Opinião

A LGPD e o paradoxo cultural sobre proteção de dados e privacidade

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20 de agosto de 2021, 13h36

Enganou-se quem pensou que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) seria uma norma exclusivamente punitiva, ou então um dispositivo legal meramente protetivo dos seus titulares, que engessaria as operações comerciais e inviabilizaria a continuidade de uso de dados pessoais pelas empresas.

É inegável que a LGPD exige um nível de atualização dos envolvidos no tratamento de dados, especialmente no que diz respeito ao esclarecimento sobre a quem de fato pertencem as informações, dirimindo o mito de que os dados pessoais sob guarda das empresas são de sua propriedade. Também é primordial que os indivíduos revisem a sua conduta e não forneçam tão facilmente as suas informações, contribuindo para garantir condições convenientes à proteção e privacidade decorrentes da lei.

O movimento realizado até o momento pelos players responsáveis por zelar pela integridade dos dados pessoais dos consumidores e a aplicação da LGPD — vide Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) — tem se mostrado de extrema relevância, isso porque ambos estão agindo no sentido de propagar a conscientização coletiva em torno da importância do uso de informações pessoais e não somente aplicar as sanções previstas em lei.

Ao contrário do que erroneamente se preconizava, a ANPD já se posicionou no sentido de que adotará a conduta de estimular a familiarização dos termos da lei com o grande público e empresas. Nesse sentido, o órgão tem dado sinais claros de que a sua atuação terá um viés muito mais educativo do que necessariamente punitivo, a exemplo do conteúdo da Portaria nº 11/2021 e dos guias orientativos publicados até então pela Autoridade.

São evidentes as benesses decorrentes da preocupação dos órgãos em construir uma cultura de proteção através da promoção de uma regulação responsiva como a da ANPD,  em detrimento de tão somente fixar multas em desfavor de quem explora comercialmente os dados pessoais. A tomada de consciência sobre o valor dos dados é um tema relativamente novo no país e a simples aplicação de multas não geraria de forma automática uma lógica sobre a necessidade de preocupar-se com a questão.

Ainda que as sanções não sejam o mote principal da atuação da ANPD, o simples fato de a LGPD estar em vigor já serviu para que diversos agentes de tratamento buscassem implementar internamente os seus projetos de adequação, em vista do caráter reputacional da legislação, fazendo com que sejam revisados processos internos, elevando o grau de transparência e compreensão do tratamento de dados realizado até então.

A decorrência lógica envolvendo a exploração consciente de dados pessoais por parte de uma parcela das empresas é a indução de que os demais parceiros comerciais adotem procedimentos capazes de adaptar o seu modelo de negócios para estarem em conformidade com a LGPD. Assim desenvolve-se um ambiente culturalmente condizente à proteção de dados e privacidade, transvestindo a jornada de adequação como uma vantagem competitiva aos concorrentes comerciais, e não somente um procedimento para mero cumprimento da norma.

Tal movimento irá, sem sombra de dúvidas, capacitar os titulares de dados e as empresas coletivamente, e não somente os especialistas da área. Isso possibilitará uma compreensão melhor da lei e seus efeitos, resultando em uma aplicação mais eficiente dos seus dispositivos e possibilitando ultrapassar a grande barreira para a sua execução plena, qual seja, a cultural.

Embora a atuação normativa da LGPD seja de competência da ANPD, nada obsta que o Judiciário seja acionado para dirimir eventual conflito decorrente da norma, o que por si só já geraria uma insegurança jurídica — na medida em que há uma interpretação do julgador em torno dos efeitos de uma lei nova. Tal incerteza é potencializada pelas diversas lacunas ainda encontradas no ordenamento legal, sendo imprescindível o engajamento tanto dos titulares como dos demais stakeholders, promovendo o aprimoramento em torno do ecossistema de proteção de dados pessoais, privacidade e aplicação da legislação, impedindo o desvio de finalidade.

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