Opinião

Quebras empresariais no próximo ano: onda ou tsunami?

Autor

  • Paulo Carnaúba

    é advogado com cursos e pós-graduações em Administração e Finanças professor de reestruturações corporativas do Insper fundador da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB de Campinas-SP e coautor do livro Reestruturações Empresariais.

18 de novembro de 2020, 18h11

No início da pandemia, foi prevista no Brasil uma onda de quebras empresariais em 2020, a qual felizmente não se realizou. Essas previsões equivocadas ocorreram ao redor do mundo e agora é consenso que essa onda foi apenas postergada para 2021. O Brasil não deve ser exceção e, se não houver a atenção especial, o que seria uma onda pode se tornar um verdadeiro tsunami de quebras empresariais. Vejamos.

Previsões soturnas foram expedidas ao redor do mundo dando conta que em 2020 haveria uma onda massiva de quebras empresariais por conta dos efeitos financeiros da Covid-19. Mas o resultado foi exatamente o contrário no mundo todo. Aqui no Brasil temos o menor patamar nos pedidos de falência na última década e o recuo nas recuperações judiciais ante 2019.

O motivo desse fenômeno foi praticamente igual em todos os países: a intervenção decisiva dos governos centrais. Por meio de um conjunto de medidas, foi dada estabilidade ao sistema financeiro, concedeu-se auxílio financeiro às pessoas físicas contra o desemprego e foi fornecida liquidez às empresas pequenas e médias por meio de crédito direto e indireto.

Ao mesmo tempo, as instituições financeiras socorreram as grandes empresas para evitar a própria instabilidade, repactuaram em massiva quantidade os créditos que poderiam vir a ser problemáticos e absorveram consideráveis prejuízos com o aumento das provisões para devedores duvidosos.

Mas esse cenário não deve continuar em 2021, sob pena de descontrole das contas públicas e de instabilidade no próprio sistema financeiro, principalmente no mercado de crédito.

Para 2021, os governos centrais já se preparam para retirar os incentivos ao crédito às empresas e retomar as usuais regras prudenciais no sistema financeiro, ao mesmo tempo que buscam promover avanços nas legislações de insolvências para melhorar a possibilidade de as boas empresas sobreviverem à onda de quebras.

O indicativo é que em 2021 o Estado não deve mais interferir incisivamente na economia, principalmente na substituição do mercado de crédito e de trabalho. A mensagem é simples: os mercados paulatinamente devem se autogerir, fornecendo soluções para destravar a produção e o consumo e resolver por si próprios os ativos potencialmente e efetivamente problemáticos.

Aqui no Brasil não deve ser diferente, mas a falta de duas das premissas básicas para que se deixe os mercados atuarem por si próprios causam preocupação: crédito em quantidade suficiente sob taxas viáveis e um sistema legal de insolvências eficiente, que resolva os créditos problemáticos salvando as boas empresas.

Aí residem as adversidades que estão fazendo o mundo olhar a recuperação do Brasil com crescente preocupação.

Ainda que a ampla reforma da Lei de Falências seja aprovada, serão necessários grandes esforços tanto para reverter os desafios à credibilidade deste sistema que dificulta a destinação de recursos às boas empresas em dificuldades quanto para dar a formação técnica imprescindível (jurídica/financeira/gestão) aos atuantes, a fim de que operem eficientemente a nova legislação.

A insolvência corporativa é um fenômeno econômico gerado na maioria das vezes por questões de gestão empresarial. Lidar com esse fenômeno somente com viés jurídico se provou pouco eficaz e seguir o modelo dos Estados Unidos e da Europa trabalhando estas três ciências em conjunto pode ser um bom caminho.

Por outra banda, o mercado de crédito no Brasil ainda tem questões como a excessiva bancarização e concentração e ainda taxas de juros elevadas. Como reflexo as empresas veem pouca oferta de crédito e, quando há, os juros são muito elevados para se evitar uma crise de liquidez ou eventualmente para resolvê-la quando já instalada.

É uma combinação perigosa para a economia, que pode responder às indagações de por que o Brasil não se recuperou da crise de 2015-2016: falta de crédito saudável e ausência de um sistema legal de insolvências eficiente.

Será preciso que o governo central continue a atuar de forma intensiva em 2021, mas com foco diferente do de 2020. Agora é preciso dar atenção ao mercado de crédito e à eficiência da nova Lei de Falências para adequar o Brasil às premissas econômicas que permitem ao resto do mundo aguardar, mas não temer, a onda de quebra empresariais em 2021.

Em caso contrário, essa onda no Brasil poderá ser um verdadeiro tsunami, varrendo não somente os negócios pouco viáveis, mas destruindo as boas empresas que alicerçam a nossa economia já fragilizada pela não recuperação da crise de 2015-2016

Autores

  • é advogado com cursos e pós-graduações em Administração e Finanças, professor de reestruturações corporativas do Insper, fundador da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB de Campinas-SP e coautor do livro Reestruturações Empresariais.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!