O pagamento do 13º salário e a legislação laboral da crise
25 de novembro de 2020, 13h02
Recentemente as empresas estavam com muitas dúvidas a respeito do pagamento do 13º salário dos empregados com contrato de trabalho suspenso ou com jornada reduzida, em razão da excepcionalidade legal inserida no arcabouço normativo brasileiro pela MP 936/20, posteriormente convertida na Lei 14.020/20 e seus decretos regulamentadores 10.422/20, 10.470/20 e 10.517/20. Dessa forma, o Ministério da Economia, por meio da Nota Técnica SEI nº 51.520/2020/ME, editada pelas Secretarias de Previdência e Trabalho, Secretaria de Trabalho e Subsecretaria de Políticas Públicas de Trabalho, assim como o Ministério Público do Trabalho, por meio da Diretriz Orientativa do GT Covid-19 do MPT, editaram recomendação não vinculativa a respeito do tema.
Em que pese o respeito máximo ao texto muito bem elaborado por ambas as instituições, devemos considerar, conforme já tivemos condições de ressaltar em textos anteriores que crise é, no Direito Contratual e Obrigacional, a perturbação extrema e suprema dos equilíbrios obrigacionais e contratuais em determinado período de tempo, em razão de uma desarticulação global da economia nacional, que causa assimetria e holdup entre os parceiros contratuais, com elevação de custos obrigacionais imprevisíveis e a impossibilidade de se cumprir o que fora tratado em tempos de normalidade, com a consequente alteração da ambiência negocial e quebra da base do negócio jurídico, pondo em risco a sobrevivência financeira de um dos contratantes.
Não obstante, para a segurança jurídica das leis e contratos construídas e firmados em tempos de normalidade, é preciso que em tempos de excepcionalidade, o aplicador (Executivo e Judiciário) do Direito Constitucional e do Direito privado infraconstitucional adote a possibilidade de conformação da norma com a dinâmica factual em tempos de grave crise para que se garanta a manutenção das regras negociais e o equilíbrio das relações.
Sem uma conformação da norma positivada com as condições dinâmicas dos fatos em tempos de crise, haverá um rompimento de todos os contratos firmados, pensados e criados em tempos de normalidade, vez que a rebus sic stantibus, o ceteris paribus e o mutatis mutantis dependem, exclusivamente, de uma interpretação subjetiva da lei e do fato.
Verdade, os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e até a coisa julgada adquiridos em tempos de normalidade podem e devem ser, temporariamente, suspensos ou mitigados por lei temporária excepcional ou por decisões administrativas (vide Lei 13.979/2020). Pensar diferente é acreditar que o Estado pode se sobrepor ao Direito ou ao Estado de Direito, o que acarretaria no fechamento de indústrias, do comércio, na falta de prestação de serviços e de desemprego em massa.
Muito embora se defenda que não há norma aplicável ao caos e que qualquer norma que tente se antecipar aos casos de excepcionalidade está fadada ao descarte, cabe aos órgãos de controle, verificar, se a Administração está cometendo excessos ao fiscalizar em tempos de crise serviços, cujo projeto básico do edital de licitação, não pensou neste período excepcional, ou seja, sem conformar a norma e as cláusulas contratuais aos novos tempos, ainda que de forma temporária. Até aqui não há nenhuma novidade, pois já falamos a respeito citando, inclusive as fontes aqui mesmo nesta ConJur.
Então, para encadearmos o pensamento ao tema proposto, alertamos que, como legislação da crise na seara trabalhista, tivemos a edição da MP 936/20, posteriormente convertida na Lei 14.020/20, e seus Decretos Regulamentadores 10.422/20, 10.470/20 e 10.517/20, os quais permitiram a suspensão do contrato de trabalho ou a redução da jornada de trabalho por até 240 dias com a redução proporcional nos proventos do trabalhador e isso, gize-se, como forma de preservação do emprego e da renda do empregado, pois as empresas não tinham condições de honrar, como de fato muitas ainda têm, os compromissos assumidos em tempos de normalidade em razão das medidas de isolamento social determinadas pelos Poderes Executivos dos Estados e municípios como forma de medida de proteção sanitária, justificada pelo Decreto Legislativo 06/2020 que decretou estado de calamidade pública e autorizadas pela lei 13.979/2020, o que justificou a hipótese de incidência sobre os contratos dos artigos 317, c/c parágrafo único do artigo 393, ambos do CCB como regra geral à lei de regência, ou seja, a imprevisão em razão da força maior.
No que tange aos empregados com contrato suspenso há divergências entre a nota técnica do Ministério da Economia e a instrução diretiva do MPT. Nos filiamos à tese da nota técnica que retrata a realidade fática atual além da observância da lei de regência do 13º salário em verdadeira conformação da regra específica dos tempos de normalidade com a lei laboral da crise, em verdadeira adequação e conformação, ou seja, o pagamento deve ser feito levando em consideração os meses trabalhados por ao menos 15 dias para cálculo dos avos.
A interpretação do MPT, a nosso sentir, não é conformadora e não levou em consideração a função social do Direito Laboral da crise e, tampouco, as exigências do bem comum, dentre elas a preservação das empresas e sua função social, mas apenas a situação mais benéfica ao trabalhador, sem qualquer análise ponderal a respeito desse conflito de princípios, ou seja, da necessária adequação proporcional dos princípio gerais do Direito do Trabalho à realidade fática atual.
