Opinião

O caráter transdisciplinar do ESG: aspectos de proteção de dados

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7 de abril de 2021, 9h19

O tema do momento é ESG (environmental, social and governance, ou ambiental, social e governança). Essa sigla surgiu pela primeira vez no relatório "Who Cares Wins Connecting Financial Markets to a Changing World", do Departamento Suíço de Assuntos Exteriores, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), em dezembro de 2004, e culminou na edição dos "Principles for Responsible Investment" (PRI), em 2008 [1] [2]o qual determinou o conceito de investimento responsável (ou sustentável).

A preocupação com meio ambiente, responsabilidade social e com melhores práticas de governança está (ou deve estar) na pauta de todas as empresas, de todos os tamanhos e de todos os segmentos de mercado.

Mas por que ESG deve ser uma preocupação? Porque, de acordo com um estudo do Boston Consulting Group (BCG) [3], "companies that outperform in industry-relevant environmental, social, and governance (ESG) areas boast higher valuation multiples and margins, all other factors being equal, than those with weaker performance in those areas". Ou seja, empresas que adotam práticas de ESG tendem a render maiores lucros e a aumentar seu valor de mercado.

A verdade é que a sociedade e, consequentemente, o mercado passaram a exigir das empresas uma postura ativa, no sentido de que elas passem a prestar mais atenção no impacto social que imprimem e, com isso, insiram esse aspecto nas suas análises de risco e estratégias corporativas. Trata-se do Total Social Impact (TSI), que corresponde ao benefício total para a sociedade dos produtos, serviços, operações, capacidades essenciais e atividades de uma determinada empresa.

O TSI é o agregado de todas as maneiras pelas quais uma empresa impacta a sociedade e atualmente nenhuma métrica única capta isso, como apurou o estudo do BCG em 2017. No entanto, o desempenho em áreas ESG importantes é um bom ponto de partida para entender o TSI de uma empresa —, fornecendo uma maneira concreta de avaliar a ligação entre o TSI de uma empresa e seu desempenho financeiro. Partindo dessa premissa, apresentaremos uma das áreas mais importantes que impacta diretamente no S e no G do ESG, especialmente na realidade brasileira: a proteção de dados.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n° 13.709/2018, ou LGPD), para além de estabelecer o regramento aplicável às operações de tratamento de dados pessoais o que, por si só, já é fundamental para a imagem da empresa e, portanto, impacta no ESG , dispõe de um capítulo específico para tratar de medidas de segurança e boas práticas (Capítulo VII da LGPD), as quais incluem segurança e sigilo de dados (Seção I, artigo 46 e seguintes da LGPD) e boas práticas e governança (Seção II, artigos 50 e seguintes da LGPD).

Nesse contexto, no esforço de criar uma cultura de privacidade e proteção de dados, a empresa deverá adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito (cf. artigo 46 da LGPD), bem como formular regras de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização, o regime de funcionamento, os procedimentos, incluindo reclamações e petições de titulares, as normas de segurança, os padrões técnicos, as obrigações específicas para os diversos envolvidos no tratamento, as ações educativas, os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e outros aspectos relacionados ao tratamento de dados pessoais [4].

Trata-se, em verdade, das práticas de privacy by design, que consistem em aplicar os conceitos e princípios da proteção de dados desde a criação de uma tecnologia, de modo que esses estejam intrinsicamente integrados à sua funcionalidade, e de privacy by default, que exige que os controladores implementem medidas apropriadas, tanto em nível técnico quanto organizacional, para garantir que as tecnologias funcionem, natural e automaticamente, de forma a processar apenas o mínimo de dados pessoais necessário para cumprir seu propósito específico.

