Opinião

A desoneração da folha de pagamentos e a 'nova CPMF'

Autores

  • Vítor Thaler

    é advogado em Porto Alegre/RS especialista em Direito Tributário pelo IET/PUCRS e pós-graduando em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário Estratégico pela PUCRS.

  • Leonardo Martins

    é advogado especialista em Direito Tributário pela Uniritter/Laureate e coordenador jurídico no escritório Franchi & Galvani Advocacia Empresarial.

22 de outubro de 2020, 6h37

Conforme os dados mais recentes disponibilizados pela Receita Federal do Brasil (RFB) sobre a carga tributária no país, os tributos incidentes sobre a folha de salários corresponderam a aproximadamente 27% do total da arrecadação entre os anos de 2009 e 2018 [1].

Entre estes, destaca-se a contribuição previdenciária patronal (CPP), destinada ao financiamento da Previdência Social, que foi instituída pela União Federal com base na competência prevista no artigo 195, inciso I, "b", da Constituição Federal (CF/88), por meio do artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91, à alíquota de 20%.

Em 2003, foi promulgada a Emenda Constitucional (EC) nº 42, que incluiu o §13º no artigo 195 da CF/88, autorizando a substituição gradual, total ou parcial da referida contribuição por outra incidente sobre a receita ou o faturamento.

Em face do permissivo constitucional apontado, em 2011 foi criada a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), através da Medida Provisória (MP) nº 540, a qual, segundo a sua exposição de motivos, estabeleceu o Plano Brasil Maior, cujo objetivo central era estimular a competitividade da economia brasileira no mercado externo em face da crise econômica internacional de 2008, sendo uma das diretrizes para tanto a diminuição do custo tributário sobre a produção das empresas, por meio de uma renúncia fiscal que ficou conhecida como "desoneração da folha de pagamentos".

Assim, a MP º 540/11, que foi posteriormente convertida na Lei nº 12.546/11, estabeleceu de forma compulsória para as empresas de determinados setores da economia a substituição da CPP pela CPRB, incidente à alíquota de 1,5% ou 2,5% sobre a receita bruta, dependendo do caso, de forma a desonerá-las do custo tributário da sua mão de obra.

A Lei nº 12.546/11 sofreu diversas alterações em relação aos setores beneficiados e às alíquotas da CPRB, com destaque para a Lei nº 13.161/15, que estabeleceu percentuais que variam entre 1% e 4,5%, bem como tornou a contribuição facultativa, de modo que as empresas que exercem as atividades previstas na referida legislação passaram a poder optar anualmente e de forma irretratável, sobre todo o calendário fiscal, por continuar recolhendo-a, em vez da CPP.

Em 2017, foi publicada a MP nº 774, que pretendia revogar a CPRB para diversos setores da economia, o que, segundo a sua exposição de motivos, justificava-se pelo aumento do déficit da previdência social causado pela referida renúncia fiscal, no entanto sua vigência foi encerrada sem a conversão em lei.

A redução dos setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos acabou ocorrendo em 2018, por meio da Lei nº 13.670, sendo contempladas até 31 de dezembro deste ano, entre outras, as empresas que exercem os serviços de tecnologia da informação, call center, transporte coletivo de passageiros, construção civil e de obras de infraestrutura, jornalismo e de radiodifusão, assim como alguns segmentos industriais, como o têxtil e de proteína animal.

Além disso, foi aprovada em 2019, por meio da EC nº 103, a reforma da previdência, buscando diminuir o déficit desta por meio da redução dos benefícios previdenciários, através da mudança das regras para a sua concessão, com destaque também para a revogação do §13º do artigo 195, da CF/88, que se tratava do fundamento constitucional da CPRB.

Já em abril do presente ano foi publicada a MP nº 936, que instituiu o Programa Especial de Manutenção do Emprego e da Renda em razão da pandemia da Covid-19, sendo que na sua conversão para a Lei nº 14.020, no mês de julho, foi incluído um artigo que estabelecia a prorrogação do prazo de validade da CPRB para 31/12/2021, como forma de estimular os setores por ela contemplados, em virtude da atual crise econômica, no entanto este foi vetado pelo presidente da República, o que ainda poderá ser derrubado pelo Congresso Nacional.

Dentre as razões do veto, destacam-se os argumentos de que a manutenção da desoneração da folha de pagamentos para o ano que vem implicaria em renúncia de receita sem observância da legislação orçamentária e de responsabilidade fiscal, assim como não teria pertinência temática com o objeto original da MP nº 936, o que violaria o princípio democrático e do devido processo legislativo.

Ademais, existem questionamentos quanto à existência de fundamento constitucional para a prorrogação do prazo de vigência da CPRB, uma vez que foi revogado o §13º do artigo 195 da CF/88 [2], de modo que, mesmo que o veto seja derrubado pelo Congresso Nacional, essa questão poderia acabar tendo que ser dirimida pelo poder judiciário. Por outro lado, as empresas beneficiadas sustentam que o fim da CPRB acarretaria forte desemprego nos seus setores [3], o que acentuaria a atual crise econômica causada pela pandemia da Covid-19. 

Visando a resolver esses problemas, o governo federal já anunciou a possibilidade de propor um novo formato da desoneração da folha de pagamentos, por meio da redução das alíquotas e/ou criação de faixas de isenção dos tributos que incidem sobre ela, o que poderia englobar não só a CPP como também as contribuições destinadas ao Seguro Acidentário do Trabalho (SAT) e a outras entidades e fundos, como aquelas que compõem o Sistema S, sendo a redução da arrecadação tributária compensada com a instituição de um novo tributo, que incidiria sobre movimentações financeiras, nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) [4].

Essa proposta faz parte da segunda etapa do projeto de reforma tributária do governo federal, mas até o momento não foi apresentado nenhum texto ao Congresso Nacional, o qual instaurou uma comissão mista para discutir a reforma tributária em âmbito constitucional, que tramita principalmente por meio das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019 e 110/2019, mas que não tratam da tributação sobre a folha de pagamentos, e, sim, sobre bens e serviços.

A criação de um novo tributo sobre movimentações financeiras, no entanto, encontra grande resistência no Congresso Nacional, o que indica dificuldades na aprovação da proposta do governo federal [5], de modo que outras alternativas podem ser buscadas pela comissão mista, como o aumento da tributação da renda e do patrimônio, cuja carga tributária no Brasil é inferior à da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conforme apontado pelo estudo da RFB anteriormente referido.  

Dessa forma, considerando o impacto da tributação sobre a folha de salários no Brasil, que corresponde a praticamente um quarto da arrecadação total, assim como a proximidade do fim do prazo de validade da CPRB para os setores beneficiados, impende que o governo federal e o Congresso Nacional cheguem a uma solução sobre esse assunto o quanto antes, para não prejudicar ainda mais a economia e o orçamento público, já combalidos pela atual crise econômica causada pela pandemia da Covid-19.  

 


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