Opinião

Justiça paulista garante crédito de ICMS de exportação sem condicionantes do estado

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25 de agosto de 2021, 13h00

"Considerando que o artigo 25, §1º, inciso II, da Lei Complementar nº 87/96 tem eficácia plena, não é dado ao legislador estadual qualquer vedação ao aproveitamento dos créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), sob pena de infringir o princípio da não cumulatividade, quando este aproveitamento se fizer em benefício de qualquer outro estabelecimento seu, no mesmo Estado, ou de terceiras pessoas".

Com base em tal premissa, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) concedeu a segurança pleiteada pela empresa JBS S/A. para que a Secretaria de Fazenda paulista não imponha óbices à liberação e utilização de crédito de ICMS acumulado em decorrência de operações de exportação.

Em síntese, a empresa impetrou mandado de segurança visando a afastar as disposições previstas nos artigos 72-C e 82 [1] [2], ambos do Regulamento do ICMS (Decreto nº 45.490/2000).

De fato, a partir de tais dispositivos, o estado de São Paulo estabelece limitações à apropriação e utilização de crédito acumulado do imposto, mediante deduções correspondentes ao valor dos débitos fiscais do mesmo contribuinte, ainda que estejam com sua exigibilidade suspensa ("inclusive se objeto de parcelamento").

A priori, não se pode deixar de registrar a impropriedade da dedução de crédito acumulado de ICMS em virtude de débitos cuja exigibilidade se encontra suspensa. O que se tem, nessa hipótese, configura "exigibilidade" indireta, a esvaziar toda a exegese do artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN).

Em caso análogo, em que se discutiu a legitimidade de compensação de ofício em relação a débitos fiscais federais cuja exigibilidade se encontra suspensa, o Supremo Tribunal Federal fixou, em regime de repercussão geral [3], a seguinte tese: "É inconstitucional, por afronta ao artigo 146, III, b, da CF, a expressão ou parcelados sem garantia, constante do parágrafo único do artigo 73, da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 12.844/13, na medida em que retira os efeitos da suspensão da exigibilidade do crédito tributário prevista no CTN" (grifo do autor).

Superado esse necessário registro inicial, fato que, sejam juridicamente plausíveis ou não as condições trazidas pela legislação estadual para a autorização e utilização do crédito acumulado de ICMS, estas não devem abarcar o crédito acumulado em decorrência de operações destinadas à exportação.

Isso pois o constituinte derivado foi muito claro ao prever a imunidade tributária do ICMS "sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, (…) sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores" (grifo do autor) [4].

Trata-se, nas lições de Leandro Paulsen [5], de "inequívoco direito à manutenção e ao aproveitamento dos créditos de ICMS incidentes nas operações anteriores" à exportação.

A partir de tal comando constitucional, coube ao legislador complementar, por meio da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), mais precisamente em seu artgo 25, §1º, seguir a mesma premissa, ao garantir ao contribuinte o direito à utilização do crédito acumulado de ICMS em operações de exportação sem quaisquer condicionantes.

Ou seja, em se tratando de crédito acumulado especificamente em decorrência de operações de exportação, a competência regulamentar do legislador estadual não pode ir além do texto complementar, na medida em que, tal como reconheceu o TJ-SP no processo em apreço, estamos diante de norma de eficácia plena. 

O tema conta com jurisprudência semelhante no Superior Tribunal de Justiça, que reconhece se tratar de "entendimento pacificado nesta Corte Superior, segundo o qual a aplicabilidade do disposto no artigo 25, §1º, da Lei Complementar n° 87/96, que trata do aproveitamento de créditos de ICMS acumulados em decorrência de operações de exportação, trata-se de norma de eficácia plena, não sendo permitido à lei local impor qualquer restrição ou vedação à transferência dos referidos créditos, porquanto resultaria em infringência ao princípio da não cumulatividade" [6].

Ainda que as premissas adotadas para construção de tal entendimento partam da interpretação de disposições infraconstitucionais, a prevalência de tal jurisprudencial vem a garantir, em ultima análise, o real designo constitucional, ao qualificar o crédito acumulado de exportação como instrumento de neutralidade tributária, que leva a efeito o estruturante "princípio do destino" [7].

Notável, portanto, a relevância dessa jurisprudência aos exportadores, que já sofrem inúmeras dificuldades frente ao sistema tributário nacional para concorrer em condição de igualdade no mercado internacional.

Importante registrar que tal jurisprudência tornou-se ainda mais sensível aos exportadores após o julgamento do RE 754.917/RS pelo Supremo Tribunal Federal, sob o regime de repercussão geral, oportunidade em que se fixou a tese no seguinte sentido: "A imunidade a que se refere o artigo 155, §2º, X, 'a', da CF não alcança operações ou prestações anteriores à operação de exportação".

A despeito de se tratar de imunidade objetiva, restou decidido pelo Suprema Corte que, ainda que se saiba antecipadamente que o insumo adquirido será aplicado em processo produtivo de mercadoria a exportar, ainda assim, fica o contribuinte obrigado a "acumular" imposto da operação.

Daí a razão de se conceber que o crédito acumulado de ICMS em virtude de operações de exportação se vale de tratamento normativo privilegiado, teleologia que muito bem se fez retratar na jurisprudência dos tribunais pátrios.


[1] "Artigo 72-C – O imposto exigido mediante auto de infração e imposição de multa, em decorrência de infração relativa ao crédito do imposto, ou relativa à operação ou prestação em que tenha havido falta de pagamento do imposto, será deduzido do valor do crédito acumulado gerado passível de apropriação, até que: I – seja proferida decisão definitiva na esfera administrativa, favorável ao contribuinte; II – ocorra o pagamento integral do débito fiscal correspondente. (…)"

[2] "Artigo 82 – São vedadas a apropriação e a utilização de crédito acumulado ao contribuinte que, por qualquer estabelecimento paulista, tiver débito fiscal relativo ao imposto, inclusive se objeto de parcelamento. §1º – O disposto neste artigo não se aplica ao débito: 1 – apurado pelo fisco enquanto não julgado definitivamente, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 72-C; 2 – objeto de pedido de liquidação, nos termos do artigo 79; 3 – inscrito na dívida ativa e ajuizado, quando garantido, em valor suficiente para a integral liquidação da dívida e enquanto ela perdurar, por depósito, judicial ou administrativo, fiança bancária, imóvel com penhora devidamente formalizada ou outro tipo de garantia, a juízo da Procuradoria Geral do Estado. (…)"

[3] RE 917.285.

[4] Artigo 155, §2º, X, "a".

[5] In, Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, 13 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2011, pg. 385.

[6] AgInt no REsp 1888109/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 19/11/2020.

[7] BEVILACQUA, "Incentivos fiscais às exportações: Desoneração da tributação indireta na cadeia exportadora e concorrência fiscal internacional". RJ: 2018, p. 273.

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