Opinião

O devedor não pode ser criminalizado

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  • Juliana Biolchi

    é mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidad Pablo de Olavide de Sevilla na Espanha especialista em Direito Público pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) diretora geral da Biolchi Empresarial conselheira independente coordenadora do Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre) conselheira na Câmara Especial de Resolução de Conflitos em Reestruturação de Empresas (CamCMR especialista em Negociações Complexas e em Recuperação Extrajudicial e membro da Task Force de Mediação para Empresas em Recuperação do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil (Imab).

22 de novembro de 2020, 6h34

Quando uma companhia está em crise, o senso comum traz um estereótipo enraizado: o de que o devedor é alguém que busca, nos meios legais disponíveis, obter vantagem patrimonial em detrimento de seus credores. Trata-se de um paradigma completamente descontextualizado, que precisa ser discutido e reformulado. Essa tendência confunde inadimplemento com fraude e acaba criminalizando o empresário em dificuldade. E isso prejudica o resultado útil dos processos — judiciais ou extrajudiciais — de reestruturação, erguendo paredes onde deveriam existir pontes.

Para desconstruir a fábula, é preciso entender o sentido da crise na vida da empresa. Assim como no caso da pessoa física, a pessoa jurídica também nasce, tem sua própria vida e, em algum momento, enfrentará a morte. Para vencer o colapso e garantir a continuidade da organização, é imprescindível tomar atitudes. Elas são determinadas, entre outros aspectos, pelo sistema de valores dos indivíduos — e é nesse ponto que a cultura estereotipada em torno do devedor em crise limita o diálogo. Se as partes interessadas forem capazes de identificar as causas da crise e de agir em cooperação para superá-las, a empresa poderá ser salva.

A decisão de partir para uma recuperação extrajudicial ou judicial depende de diversos aspectos, como sua abrangência, seus efeitos — e, é claro, o quanto o relacionamento do devedor com as partes interessadas se distendeu. Por isso, uma reflexão deve ser feita: por que partir do princípio de que não tem mais volta — a empresa supostamente faliu — e optar pela judicialização, quando é possível abrir espaço para negociar e coordenar esforços para salvar a empresa? Os projetos de recuperação extrajudicial incentivam a autocomposição entre credores e devedor, através da elaboração de um plano coletivo de revitalização — com estratégias para superação da crise e para pagamento do passivo. 

Se a cultura criminalizadora cria obstáculos, os processos extrajudiciais potencializam o caminho alternativo da busca de consenso e harmonização entre as partes. Uma empresa em crise deve disparar o gatilho da colaboração, construindo um novo paradigma e uma nova capacidade de resposta à ameaça à perenidade do negócio. Isso virá a bem de todos, desonerando o Poder Judiciário e tornando o sistema de insolvência mais eficiente.

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