No que diz respeito ao contrato de trabalho dos trabalhadores que tiveram jornada de trabalho reduzida, a interpretação literal da Lei 4.090/62 que se refere ao 13° salário é a seguinte:
"Artigo 1º — No mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será paga, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus.
§ 1º. A gratificação corresponderá a 1/12 da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente.
§ 2º. A fração igual ou superior a 15 dias de trabalho será havida como mês integral para os efeitos do parágrafo anterior".
Então, em uma interpretação literal, podemos afirmar que o 13º salário deve ser pago pelo salário do mês de dezembro, e não pela proporcionalidade dos salários recebidos no ano, pois não se trata de empregado com remuneração variável (comissões e gorjetas, por exemplo) e que os avos a serem calculados só devem levar em consideração o mês que o empregado trabalhou no mínimo 15 dias ou mais.
A interpretação dada à Lei 4.090/62 pela nota técnica do Ministério da Economia e a instrução diretiva do GT da Covid-19 do MPT não levaram em consideração a conformação com a legislação temporária da crise — Lei 14.020/2020 — e seus decretos regulamentadores, pois levaram tão somente em consideração a função social da lei do 13º salário, contrariando a orientação da LINDB em seu artigo 5º, pois deixaram de considerar também a função social da Lei 14.020/20 no que tange à possibilidade ou não das empresas terem condição de fazer o pagamento do 13° salário de forma integral e não proporcional aos dias trabalhados, visto que o processo de retomada após o isolamento social não ocorreu de forma plena, ainda, então, não levaram a nota técnica do Ministério da Economia e a instrução diretiva do GT da Covid-19 do MPT em conta, a função social da Lei 14.020/2020, assim como também não consideraram a preservação do emprego em massa como forma de exigência do bem comum, ou seja, a nota técnica e a instrução diretiva do GT da Covid-19 do MPT não observaram a regra básica de hermenêutica orientada pela LINDB e fizeram a interpretação apenas pelo lado mais benéfico ao trabalhador, descartando, assim, a capacidade de pagamento das empresas e a preservação do emprego e da renda do empregado, princípio raiz da criação da MP 936/2020 posteriormente convertida na Lei 14.020/2020 (ex vi a justificativa em seu projeto de lei de conversão) e seus Decretos Regulamentadores 10.422/20, 10.470/20 e 10.517/20, interpretação essa, com a devida vênia, que afetaria as regras do bem comum e do direito do todo e contraria a função social da Lei 14.020/2020 e por consequência os princípios jurídicos constitucionais da função social e da preservação das empresas, pois deveria a interpretação sob comento ter sido feita à luz da conformação e adequação do Direito temporário da crise ao Direito pensado e criado em tempos de normalidade, pois o caminho do meio, como já nos ensinava Aristóteles, é o caminho do justo, pois o excesso ou a falta é o injusto, por isso, fazer justiça é dar a cada um o que é seu, nem mais, nem menos.
"LINDB. Artigo 5º — Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
Por isso, a interpretação literal da Lei 4.090/62 nos parece mais necessária, adequada, proporcional, justa e conformadora com o Direito Laboral da crise, não deixando também de atender aos fins sociais e ao bem comum do Direito da fase de excepcionalidade que conformou e adequou a legislação trabalhista a realidade fática dos tempos de crise financeira como comorbidade consequente de uma crise sanitária.
Ademais, cabe destacar que o empresário tem o poder diretivo de sua empresa, e que, o aqui destacado é o minimum, podendo, a partir de então, fazer o que for de interesse de sua capacidade financeira e administrativa de política de pessoal.
O MPT, por meio do GT Covid-19, proferiu um entendimento baseado na literalidade da lei e do princípio do in dubio pro operario ao definir que tanto nos casos de suspensão do contrato de trabalho quanto de redução de jornada não há influência no cálculo do 13° salário e recomenda o pagamento integral do 13º por entender que estes afastamentos foram justificados, desejados pelo empregador e autorizados por lei.
Também quanto à nota técnica do Ministério da Economia SEI n° 51.520/2020/ME, lembramos que nosso Direito Constitucional nos ensina que vivemos sob a égide do princípio da legalidade estrita, ou seja, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, ou seja, a nota técnica, assim como instrução diretiva do GT Covid-19 do MPT são uma recomendação não vinculativa cabendo a interpretação da lei ao hermeneuta de sempre, o juiz. Porém, nos cabe alertar que tratando-se de dúvida na interpretação do Direito Laboral, aplica-se o brocardo latino in dubio pro operario e, também é válido destacar que estas recomendações, certamente, pautarão as fiscalizações dos auditores fiscais do trabalho.
"CRFB. Artigo 5º — II. ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Conclusão
Na verdade, é o hermeneuta (o juiz) quem vai trilhar o rumo de seu entendimento, ou seja, se estamos diante de uma antinomia, na qual será analisado qual legislação é a específica, se a lei laboral da crise ou a lei de regência do 13º salário. Se a interpretação da lei laboral da crise e da lei de regência do 13º salário devem ser interpretadas à luz do artigo 5º da LINDB e, por óbvio, adequada e conformada à crise financeira atual, ou se decidirá levando em consideração à argumentação jurídica da ponderação de interesses, em razão do conflito de princípio jurídicos — interpretação mais benéfica ao trabalhador versus os da preservação da empresa e sua função social.
Isso posto, cabe a ressalva que esse é um tema controvertido e sem precedentes na jurisprudência laboral brasileira, ficando para o juiz a interpretação final, mas há argumentação jurídica robusta para ambos os lados.
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