Seguros contemporâneos

As mudanças regulatórias dos seguros no Brasil

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19 de agosto de 2021, 8h00

O processo de transformação que tem vivido a sociedade nos últimos anos tem pressionado o setor produtivo e o governo em prol de mudanças regulatórias que trazem o consumidor cada vez mais para o centro do negócio. Novidades como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD  n° 13.709/18), a Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19) e a lei que criou o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (LC n°182/21) colocam uma nova dinâmica ao marco regulatório de Seguros no Brasil.

Tudo isso vem gerando uma verdadeira revolução nos moldes da relação dos consumidores com os fornecedores de serviços e produtos e, nesse contexto, a Susep tem trabalhado no sentido de transformar inovação e tecnologia em veículos propulsores do ambiente de seguros, buscando uma nova dinâmica de crescimento em que o consumidor, como centro do negócio, possa usufruir da maior eficiência do setor.

O setor de seguros não é apenas um ramo da atividade econômica gerador de empregos e de renda para a economia; ele é essencial ao desenvolvimento econômico e ao aumento do bem-estar das pessoas. O seguro garantia, os seguros de crédito, rural, os seguros de riscos nucleares, petróleo, transportes, entre outros, são fundamentais para o desenvolvimento da infraestrutura, indústria e serviços do país.

No que se refere às pessoas, temos diversos seguros como os voltados a perda da capacidade laboral, o seguro-saúde, o desemprego e àqueles que visam à proteção patrimonial, todos essenciais para proteção do indivíduo e seu patrimônio.

Expandir a cobertura de seguro no Brasil, que hoje gira em torno de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em volume de prêmios de seguro/ano, significa expandir a proteção social das pessoas e o nosso desenvolvimento econômico.

Temos um enorme caminho a percorrer quando se fala em aumento do número de pessoas que contratam seguro no país. A Susep tem trabalhado incansavelmente com este objetivo, enxergando na tecnologia uma nova ferramenta para potencialização desse crescimento e uma nova maneira do consumidor se relacionar com o "seguro".

A Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019, convertida na Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 (Lei de Liberdade Econômica), emprestou importante contribuição a esta evolução ao definir como princípios básicos a serem observados pelo Estado a presunção de boa-fé do particular perante o poder público e a intervenção subsidiária e excepcional nas atividades econômicas [1].

Parecem mudanças simples, mas foram essenciais para o avanço que se pretende alcançar. A pouca capacidade de inovação diante de um marco regulatório excessivamente intervencionista por parte do regulador gerou um enorme atraso no processo de crescimento do setor de seguros.

Assim, desde 2019, novas normas foram editadas pela Susep com o objetivo de buscar o aumento da cobertura de seguro no país.

Foram implementadas normas que buscaram o aumento da concorrência como: a norma de segmentação das entidades supervisionadas, a norma de instrumentos ligados a seguro (ILS), a de dívida subordinada, a do sandbox regulatório, entre outras. Com essas medidas, espera-se redução de barreiras à entrada, a redução do custo de capital e, consequentemente, o aumento do número de empresas no mercado.

Em 2020, a Susep aprovou 11 projetos de sandbox, dos quais dez já foram autorizados e três se encontram em operação. O resultado observado tem sido encorajador, uma vez que até junho deste ano, em média, mais de 80% das novas apólices emitidas no sandbox foram para consumidores que contrataram seguros pela primeira vez ou estavam desassistidos de seguros nos últimos tempos.

Toda essa evolução, no entanto, tem sido acompanhada de normas que também ampliam e modificam a forma de atuar na esfera fiscalizatória. Em 2020, entrou em vigor a Resolução CNSP nº 382, conhecida como norma de conduta. Ela traz uma nova forma de fiscalizar os entes regulados, atribuindo responsabilidades e estabelecendo um novo padrão de governança para estes.

A criação do rating também foi um novo instrumento de acompanhamento e fiscalização instituído na esfera do regulador. Com ele, é possível ter uma visão geral do ente regulado e atuar de forma preventiva ao problema. Aliás, este tem sido um princípio básico da nova forma de atuar da Susep: o número de multas não deve ser um instrumento de medida de eficiência, mas um alerta de falhas que necessitam ser corrigidas. A ação deve acontecer de modo a prevenir os problemas.

A atuação da Susep também tem sido intensa no sentido de ultimar os processos relacionados a empresas submetidas a algum regime de fiscalização especial e, desde 2019, esse número caiu de 19 para seis empresas, observando-se uma redução de 68%.

Nosso estoque de processos sancionadores também acompanha o mesmo processo de redução. De 2,6 mil processos a serem analisados em agosto de 2019, tem-se, aproximadamente, 250 pendentes de julgamento de primeira instância em agosto de 2021, uma redução de cerca de 90% do estoque. Tudo isso fruto de um trabalho duro na análise e na reorganização de processos por parte da equipe técnica, além de forte investimento em ferramentas de tecnologia (business intelligence) e sistemas automatizados.

Sempre com foco na melhoria do serviço prestado e no consumidor como centro de todo processo, o marco regulatório está sendo integralmente revisitado. A segregação entre a norma de seguros de grandes riscos e massificados foi um marco importante deste processo.

