Opinião

A discussão sobre a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI

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12 de abril de 2021, 18h53

A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) estabelece em seu artigo 40, parágrafo único, que a vigência de uma patente não será menor do que dez e sete anos, para patentes de invenção e modelo de utilidade, respectivamente, "a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior".

A discussão sobre esse tema vem crescendo desde o aumento considerável dos pedidos de patentes, que ficaram em compasso de espera para serem examinados no INPI, o que fez com que o parágrafo único deixasse de ser interpretado como exceção e considerado regra de aplicação geral nas concessões das respectivas patentes. O acúmulo de pedidos a serem examinados denomina-se backlog.

Desde 2016, esse artigo vem sendo debatido no Supremo Tribunal Federal, em decorrência do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.529 pela Procuradoria-Geral de República, que alega, em suma, que o parágrafo fere o artigo 5º da CRFB/88, caput, e seus incisos XXIX, XXXII, LXXVIII, além dos artigos 170, IV, e V e artigo 37, caput e §6º, todos também da Constituição Federal.

Os argumentos da Procuradoria são de: 1) obrigação de temporariedade da proteção patentária; 2) defesa do consumidor; 3) ausência de liberdade de concorrência; 4) afronta aos princípios da isonomia e segurança jurídica; 5) responsabilidade objetiva do Estado, princípio da eficiência da atuação administrativa e da duração razoável do processo. Em petição apresentada em fevereiro de 2021, a Procuradoria-Geral da República (PGR) requereu tutela provisória de urgência, visando a suspender imediatamente os efeitos do artigo, alegando que, em razão da pandemia da Covid-19, seria urgente a suspensão para facilitar a produção de genéricos de medicamentos que já teriam a sua patente expirada no Brasil, mas não o foram em razão da extensão concedida pelo parágrafo único do artigo 40.

No entanto, em que pese a argumentação trazida pela PGR, não há que se falar em qualquer inconstitucionalidade, como se demonstrará a seguir.

O Brasil possui tradição na área de propriedade intelectual, especialmente pelo fato de ter se tornado um dos 13 primeiros países signatários da Convenção de Paris. Ainda, vale regressar a um passado não tão longínquo para entender esse contexto. O Código da Propriedade Industrial de 1967 (Decreto-Lei 254), em seu artigo 25 [1], já estabelecia a compensação de prazo, caso a patente a ser concedida ocorresse após o 5º ano da data de depósito. Já o Código de Propriedade Industrial de 1971 (Lei 5.772/1971) suprimiu a disposição, bem como restringiu a proteção por patente, principalmente não reconhecendo tal proteção para os setores farmacêutico, produtos químicos e alimentícios.

À época, em face de um ambiente hostil, que não se reconhecia proteção patentária para os referidos setores produtivos e tecnológicos, em relação a exclusão do parágrafo único do artigo 40 da lei, poderia fazer sentido, uma vez que, diante da consequente diminuição do número de depósitos de patentes, a velocidade do exame dos pedidos já existentes deveria aumentar. Porém, o que se verificou foi ausência de pesquisas por empresas nacionais e o receio dos internacionais em lançar qualquer produto em um território sem resguardo dos direitos de propriedade intelectual, especialmente dos laboratórios farmacêuticos multinacionais, impossibilitando a proibição das cópias não autorizadas.

Restou clara a necessidade da implementação de nova política industrial e de comércio exterior, o que ocorreu no início da década de 90. Nesse momento, além de o Brasil ter assinado o Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (ADPIC) [2], houve um movimento expressivo no Congresso Nacional para restabelecer no país a proteção às invenções farmacêuticas e químicas, momento em que foi proposto o Projeto de Lei nº 824/1991 [3], que surgiu com o objetivo de harmonização entre a legislação brasileira e os tratados internacionais em relação as matérias de propriedade intelectual e que, posteriormente, foi transformada na Lei Ordinária nº 9.279/96, que vigora até hoje como a legislação pertinente à propriedade industrial brasileira.

A LPI nº 9.279/96 inseriu a proteção de patentes agroquímicas e farmacêuticas, colocando o Brasil num nível de países que possuem uma legislação de propriedade intelectual compatível com os avanços tecnológicos. Ainda, o parágrafo único do artigo 40, traria um ambiente de segurança jurídica aos titulares de patentes com efeitos de estímulo à inovação.

Por outro lado, o governo acabou esquecendo de fazer o trabalho de casa completo. Apesar de ter criado uma lei compatível com as demais leis de propriedade intelectual de outros países, inclusive alinhada com os tratados internacionais, não investiu e não aparelhou o operador do sistema de propriedade intelectual, que é o INPI. O INPI foi sucateado ao longo das últimas décadas, não se dando a devida importância a um órgão que correspondesse ao avanço conferido à LPI, que iria propiciar um aumento muito significativo no número de depósitos de patentes, principalmente nas áreas técnicas que não possuíam proteção na vigência do CPI. 

