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Beneficiário de endosso-caução não perde seu direito por quitação sem resgate

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15 de abril de 2021, 10h19

Nas operações de endosso-caução aquelas em que a parte endossante transmite um título ao endossatário como forma de garantia da dívida, mas sem a transferência da titularidade da cártula , quem recebe o endosso de boa-fé não tem seu direito de crédito abalado no caso de eventual quitação realizada ao endossante sem resgate do título.

Gustavo Lima/STJ
O ministro Luis Felipe Salomão foi o relator do recurso no Superior Tribunal de Justiça
Gustavo Lima/STJ

Esse entendimento foi fixado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reformar por unanimidade um acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) e, assim, julgar improcedente a pretensão da parte executada, que alegou nos embargos à execução ter pago diretamente ao endossante o valor executado pelo endossatário, mas sem que houvesse o resgate da duplicata que embasou a execução.

Em primeira instância, o juízo acolheu os embargos e reconheceu a ilegitimidade ativa da parte exequente. Já o TJ-PR, apesar de entender que o exequente teria legitimidade para propor a ação, concluiu que, como houve pagamento direto ao endossante, o título extrajudicial perdeu o requisito da exigibilidade.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso da parte endossatária, teve entendimento diferente. Segundo ele, o artigo 19 da Lei Uniforme de Genebra estabelece que, quando o endosso contém qualquer menção que implique uma caução, o portador pode exercer todos os direitos emergentes do título. E o mesmo dispositivo prevê que os coobrigados não podem invocar contra o portador as exceções fundadas nas relações pessoais com o endossante, a menos que o portador, ao receber a letra cambiária, tenha praticado ato consciente em detrimento do devedor.

Ampla circulação
Com base na doutrina, o relator também destacou que o interesse social busca proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, permitindo aos terceiros de boa-fé a plena garantia e a segurança na sua aquisição, "constituindo a inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor a mais importante afirmação do Direito moderno em favor da segurança da circulação e da negociabilidade dos títulos de crédito".

Em seu voto, Salomão apontou que o artigo 15, I, da Lei das Duplicatas estabelece que a cobrança judicial de duplicata será efetuada conforme processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, não havendo necessidade de qualquer outro documento além do título. Por outro lado, o ministro também ressaltou que, apesar de a duplicata possuir natureza causal — ou seja, depende da prestação de um serviço para ser constituída —, essa característica não lhe retira o caráter de abstração: uma vez em circulação o título, contra ele não podem ser opostas exceções.

"Perquirir acerca do negócio subjacente para admitir oposição de exceções pessoais em face do endossatário terceiro de boa-fé de duplicata aceita representaria patente e significativa mudança na jurisprudência desde sempre pacífica acerca do tema, ferindo de morte a circulabilidade dos títulos de crédito, o princípio da abstração e o relevantíssimo instituto cambiário do aceite", considerou o magistrado.

Além disso, Luis Felipe Salomão enfatizou que o caso não discute o instituto de direito civil da cessão do crédito, mas as obrigações cambiárias autônomas do endosso e, de forma específica, o aceite dado no título. Segundo o ministro, uma vez aceito o título, o sacado vincula-se a ele como devedor principal, e a falta de entrega da mercadoria ou da prestação do serviço, ou mesmo a quitação referente à relação fundamental ao credor originário, só são oponíveis ao sacador, como exceção pessoal, mas não ao endossatário de boa-fé.

Ao dar provimento ao recurso, o ministro considerou "temerário" para a circulação dos títulos que se admita a quitação de crédito cambial sem a exigência do regaste da cártula, especialmente se essa situação gerar prejuízo a terceiro de boa-fé. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

AREsp 1.635.968

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