Inspirados pela observância das melhores práticas internacionais [2], o entendimento foi de que estamos, nos seguros de grandes riscos, diante de segurados com características e demandas bem diferenciadas dos seguros massificados e que, por essa razão, requerem intervenções regulatórias distintas.

Para os seguros classificados como grandes riscos [3], foi permitida liberdade negocial ampla entre as partes e tratamento paritário, além do dever de transparência e objetividade nas informações, enquanto, para os seguros massificados, alguns limites foram mantidos. De qualquer forma, em ambos os casos, buscou-se incentivar maior liberdade na elaboração de produtos sob medida para o consumidor/segurado.

Em outra frente de transformações, com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), acredita-se que o seguro será cada vez mais customizado, podendo o consumidor usufruir da redução de preço que virá da análise precisa do risco envolvido em cada caso.

Além disso, por força de toda revisão normativa imposta pelo Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, já foram revisadas 348 normas, o que representa aproximadamente 48,3% do estoque regulatório que existia (720 normas).

Todas as normas relacionadas à elaboração de produtos passaram ou passarão pelo processo de revisão, sempre pautado na simplificação, na flexibilidade e na eliminação dos planos padronizados. Espera-se um forte incremento na concorrência, uma vez que esta não será apenas pelo preço, mas também pela qualidade do produto e eficiência do processo.

Os frutos já estão sendo percebidos. O consumidor passou a escolher entre os seguros tradicionais e os "novos" seguros como, por exemplo, o intermitente  aqueles em que é possível ativar e desativar a cobertura a qualquer momento; os seguros paramétricos  em que se valem de índices específicos para disparar gatilhos de sinistralidade; e os chamados "combos de seguros"  em que é permitida a conjugação de coberturas distintas dentro de uma mesma apólice. A nova norma para o seguro auto, recém-editada, permite seguro parcial do veículo, combinação de outros seguros ao seguro auto, seguro para pessoas que não são proprietárias de veículo, entre outras facilidades. Ou seja, o regulador deixa de estabelecer regras de produto e se concentra cada vez mais em "regular" o mercado e atuar de forma a garantir a estabilidade financeira deste.

Por fim, espera-se que, com o open insurance, os consumidores passem a ter menores preços, produtos mais alinhados a seu perfil, facilidade de serviço e de informação e muita, muita concorrência. Ganha o consumidor e ganha o mercado de seguros, que já acumula em 2021 uma taxa de crescimento de 19,4% até junho [4].

Com o open do mercado bancário e de seguros, denominado open finance, os negócios serão potencializados a partir de plataformas comerciais que poderão integrar setor financeiro e de seguros. Uma grande variedade de produtos e empresas irão surgir e o consumidor estará no centro desse processo, usufruindo de uma infinita gama de novos produtos e serviços. Espera-se uma significativa redução das margens e aumento da cobertura de seguros no país. Daremos um passo importante para o avanço do desenvolvimento econômico e social do Brasil.

* Esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados.


[1] Artigo 2º da Lei nº 13.874/2019. "São princípios que norteiam o disposto nesta Lei: […] III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado".

[2] As informações foram coletadas a partir de estudo das regulações relativas ao tema em cada país; diretivas, relatórios e guidelines de organismos internacionais; e reuniões em curso com órgãos reguladores e organismos internacionais, indicados na sequência: i) OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico; ii) IAIS – International Association of Insurance Supervisors; iii) EIOPA – European Insurance and Occupational Pensions Authority; iv) FCA – Financial Conduct Authority, Reino Unido; v) DGSFP – Dirección General de Seguros y Fondos de Pensiones, Espanha; vi) NAIC – National Association os Insurance Commissioners, Estados Unidos; vii) OTA – Office of Technical Assistance (US Treasury), Estados Unidos; viii) MAS – Monetary Authority of Singapore, Singapura; ix) CMF – Comisión para el Mercado Financiero, Chile.

[3] Artigo 2º da Resolução CNSP n° 407, de 29 de março de 2021: "Entendem-se como contratos de seguros de danos para cobertura de grandes riscos aqueles que apresentem as seguintes características: I – estejam compreendidos nos ramos ou grupos de ramos de riscos de petróleo, riscos nomeados e operacionais – RNO, global de bancos, aeronáuticos, marítimos e nucleares, além de, na hipótese de o segurado ser pessoa jurídica, crédito interno e crédito à exportação; ou II – demais ramos, desde que sejam contratados mediante pactuação expressa por pessoas jurídicas, incluindo tomadores, que apresentem, no momento da contratação e da renovação, pelo menos, uma das seguintes características: a) limite máximo de garantia (LMG) superior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais); b) ativo total superior a R$ 27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais), no exercício imediatamente anterior; ou c) faturamento bruto anual superior a R$ 57.000.000,00 (cinquenta e sete milhões de reais), no exercício imediatamente anterior".

[4] Conforme dados do Relatório Síntese Mensal de julho/21 da Susep, disponível em: http://novosite.Susep.gov.br/noticias/Susep-divulga-sintese-mensal-com-dados-do-setor-em-junho/. Acesso em: 16.08.2021.

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