Esses modelos de desenvolvimento visam a evitar o processamento excessivo e auxiliar o controle sobre o armazenamento e a acessibilidade dos dados. Com isso, os dados deverão ser gerenciados como ativos organizacionais, de forma que não sejam mais vistos como itens colaterais de sistemas e processos; quer dizer, a forma como determinada empresa maneja dados pessoais no contexto do seu business passou a ser um fator crítico, especialmente diante do crescimento exponencial de tecnologias como big data, IoT e machine learning, bem como em face dos novos parâmetros de governança estabelecidos não apenas pela LGPD, mas também por outras regulamentações específicas em vigor no Brasil, como a Resolução n° 4.658/2018 do Banco Central. Nesse sentido, as empresas deverão passar a se preocupar com a qualidade dos dados pessoais que tratam, os aspectos legais que envolvem o tratamento de dados, a ética do tratamento e o potencial de geração de valor dos bancos de dados que possui [5].

Percebe-se, então, que é indispensável que a companhia estabeleça uma cultura de governança de dados e que adote todas as medidas operacionais e de segurança da informação para assegurar a integridade dos dados pessoais tratados durante a execução de suas atividades; quer dizer, a governança de dados que, na realidade, é uma espécie do gênero "governança corporativa" deve focar na organização e no controle dos dados pessoais (insumos) essenciais para determinada atividade, por meio de objetivos organizacionais e processos institucionalizados, para a produção de informação e conhecimento das empresas [6]. Em última análise, a governança de dados passou a ser um ativo organizacional e, como tal, por envolver o cruzamento de diversas disciplinas, pressupõe o envolvimento de todos os funcionários e prestadores de serviços, os quais deverão estar cientes de todas as práticas adotadas pela empresa para assegurar que a privacidade e os dados pessoais dos titulares de dados estão sendo devidamente tutelados.

Nesse contexto, estar adequado à LGPD e adotar uma cultura de governança de dados significa uma verdadeira mudança de hábitos, no sentido de que a empresa passe a ter mais cuidado com correspondências físicas e eletrônicas, compartilhamento de dados, controle de acesso aos sistemas operacionais, armazenamento de documentos na rede ou em nuvem, bem como com os conceitos de privacy by design e privacy by default apontados anteriormente, de acordo com os quais a privacidade e a proteção de dados devem ser considerados em todos os novos negócios e projetos. Além disso, medidas técnicas como a criptografia dos dados, isolamento das bases de dados que permitam a identificação do titular, uso de mecanismos de segurança e autenticação (firewalls, antivírus e dupla autenticação) também devem ser considerados e implementados, na medida e na extensão possíveis.

Em conclusão, na realidade brasileira, na qual os vazamentos de dados aumentaram 493% nos últimos anos [7], sendo que mais de 205 milhões de dados de brasileiros vazaram de forma criminosa em 2019 [8], é precisamente o conjunto dessas medidas de segurança e de governança de dados que, do ponto de vista da proteção de dados, irão refletir ao consumidor ou usuário do business da empresa a segurança necessária para uma relação comercial sustentável [9], o que se relaciona tanto com o eixo social, quanto o de governança, do ESG.

O ESG é um tema atual e de extrema relevância para todas as empresas, de todos os tamanhos e de todos os segmentos de mercado, justamente em razão de seu caráter transdisciplinar. ESG, portanto, engloba proteção de dados, relações de trabalho e de consumo, questões tributárias, societárias e concorrenciais, entre tantas outras [10].

 

[2] Disponível em: https://www.unpri.org/download?ac=10948. Acesso em: 20 mar. 2021.

[4] Cf. artigo 50 da LGPD.

[5] BARBIERI, Carlos. Governança de Dados: Práticas, Conceitos e Novos Caminhos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019. p. 33.

[6] BARBIERI, Carlos. Governança de Dados: Práticas, Conceitos e Novos Caminhos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019. pp. 35-36.

[7] Disponível em: https://dl.acm.org/doi/abs/10.1145/3439873. Acesso em: 20 mar. 2021.

[9] Veja mais em: https://www.veirano.com.br/midia/resource-kit-lgpd. Acesso em: 20 mar. 2021.

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