Opinião

O 11 de agosto e a lei contra o abuso de autoridade

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11 de agosto de 2021, 15h16

Uma reflexão oportuna para este 11 de agosto é a forma como a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019), em vigor há menos de dois anos, trouxe uma série de inovações ao sistema jurídico nacional, cujos melhores efeitos ainda estão em construção. Pudera: um país com uma história recente de autoritarismo precisa esforçar-se bastante para fazer valer, em qualquer circunstância, o devido processo legal — preceito que a nova legislação busca proteger acima de tudo. 

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A aprovação da Lei de Abuso de Autoridade — processo no qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi determinante — inscreve-se no rol das imposições do regime democrático. A lei decorre da percepção de que o poder, para ser exercido de fato em prol da população, necessita de limites expressos. O Estado de Direito requer balizas que demarquem o campo de atuação daqueles que se veem investidos de fé pública. E a razão é elementar: quem detém o poder tende a exorbitar na ausência de barreiras constituídas.

Mais do que uma salvaguarda da população ou uma prerrogativa da advocacia, a criminalização do abuso de autoridade representa uma conquista civilizacional, que só pode ser mantida à custa da vigilância ininterrupta. Não existe conscientização que baste para impor freios à sanha dos que dispõem do poder. É indispensável um arcabouço político, legal e institucional apto a punir toda transgressão.

O abuso de autoridade é um crime que se espalha indistintamente, dos mais baixos aos mais elevados escalões. É claro que gerará resultados mais nefastos conforme a relevância — do ponto de vista da estrutura burocrática — de quem o perpetra. Cometido por um juiz, por exemplo, terá consequências danosas sobre a vida do cidadão jurisdicionado. Todavia, se praticado pelo "guarda da esquina", ofende da mesma forma os princípios basilares da Constituição Federal de 1988. 

Na verdade, quanto menor a importância hierárquica da autoridade responsável pelo abuso, mais difícil é a reparação do dano ao ofendido. O que nos espanta, no entanto, é perceber que tais comportamentos são profundamente arraigados na cultura nacional, sobretudo a policialesca.

Esse quadro, felizmente, começa a se alterar. Dados da Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo demonstram que o estado contabilizou 39 denúncias de abuso de autoridade no ano de 2017 — número que saltou para 68 em 2019, já sob a vigência do novo regramento. E 84% das ocorrências apontam o envolvimento de policiais militares.

A situação real, porém, decerto é muito pior. A vítima do abuso de autoridade tende a ficar calada; afinal, tendo sofrido o arbítrio do agente estatal uma vez, por que motivo acreditaria em um desenlace diferente quando da apresentação da queixa?

Lamentavelmente, a simples edição de uma lei não é capaz, por si mesma, de, no prazo imediato, promover as mudanças sociais necessárias para o seu efetivo cumprimento. As notificações dos crimes de abuso de autoridade têm crescido, contudo, o nível de punição aos infratores é incipiente. E, nesse tocante, o guarda da esquina e o douto magistrado acham-se irmanados: ambos se deparam com um horizonte de impunidade. 

Ao trabalhar pela aprovação da lei, inclusive com os itens que tornam crime a violação das prerrogativas da advocacia, a Ordem dos Advogados do Brasil cumpriu seu papel constitucional de zelar pela profissão e pelo respeito ao sistema de direitos e garantias individuais. Com a lei aprovada, cabe à Ordem estar preparada para lidar com o maior número de denúncias formalizadas.

A ação da OAB nesse sentido não é restrita à esfera nacional. É muito mais nas localidades mais afastadas dos grandes centros — onde, muitas vezes, impera a lei do mais forte. Já estamos devidamente preparados para representar contra todo e qualquer abuso de autoridade efetuado contra o cidadão, independentemente de sua posição de investigado, réu ou condenado. 

A OAB foi a primeira entidade da sociedade civil organizada a apoiar abertamente a aprovação da nova lei. Tive a oportunidade de produzir relatório interno recomendando o referendo ao ato normativo. Igualmente, fui o responsável por propor o provimento interno que disciplina o modo como a Ordem deve acompanhar os procedimentos apuratórios voltados contra escritórios, de sorte a prevenir condutas indevidas por parte dos encarregados dos inquéritos. 

Combater o abuso de autoridade, em todas as suas expressões, é uma missão infestável da advocacia e que visa a proteger a mais essencial das garantias republicanas: o direito de defesa — sem o qual a própria democracia se encontra em risco.

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