É notório que a LPI gerou aumento da demanda nos números de depósitos de pedidos de patentes. Por outro lado, o operador do sistema de proteção de patentes, pela sua ineficiência e inoperância, não correspondeu a essa demanda, gerando o backlog. Esse aumento de exames pendentes foi contribuído consideravelmente por conta dos casos de pedidos na área farmacêutica, que são encaminhados para Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), previamente, para receberem anuência prévia antes de serem efetivamente examinados pelo INPI. Essa etapa, que foi decorrente de uma alteração da LPI, gerou um atraso nas concessões dessas patentes.

Assim, o § único do artigo 40, que era para ser uma exceção, virou regra. Nesse sentido, esse dispositivo como está sendo discutido na ADI, é perfeitamente adequado ao contexto de um ambiente que possui e que durante décadas proporcionou segurança jurídica aos depositantes de pedidos de patentes, que não tinham outra escolha a não ser aguardar a respectiva concessão, que durava anos para ocorrer, dependendo do setor tecnológico. Esse cenário provocado pelo desleixo em relação a falta de investimentos na estruturação do INPI e a sua má gestão que ocasionaram esse desfecho.

Mesmo diante de tal ineficiência, é importante ressaltar alguns dados relativos à aplicação do parágrafo do artigo 40, desde o início de vigência até os dias atuais: das patentes de invenção que foram concedidas com base nele, 95% têm a extensão de prazo de zero a um ano. A média de anos além do prazo normal é de 1,91. O número de patentes concedidas com dez ou mais anos de extensão é apenas de 14 casos. Quanto aos modelos de utilidade, a média de anos além do prazo normal é de 1,64 e somente 26 MUs foram concedidas com sete anos ou mais de extensão de prazo [4].

Por outro lado, a confirmação do pedido de inconstitucionalidade do parágrafo acarretará perdas consideráveis sobre titulares e depositantes de patentes, como quebra de contratos, ambiente desfavorável para investimento e principalmente a falta da segurança jurídica, que foi uma das principais causas para que houvesse um ambiente favorável para a inovação na área de medicamentos no Brasil. No caso de eventual declaração de inconstitucionalidade, cerca de 22.583 patentes em vigor serão afetadas, bem como cerca de outros 24 mil pedidos que aguardam análise do INPI há mais de dez anos [5].

Não só a extinção das patentes traria consequências econômicas aos seus detentores. Possíveis ações de infrações sofreriam grandes impactos, uma vez que estas perderiam seu objeto, causando um cenário ainda mais inseguro juridicamente e enorme movimentação desnecessária do assoberbado Poder Judiciário. Vale comentar que o prazo da duração de patentes foi fixado por legislação específica, como bem determina a Constituição da República. Por isso, não caberia deixar com o judiciário o questionamento ou alteração da decisão do legislador. Não existindo qualquer inconstitucionalidade na norma, em eventual necessidade de sua alteração deve-se respeitar a separação dos poderes instituída pelo artigo 2º da Constituição, cabendo apenas ao Poder Legislativo realizar a melhor escolha para tal, e não o Judiciário.

Diferentemente do que alega a PGR, entre o período do depósito da patente e o de sua concessão, não há qualquer direito adquirido. O que se tem é mera expectativa de direito, não tendo o depositante qualquer meio legal para impedir o uso indevido de sua invenção. O artigo 44 da LPI apenas possibilita o seu ressarcimento no caso de concessão da patente [6], mesmo assim, se ficar caracterizado a infração e o dano durante esse período.

É falacioso argumentar que apenas indústrias estrangeiras se beneficiam do artigo, uma vez que ganhariam extensão de prazo em detrimento de indústrias nacionais que poderiam gerar mais competitividade. Como demonstrado no parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) juntado aos autos da ação direta de inconstitucionalidade (ADI), entre os anos de 2008 e 2015, diversos titulares residentes foram beneficiados pela extensão conferida pela referida norma.

Ademais, a atual diretoria de patentes vem trabalhando para diminuição e futuro fim do backlog, com previsão de que o prazo de concessão seja de dois anos a partir do pedido de exame. Dados do INPI (junho/2020) demonstram a redução de incidência do parágrafo único do artigo 40 com relação a patentes da área farmacêutica de 82,03% em 2018, para 67,6% em 2019 e 51,2% em 2020 [7], totalizando o número de 1.612 patentes da área farmacêutica concedidas nesse período [8]. Já o percentual de patentes em geral, concedidas com incidência do parágrafo único, que era de 44,8% em 2019, passou para em 26,83% em 2020, segundo dados atualizados em dezembro de 2020.

