Opinião

Sobre advocacia, Justiça e democracia

Autor

  • Gustavo Ungaro

    é advogado doutor e mestre pela USP professor da Graduação e Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho vice-presidente da Comissão Científica do Conselho Nacional de Controle Interno membro da Comissão de Direitos Humanos da USP da Congregação da Faculdade de Direito da USP e da Comissão Justiça e Paz de SP foi controlador geral do município de SP ouvidor geral e corregedor geral do Estado de SP dentre outras funções públicas exercidas.

13 de agosto de 2021, 15h04

A histórica data de criação dos cursos jurídicos no Brasil, em 11 de agosto de 1827, tem alguma relação com o atual momento que vivemos?

Sim, tudo a ver, pois a formação jurídica, vista desde sua origem como fator crucial de independência nacional e de construção do pensamento crítico e propositivo, contribuiu decisivamente, em diversos momentos da história, para a concretização dos anseios sociais, econômicos e culturais, revelando o papel fundamental da advocacia na construção da democracia.

Rui Barbosa, patrono dos advogados, Luís Gama, grande abolicionista defensor da liberdade, Franco Montoro, artífice da redemocratização pós-golpe de 64, e Eunice Prudente, primeira advogada negra a ser professora da Faculdade de Direito da USP e secretária de Justiça, são exemplos de juristas destacados na transformação da realidade injusta e desigual, em busca do aprimoramento normativo e do escorreito funcionamento das instituições republicanas, bem representando a função social dos advogados no fortalecimento da cidadania, por meio da defesa, técnica e política, da gradativa ampliação dos direitos fundamentais, de modo a contemplar todas as necessidades existenciais dos seres humanos, além de atuar por sua sempre desafiadora efetividade.

Daí a previsão constitucional, própria do Estado democrático de Direito, de ser a advocacia função essencial à Justiça, conforme o artigo que inspirou o Movimento 133, liderado por Leonardo Sica, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo:

"Artigo 133  O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Para que esse dever constitucional seja cumprido, respeitadas as prerrogativas profissionais e plenamente exercitada a missão reconhecida como essencial, fundamental a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cuja gestão deve ser sempre aberta, participativa, transparente, ética, ativa e consequente, com interação permanente com a sociedade civil, movimentos sociais e imprensa, para dialogar permanentemente com os cidadãos e com os poderes constituídos.

As comissões — coletivos de especialistas que voluntariamente se dedicam ao desenvolvimento temático proposto — merecem ser prestigiadas, com calendário público e efetivo encaminhamento e aproveitamento de suas sugestões, com vistas ao avanço da prática jurídica.

A Escola Superior da Advocacia (ESA) é instrumento estratégico para a atualização de conhecimentos, a promoção dos debates que alargam as fronteiras da compreensão conceitual e aplicada, e a multiplicação de boas práticas e entendimentos mais sedimentados.

E os espaços físicos — as Casas do Advogado — precisam espelhar esse ideal, sendo locais bem cuidados, que estimulem a presença e a convivência, com prestação de serviços de alta qualidade, incentivando a excelência na atuação profissional. Agora, com o distanciamento imposto pela pandemia, urge a criação e o oferecimento de espaços de trabalho — coworking — com infraestrutura tecnológica condizente com a virtualização processual, incluindo sala específica para sustentação oral por videoconferência, com wi-fi e equipamentos apropriados.

Como toda instituição, imperioso prestar contas dos seus gastos, com portal da transparência na internet e rápida resposta a qualquer demanda, mantendo ouvidoria atuante, eficiente atuação correcional e implementando programa de compliance com indicadores mensuráveis, praticando a integridade que também se exige de governos e empresas.

Em realidade tão iníqua como a que ainda nos macula, imprescindível ser assegurado o universal acesso gratuito à Justiça, donde a necessidade de se zelar pela assistência judiciária, à qual tantos advogados atualmente se dedicam todos os dias, no árduo esforço por diminuir a distância entre os mais excluídos e o Estado.

Nessa verdadeira vocação ao bem comum, merecem os advogados adequado respaldo institucional, tanto para altiva representação nos espaços institucionais como para a promoção de diálogo construtivo e respeitoso com Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunais de Contas, Poder Executivo e Poder Legislativo.

Oferecer propostas para a melhoria do ordenamento jurídico positivo, da eficiência do sistema de Justiça, em prol da transformação da cultura de convivência social, para a prevalência da solução pacífica dos conflitos, com menos violência e mais respeito aos direitos e cumprimento dos deveres, assim como incentivar e praticar a inclusão social, com ações afirmativas, é tarefa inafastável da legítima agenda da instituição representante da advocacia.

Como se vê, relevantes e motivadores os desafios postos à advocacia, cujo desempenho diretamente se relaciona à realização da Justiça e à garantia da democracia, valores tão caros e, infelizmente, ainda tão ameaçados. Por isso, nesta data tão simbólica, importa olhar à frente e colaborar para o avanço necessário, com convergência, transparência e espírito de fraternidade.

Autores

  • é advogado, doutor, mestre e bacharel em Direito pela USP, professor de Direito Público da Universidade Nove de Julho e membro da Comissão de Direitos Humanos da USP e da Congregação da Faculdade de Direito da USP.

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