, resta evidente que o vesting representa um importante instrumento para o desenvolvimento de sociedades que iniciam com poucos recursos, como as startups, por ser um contrato que une tais empresas aos profissionais mais qualificados do mercado. Contudo, as suas possíveis implicações trabalhistas e societárias demonstram que ainda se fazem necessários estudos mais aprofundados, a fim de consolidar entendimentos padronizados sobre o tema no Direito brasileiro.


[1] OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos de; RAMALHO, Amanda Maia. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183 – 200, Jul/Dec. 2016. p. 184.

[2] ISFER, Edson; OSNA, Mayara Roth Isfer. The legal framework of the startups and the vesting contract. p. 02. Disponível em: < http://afi.adv.br/files/dccfa155-the-legal-framework-of-the-startups-and-the-vesting-contrac.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2021.

[3] Ibidem, p. 02.

[4] "Artigo 425 – É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código".

[5] FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 39.

[6] "Artigo 168 – […] § 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.

[7] "Artigo 1.055 – […] § 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços".

[8] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Embargos Declaratórios Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 7400-93.2009.5.02.0511. Relator: Renato de Lacerda Paiva. Data da Publicação: DEJT 01/06/2018.

[9] SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Rito Ordinário nº 1001646.51.2017.5.02.0034. Relator: Waldir dos Santos Ferrero. 18ª Turma – Cadeira 3. Data de Publicação: 22/09/2020.

[10] CRUZ, Paula Ouriques. Quais os requisitos e riscos de um contrato de vesting?. Migalhas, 2018. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/285191/quais-os-requisitos-e-riscos-de-um-contrato-de-vesting>. Acesso em: 10 de agosto de 2021.

Autores

  • é acadêmica de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estagiária no Ministério Público Federal- Procuradoria da República no Paraná, membro do Grupo de Direito Societário Aplicado da UFPR e membro do Grupo de Arbitragem e Direito Comercial da UFPR.

  • é acadêmica de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), membro do Grupo de Direito Societário Aplicado da UFPR, membro do Grupo de Estudos Tributários da UFPR.

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