Opinião

O direito à sustentação oral em suspensão de liminar

Autor

  • João Pereira Monteiro Neto

    é advogado doutor e mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual e sócio do Torreão Braz Advogados.

19 de agosto de 2021, 12h06

A denominada suspensão de liminar ou de antecipação de tutela (Slat), também designada de suspensão de liminar (SL), suspensão de segurança (SS), suspensão de liminar e de sentença (SLS), suspensão de tutela antecipada (STA) e suspensão de tutela provisória (STP), a depender da nomenclatura empregada a cada caso pelos regimentos internos dos tribunais, constitui prerrogativa do poder público em juízo que, a par das vias ordinárias do sistema recursal, viabiliza o requerimento incidental de medidas de contracautela por razões de interesse público.

Trata-se de remédio processual de caráter extraordinário, conferido como prerrogativa do poder público para sustar os efeitos práticos de tutela jurisdicional sumária ou exauriente prolatada em desfavor dos entes administrativos ou de seus agentes. A apreciação da medida é de competência originária da presidência do tribunal, "ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso", que apreciará o pleito de contracautela à luz da fundamentação vinculada prevista na norma legal ("manifesto interesse público", "flagrante ilegitimidade", "grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas"), nos termos do artigo 4º da Lei nº 8.437/1992, do artigo 1º da Lei nº 9.494/1997 e do artigo 15 da Lei nº 12.016/2009, com marco normativo na revogada Lei nº 4.348/1964 (artigo 4º). A medida tem previsão, ainda, no artigo 12, §1º, da Lei nº 7.347/1985, no artigo 25 da Lei nº 8.038/1990 e no artigo 16 da Lei nº 9.507/1997.

Sem adentrar a controvérsia acerca da compatibilidade constitucional da medida [1], já que a jurisprudência histórica do Supremo Tribunal Federal tem considerado legítima a prerrogativa sob o espeque do interesse público prevalente (cf. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4, relator ministro Sydney Sanches, relatoria para acórdão ministro Celso de Mello, j. 1º.10.2008, DJ 30/10/2014), as presentes reflexões apontam a exigência de um contraditório mais efetivo no procedimento incidental da Slat (e medidas congêneres), notadamente quanto ao cabimento de sustentação oral no julgamento do agravo interposto pelo jurisdicionado contra a medida de contracautela conferida em favor do poder público.

A proposta consiste em demonstrar a admissibilidade de sustentação oral no julgamento do agravo legal ou inominado (artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/1992 [2] e artigo 15, caput, da Lei nº 12.016/2009) [3] [4] independentemente de previsão regimental específica (artigo 937, IX, do CPC).

As prerrogativas processuais conferidas ao poder público devem ser equacionadas à luz de contrapesos que garantam o contraditório efetivo ao jurisdicionado, como exigência de uma perspectiva equânime sobre as condições de atuação das partes ("paridade de armas"). Afinal, a isonomia, no âmbito processual, está relacionada à ideia de que o processo legítimo (giusto ed equo, na célebre expressão de Luigi Paolo Comoglio) depende essencialmente de sua capacidade de oferecer às partes, titulares de direitos e interesses antagonizados, uma perspectiva equânime sobre as condições de atuação ("igualdade de oportunidades") e sobre os respectivos efeitos jurídicos ("igualdade de riscos").

Todo tratamento processual diferenciado deve pautar-se tanto em discrímen constitucionalmente admissível quanto em técnica que equacione a disparidade de armas implicada pela prerrogativa conferida em lei, sob pena de configurar-se privilégio processual injustificado ou arbitrário em favor do poder público em juízo, circunstância que evidentemente não se compatibiliza com as exigências de um sistema processual democrático.

Na hipótese dos incidentes processuais de suspensão de liminar e de medidas congêneres, é evidente que as "razões transcendentes" de interesse público dependem de uma contraposição argumentativa proporcional em favor dos jurisdicionados, circunstância que se compatibiliza especialmente com o conteúdo "político" dos respectivos pressupostos de admissibilidade e com a necessidade de viabilizar resposta adequada aos argumentos retóricos frequentemente aventados pelo poder público, sendo útil para sopesar, ainda que a posteriori, a usual concessão inaudita altera parte da medida de contracautela.

Além disso, a despeito de o mérito stricto sensu da medida de contracautela (associado à arguição de prevalência do interesse público) não se confundir com o próprio fundo de direito da demanda originária, é inequívoca a exigência de um juízo mínimo de delibação, cujos argumentos devem ser franqueados ao jurisdicionado também em sustentação oral, por ocasião do julgamento do agravo legal ou inominado.

Por outro lado, é evidente que a inadmissibilidade a priori de sustentação oral em agravo interno, estabelecida pelo Código de Processo Civil (artigo 937, IX, §3º), não se estende ao agravo inominado. O agravo legal cabível em suspensão de liminar e medidas congêneres constitui espécie evidentemente distinta do agravo interno do artigo 1.021 do Código de Processo Civil, em razão da competência originária da presidência do tribunal para a apreciação da medida, sendo o recurso aviado para a reapreciação (rectius, devolução recursal) por órgão interno superior do tribunal (v.g., corte especial).

E, como argumento de arremate à admissão de sustentação oral no agravo inominado em suspensão de liminar e medidas congêneres, a hipótese comporta também analogia legis à luz do artigo 937, §3º, do CPC [5], conclusão que se coaduna com a efetividade do contraditório, cujos feixes de garantia devem incidir para equacionar, com a máxima dimensão possível, a desequiparação ínsita a toda espécie de prerrogativa processual.

 


[1] "Essa providência suspensiva é medida extrema e polêmica. A própria natureza jurídica do remédio envolve controvérsias. Para alguns, a medida seria de caráter administrativo. […] A nosso ver, não há como retirar-se o caráter processual da medida. Essa não tem, todavia, natureza de recurso (Barbosa Moreira, Ellen Gracie Northfleet, Teori Albino Zavascki), afinal a decisão a ser proferida pelo presidente do tribunal não revoga aquela outra objeto do pedido. Outros vão dizer que a suspensão seria uma ‘ação cautelar incidental de impugnação’ (Cristina Gutiérrez). Por último, temos a tese de que o pedido de suspensão seria um mero incidente do processo, embora de competência da presidência da Corte (Cândido Dinamarco, Marcelo Abelha Rodrigues, Sérgio Shimura). Alguns afirmarão que o pedido de suspensão é inconstitucional. De outro lado, entretanto, argumenta-se que sempre que ‘estiver em jogo relevante interesse público ou for manifesta a ilegalidade da decisão concessiva da liminar (v.g., hipóteses de incompetência, ausência de fundamentação), justifica-se plenamente a aplicação da regra questionada, não se vislumbrando nesse procedimento qualquer eiva de inconstitucionalidade por ofensa ao direito de ação. […] A providência, fácil notar, traz um forte teor político em seus pressupostos de admissibilidade, não havendo, contudo, discricionariedade na sua concessão" — VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 237.

[2] "Artigo 4º – Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. […] § 3º Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição".

[3] "Artigo 15 – Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição".

[4] Além das Leis nº 8.437/1992 e nº 12.016/2009, o agravo legal tem previsão também no artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347/1985, no artigo 25, § 2º, da Lei nº 8.038/1990 e no artigo 16 da Lei nº 9.507/1997.

[5] "Artigo 937 – […] §3º. Nos processos de competência originária previstos no inciso VI [ação rescisória, mandado de segurança e reclamação], caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga".

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