Opinião

Como prevenir e reprimir o trabalho infantil em tempos de crise da Covid-19

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  • é procurador do Trabalho coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília.

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7 de outubro de 2020, 7h15

Uma das consequências que a pandemia da Covid-19 trouxe aos contexto social brasileiro foi o aumento dos riscos do trabalho infantil, uma das formas mais deletérias de exploração do trabalho humano, tendo em vista sua aptidão de frustrar o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, prejudicando, senão impedindo, a concretização dos seus projetos de vida.

Nesse contexto, três fatores despontam como responsáveis por um aumento nos índices de trabalho infantil, durante e após a pandemia.

O primeiro deles é o aumento do desemprego e, consequentemente, da pobreza. Isso devido à perda ou diminuição da renda da família brasileira, que recorrerá cada vez mais ao trabalho infantil como meio de complementação da renda familiar, dado o apelo que o trabalho de crianças provoca nos consumidores, especialmente no comércio informal realizado em logradouros.

O segundo fator consiste na ausência de instrumentos eficazes para garantir a continuidade do processo educacional nesse período. Isso decorre da intensa desigualdade social do país e da falta de investimentos estruturantes no sistema de educação brasileiro.

De fato, crianças e adolescentes mais carentes não possuem condições de acompanhar aulas online e sequer as escolas possuem meios de garantir a realização das aulas não presenciais. Essa dificuldade decorre do descaso histórico com a educação, o que levou nossa nação a não possuir uma cultura que valorize a educação como parte integrante do desenvolvimento pessoal e social, voltada para o adequado e pleno exercício da cidadania.

Assim, privadas da presença na escola e sem meios de prosseguir com os processos de aprendizado, crianças e adolescentes estarão especialmente vulneráveis a exploração do seu trabalho.

O terceiro fator que ocasionará uma expansão do trabalho infantil é o aumento da violência e da criminalidade. O aprofundamento da desigualdade social causará um aumento da violência na sociedade brasileira, que buscará no crime meios de romper com a miséria e exclusão. Muitas famílias, convictas de que o trabalho é a única alternativa ao crime, submeterão crianças e adolescentes à exploração indevida do trabalho.

Apresentado esse panorama inicial, cumpre agora verificar quais políticas preventivas e repressivas podem contribuir para evitar a ocorrência de trabalho infantil.

Nesse aspecto, devem ser destacadas três medidas que servem para prevenir a submissão de crianças e adolescentes a situações de trabalho proibido.

A primeira delas é a adoção, pelo poder público, de políticas de redistribuição de renda e de incentivo ao emprego com a finalidade de reduzir da desigualdade social e a pobreza. 

Neste momento de redução drástica na renda da população brasileira,  políticas redistributivas podem minorar as consequências econômicas da pandemia, garantindo renda mínima para as famílias, com o que podem ter acesso aos bens sociais básicos, como alimentação e moradia.

Contudo, as medidas redistributivas tradicionais não têm capacidade, por si só, de resolver o problema econômico. Por isso, o Estado deve implementar iniciativas voltadas à geração de empregos, como investimentos em obras de infraestrutura, que historicamente demonstraram ser fonte de geração de inúmeros empregos. Com a retomada dos empregos formais e o aumento na renda daí decorrente, a tendência seria a redução do trabalho de crianças e adolescentes. 

A segunda das medidas é a estruturação do sistema educacional brasileiro para receber as crianças e adolescentes, tanto durante a crise sanitária, quanto no pós-pandemia. Com a garantia de continuidade do processo educacional, evitaria-se a submissão ao trabalho infantil, pois as crianças e adolescentes teriam seu tempo preenchido pelas atividades escolares. A escola em tempo integral, nesse contexto, seria imprescindível para otimização dessa política preventiva.

A terceira medida preventiva se refere à garantia de meios de acesso seguro ao mercado de trabalho pelos adolescentes. Com o agravamento da situação econômica da nação, muitos adolescentes procurarão formas de adquirir renda própria e de auxiliar no sustento familiar. A principal forma de prevenção, nessa situação, não é a vedação absoluta, mas, antes, assegurar o acesso seguro ao mercado de trabalho, o que pode ser efetivado por através dos institutos da qualificação profissional, do estágio e da aprendizagem. Entre eles, a aprendizagem possui singular potencial, pois concilia a relação de emprego com a formação técnico-profissional, que traz os benefícios de um patamar mínimo de direitos trabalhistas aliado ao processo educacional de preparação para o mercado de trabalho.

Além das políticas públicas orientadas para prevenção, nesse contexto pandêmico as instituições de proteção à infância e adolescência deverão assumir especial papel fiscalizatório, seja aferindo o cumprimento do papel estatal de adotar políticas públicas preventivas, ou mesmo identificando situações de exploração do trabalho infantil, situação na qual deverão promover a responsabilização dos empregadores.

Entre esses órgãos, importante assinalar que o Ministério Público do Trabalho deverá assumir importante função fiscalizatória quanto à implementação das políticas públicas imprescindíveis à prevenção do trabalho infantil, inclusive exigindo judicialmente que o Estado atue na questão, em caso de omissão deliberada. Também deve elaborar uma agenda de atuação no sentido de identificar as vítimas do trabalho infantil e inseri-las na rede de proteção, para que possam ser amparadas pelas políticas acima citadas.

Diante dessa perspectiva desastrosa no que se refere ao trabalho infantil, uma coisa é certa: o Estado brasileiro deve imediatamente se preparar para evitar que milhares de crianças e adolescentes tenham a infância e juventude perdidas pela falta de medidas adequadas para combater os efeitos secundários do novo coronavírus.

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