Opinião

Os médicos na mira dos planos de saúde

Autor

  • Ana Lúcia Amorim Boaventura

    é advogada especialista em Direito Médico Direito Odontológico Direito da Saúde e Direito Constitucional professora da Faculdade de Medicina da PUC-Goiás e sócia da Ferraresi Cavalcante Advogados.

12 de abril de 2021, 21h15

Como se não bastassem o volume de ações judiciais de pacientes contra médicos, a falta de estrutura para o trabalho, o esgotamento físico e mental na linha de frente contra a Covid-19, chegou a vez dos planos de saúde piorarem o cenário da atuação médica e processá-los.

É crescente o número de processos administrativos de planos de saúde e cooperativas em desfavor de médicos, sob a alegação de excesso de pedidos de exames ou procedimentos para pacientes, no afã de diminuir gastos.

Na grande maioria das vezes, ainda que as empresas ofereçam ao médico o direito do contraditório e da ampla defesa, ele é condenado. Na verdade, a sensação que se tem é que a penalidade é certa, independentemente dos argumentos e da realidade do consultório e da especialidade do médico processado. Basta o profissional agir fora dos "limites aceitáveis" de despesas do plano ou cooperativa.

Com medo de retaliação e descredenciamento, na imensa maioria das vezes o médico fica inerte, não submetendo ao Judiciário a decisão administrativa condenatória, como lhe é de direito, conforme artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Assim, a chance de um julgamento, de fato, imparcial sobre as condutas médicas criticadas e rechaçadas pelos planos de saúde e cooperativas, fica fora do alcance dos magistrados.

É importante destacar que reduzir o número de pedidos de exames ou qualquer tipo de limitação do exercício da Medicina viola não somente os direitos do médico, mas, principalmente, os do paciente, na medida em que tais restrições podem comprometer o tratamento. O médico, segundo a Lei do Ato Médico, tem o dever de agir com o máximo de zelo e com o melhor de sua capacidade profissional.

O Código de Ética Médica é claro ao afirmar em várias partes que o médico tem o direito de exercer a Medicina com liberdade e em condições dignas, sempre em favor do paciente. Exemplos são os incisos VIII e XVI, que dizem, respectivamente: "O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho".

Na mesma direção, o inciso XVI, "nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para estabelecer o diagnóstico e executar o tratamento, salvo quando em benefício do paciente".

Assim, é ato ilegal e antiético por parte das cooperativas e planos de saúde punir médicos com alegações e acusações que limitam o exercício de sua profissão em favor da sociedade, restringindo pedidos de serviços que estão no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A prática médica está demasiadamente burocratizada e vigiada, fato que leva a concluir que o abalo vai além da relação médico-paciente, fincando raízes nas relações entre os próprios médicos e gestores.

Notoriamente, é necessária mais proximidade entre tais atores, clareza de regras, atuação firme das sociedades médicas, disposição e empatia para diálogo. Se médicos estão acuados e limitados, quem paga é a sociedade com sua saúde.

Autores

  • é advogada especialista em Direito Médico, Direito Odontológico e Direito da Saúde pelo Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos na cidade de Ribeirão Preto (IPEBJ), especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Goiás, professora da Faculdade de Medicina da PUC/GO, membro da Câmara Técnica de Direito Médico do Conselho Regional de Medicina de Goiás.

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