Vale ressaltar que as patentes relacionadas à indústria farmacêutica são apenas uma parcela de um sistema muito mais amplo e complexo, que envolve diversas outros setores de atuação. Portanto, os argumentos trazidos na ADI 5.529, que em sua maioria abrangem somente esse setor tecnológico, observam o cenário de forma restrita e distorcida.

Dessa forma, os argumentos trazidos pela PGR não são suficientes para justificar a alegada inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40, que se faz mais do que necessário quando usado como exceção à regra, garantindo segurança jurídica aos detentores de patentes, que investem pesado não só no seu desenvolvimento, mas também no crescimento da pesquisa no país.

É indispensável entender as possíveis decisões que poderão ser proferidas pelo STF. Além dos três resultados usuais para revisão constitucional, ou seja, a declaração de constitucionalidade, inconstitucionalidade ou uma mudança legislativa, se dois terços dos ministros concordarem, o STF pode modular os efeitos de suas decisões.

Portanto, dependendo de múltiplas variáveis, como a forma de julgamento do STF e quais são as características de sua carteira de patentes no Brasil, cada titular pode ser afetado em diferentes graus. Caso a ação seja julgada inconstitucional, com modulação de efeitos, as patentes concedidas antes da decisão não serão afetadas, também sendo possível que os pedidos que completaram dez anos de tramitação antes da publicação da decisão do STF e todos os pedidos já depositados não sofram qualquer alteração, a depender de qual modulação escolherá o STF. Em caso de ausência de modulação dos efeitos, as patentes concedidas com base no parágrafo único do artigo 40 terão seu prazo reajustado, podendo uma parte considerável de patentes ser extinta caso tal prazo seja anterior à data da decisão.

Cabe mencionar que, em caso de declaração de inconstitucionalidade do §, se faz necessária a modulação de efeitos temporais. Isso porque, como bem ressaltado no parecer da AGU, "aqueles que depositaram seus pedidos de patente na vigência do artigo 40, parágrafo único, da Lei nº 9.279, de 1996, possuem uma expectativa legítima de serem beneficiados por essa norma. O princípio da segurança jurídica há de ser conjugado com o artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999". Portanto, não se pode ferir a expectativa de direito daquele que investiu e depositou uma patente e aguarda a sua concessão, causando uma enorme insegurança jurídica neste setor.

Não obstante das possibilidades que o STF possa julgar essa ADI, vale ressaltar que não há o que se falar em inconstitucionalidade do dispositivo da lei, pois essa previsão foi fruto da vontade popular do Congresso Nacional à época de sua elaboração e o aumento da quantidade de pedidos de patentes pendentes para serem examinados foi fruto da má gestão do operador do sistema de propriedade intelectual (INPI), não recebendo a devida atenção por um longo tempo.

Cabe aos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, garantir a todos os inventores e usuários do sistema de propriedade intelectual do Brasil segurança jurídica, de forma que possamos atrair mais investimentos internos e externos para aumentar a capacidade tecnológica do país e se tornar um dos fornecedores mundiais de tecnologia nesse mercado globalizado e não um mero produtor, exportador de comodities e receptor de tecnologia.

 


[1] "Artigo 25 – O privilégio de patente de invenção, de desenho ou de modelo industrial vigorará, desde que pagas as contribuições devidas regularmente, pelo prazo de vinte anos contados da data do depósito do pedido de privilégio ou de quinze, contados da data da concessão, caso esta ocorra após cinco anos da data do depósito do pedido".

[2] Aspectos dos Direitos da Propriedade Industrial Relacionados ao Comércio – ADPIC, ratificado pelo Decreto n. 1.355/94, ou, também conhecido como Trade Related Aspects os Intelectual Property Rights – TRIPS, trata-se de um tratado internacional, estabelecendo padrões mínimos a serem observados por seus membros, com relação à assuntos ligados a propriedade intelectual.

[4] Indicadores do parágrafo único do artigo 40 da LPI – 23 de fevereiro de 2021. Disponível em < https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/relatorios-gerenciais/Relatorioart40Fevereiro2021_DIRPA_03032021.pdf> Acesso em 03 de março de 2021.

[5] Conforme informações fornecidas na Petição de Amicus Curiae da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs na ADI n. 5529.

[6] "Artigo 44 – Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente".

[8] "Plano de Combate ao Backlog", disponível em <https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/plano-de-combate-ao-backlog> acesso em 09/03/2021.

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