Opinião

As práticas ESG e a superação do falso dilema

Autor

  • César Souza Júnior

    é ex-prefeito de Florianópolis ex-secretário de Estado de Assuntos Estratégicos de Santa Catarina doutorando em Direito Ambiental Constitucional pela Universidade John Kennedy CABA/ARG e integrante do escritório Waltrick Advogados Associados.

9 de agosto de 2021, 18h17

O falso dilema entre economia e meio ambiente deve ser superado de vez no Brasil. Nada mais anacrônico do que essa beligerância entre quem quer produzir e quem se interessa em preservar. A virada de abordagem há muito já está em curso nas economias mais desenvolvidas, e é cada vez mais veloz. Quem ficar para trás, sejam empresas ou governos, será alijado da competição internacional por investimentos e oportunidades. Se você ainda não ouviu, vai ouvir muito falar na sigla ESG. ESG vem do inglês enviromental, social, governance. Ambiental, social, governança. São fatores de uma matriz de responsabilidade sócio-ambiental. E não é somente palavrório bem intencionado. Tratam-se de compromissos objetivos e auditáveis por agências internacionais.

Se você imagina que é apenas mais um capítulo do tedioso, surrado e esvaziado do marketing da sustentabilidade, engana-se. É normal o ceticismo em relação a certificações verdes e declarações grandiloquentes ao modo save the planet. Mas atente-se, a agenda ESG não se enquadra nesse perfil. Não estamos diante de mais uma iniciativa de greenwashing para marcas em declínio de imagem. Agora a coisa é para valer, por uma razão muito simples: o grande capital, o dinheiro grosso de verdade no mundo, passa cada vez mais a adotar práticas ESG auditáveis como definidoras de investimentos. No ESG, no money!

Segundo estudo elaborado pela corretora XP, a relevância dos fatores ESG ao redor do mundo, mais de US$ 30 trilhões em ativos sob gestão (AuM, sigla em inglês para assets under management) são gerenciados por fundos que definiram estratégias sustentáveis. Só na Europa são US$ 14,1 trilhões, equivalente a mais de 50% do AuM total do continente, enquanto nos Estados Unidos esse número já representa 25%. Todos os indicativos são de que esse número só fará crescer. Para que se tenha uma ideia da velocidade do movimento, vejamos o crescimento da adesão ao principles for responsible investment (PRI), ou princípios para o investimento responsável. Desde 2016, o número de signatários do PRI mais do que dobrou, ultrapassando a marca de 3 mil membros e somando mais de US$ 100 trilhões em AuM, número 15 vezes maior do que em 2006. Para quem ainda vê a preocupação com temas ambientais e sociais como coisa "de esquerda", ou de "ecochatos", ou ainda de "inimigos do desenvolvimento", passe a saber: a agenda ESG é a grande agenda do capital. O processo é irreversível, notadamente porque já chega ao consumidor. Segundo pesquisa realizada pela empresa especialista em insigths do mercado Toluma, 94% dos internautas já compraram produtos por serem sustentáveis. Já 66% dos entrevistados deixou de consumir produtos pensando no planeta. Produtos com práticas pouco sustentáveis não terão clientes. Empresas fora do ESG não terão investidores. E posso afirmar: cidades que não se antecipem e liderem esse processo perderão o bonde da história.

A agenda ESG nas cidades passa por uma atualização completa das leis ambientais municipais, adequando-as ao regramento federal e a jurisprudência sobre a matéria. Lei tem de ser clara, objetiva e atual. O licenciamento ambiental municipal precisa ser levado a sério. E esse é o momento, hora de usar intensivamente a tecnologia. Trazer agilidade, precisão e transparência ao processo, hoje caótico e judicializado no mais das vezes.

Qual o caminho? Ousar, trazendo a agenda ESG para o centro da política econômica do município, e garantir a aplicação da lei de maneira clara. Não há mais espaço para jeitinhos que driblem o império da lei, como também devem ser refutadas interpretações casuísticas e ideologizadas que subvertem a vontade do legislador ilegitimamente. Petições e decisões exóticas e de caráter militante passam a estar fora de lugar. Quando se traz luz e objetividade, perdem espaço tanto a selvageria do lucro a qualquer preço, quanto o sectarismo militante. Ambos em absoluto descompasso com os rumos do planeta. Se há confronto, não é entre capital e meio ambiente, é entre quem quer lucrar ao arrepio da lei, e quem quer fazer impor sua militância ao arrepio da lei. Chega desse falso dilema, a grande agenda do capital hoje é ambiental. A proteção efetiva ao nosso patrimônio natural passa a ser ínsita à própria sobrevivência econômica. Ao trabalho, e ele começa nas cidades e seu licenciamento ambiental.

Autores

  • é ex-prefeito de Florianópolis, ex-secretário de Estado de Assuntos Estratégicos de Santa Catarina, doutorando em Direito Ambiental Constitucional pela Universidade John Kennedy, CABA/ARG, e integrante do escritório Waltrick Advogados Associados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!