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Bote de Bretas contra desembargadores gera repúdio no meio jurídico

21 de setembro de 2020, 10h17

Por Redação ConJur

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Ao coordenar o maior ataque à advocacia já registrado no país, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, usurpou competência do Superior Tribunal de Justiça ao determinar cumprimento de mandados de busca e apreensão na casa de desembargadores, que possuem prerrogativa por foro. O ato, revelado pela ConJur, causou repúdio na comunidade jurídica.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Em nota, a Associação Nacional de Desembargadores (Andes), afirmou que "a investigação contra membro do judiciário do 2º grau é de competência dos Tribunais Superiores que, aliás, levam a cabo, e com seriedade, através da PGR, suas investigações, não merecendo usurpação de suas funções constitucionais e legais".

"A conduta não pode passar em branco, sob pena da incidência daquela velha e conhecida parábola sobre a leniência e omissão do proprietário da casa diante de seus 'visitantes'. Entram no jardim para lhes furtar as rosas e nada é feito, depois…", prossegue a nota, assinada pelo presidente da entidade, Marcelo Buhatem. "O estado democrático de direito exige sacrifícios, sabemos, e um deles é o mais elementar: cumprir a lei."

O jurista e advogado Lenio Streck, por sua vez, cobrou providências das cortes superiores para coibir os abusos de Bretas. "Nada me surpreende. Mas nada, mesmo. O que mais deverá acontecer para que o STF e o STJ ponham ordem nessa desordem judicial? Deixar ou não deixar os arbítrios continuarem! Eis a questão, como na peça Shakespeareana. Há limites? Ou cada aplicador dá às palavras o sentido que quer?", questiona.

Sem competência
As buscas autorizadas por Bretas abrangiam as residências de pelo menos três desembargadores: um deles com mandato no Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas; outro, do TRF-2, casado com uma advogada; e outra, do TRF-3, também casada com um advogado.

Especialistas afirmaram que Bretas não tinha competência para isso. De acordo com o artigo 105, I, "a", da Constituição Federal, cabe ao STJ processar e julgar, nos crimes comuns, os desembargadores dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho.

"Não há nenhuma possibilidade de separar o material da busca e apreensão ou entrar na casa sem invadir a esfera de privacidade do desembargador", afirma o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Aury Lopes Jr.

Para o criminalista e ex-presidente da OAB José Roberto Batochio, a medida é "profundamente preocupante". "Parece que algumas autoridades não querem conhecer quaisquer limites, o que é ruim para a democracia e desordena a organicidade do nosso sistema jurídico."

Outras incompetências
Na quarta-feira (9/9), Marcelo Bretas autorizou o maior bote contra a advocacia já registrado no país, ordenando o cumprimento de 75 mandados de busca e apreensão contra escritórios, casas de advogados e empresas (mais do que os 50 estimados anteriormente, e 33 deles em endereços residenciais).

A ordem foi considerada uma tentativa de criminalização da advocacia pela comunidade jurídica. Além disso, tem erros de competência, já que a Fecomércio é uma entidade privada e deveria ser investigada pela Justiça Estadual; e de imputação de crimes, já que seus dirigentes não podem ser acusados de corrupção nem peculato. Em outra vertente há quem entenda que, por pretender investigar ministros do STJ e do TCU, a competência seria do STF.

Uma semana depois do ataque, um grupo de seccionais da OAB protocolou uma reclamação no Supremo Tribunal Federal contra os abusos e violações das prerrogativas cometidos por Bretas.

O bote se baseia na delação do ex-presidente da Fecomercio do Rio de Janeiro, Orlando Diniz. O empresário já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 1 milhão depositados no exterior.

Trechos vazados da delação de Diniz ainda mostram que o empresário foi dirigido pelo Ministério Público Federal do Rio no processo. Em muitos momentos, é uma procuradora quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.