Opinião

Quando o óbvio precisa ser dito

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6 de novembro de 2020, 6h34

Já estamos calejados de saber, mas nunca acostumados, que quando o assunto é Cebas, o óbvio precisa ser dito! E, muitas vezes, comprovado, impondo às entidades beneficentes uma longa peregrinação perante os ministérios certificadores (MEC, MS e Cidadania) na busca por declarações a atestar ou interpretar o que já está expressado na Lei nº 12.101/2009.

Esse apego ao reconhecimento público, como se o privado estivesse sempre de má-fé, é perceptível nos inúmeros casos em que a entidade necessita de declarações para demonstrar que a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social — Cebas (certificado que comprova a condição de entidade filantrópica) está vigente. Ou ainda, quando o Judiciário esvazia o Cebas indeferindo a não aplicação da penhora ou garantia (artigo 884, §6º, da CLT) ou obtenção da isenção do depósito recursal (artigo 899, §10 da CLT), sob o argumento de que a entidade deve demonstrar os requisitos da imunidade perante o juízo. Ainda, não raro, são decisões filiadas ao entendimento de que o Cebas deve ser ostentado por cada instituição associada à organização.

Recentemente, vimos explodir exigências de operadoras de planos de saúde, como a Saúde Caixa, para que as entidades com Cebas comprovem que a filial está contemplada pela certificação e, assim, reconheçam a imunidade aos tributos federais e efetuem o pagamento dos serviços efetivamente prestados.

Ocorre que exigências nesse sentido são contrárias ao ordenamento jurídico, pois como sabemos, o Cebas é requerido pela entidade mantenedora, ou seja, pela unidade matriz. Isso porque, somente, essa é dotada de personalidade jurídica, portanto, apta à prática de atos civis. A ausência de personalidade jurídica das filiais impede-as, juridicamente, de pleitear qualificações em nome próprio, por isso, a centralidade na mantenedora.

O direito decorrente do Cebas — imunidade tributária às contribuições sociais — engloba não só a matriz, como todas as filiais, até porque é da atuação dessas que se possibilita a obtenção do Cebas.

Esse tema, para nós, operadores do Direito, é de extrema clareza, não sendo necessário declaração para afirmar o lógico, o óbvio, ou seja, que a filial X ou Y está abarcada pelo Cebas concedido à matriz, logo, também é imune.

Da leitura da Lei nº 12.101/2009 é possível chegar a essa conclusão, uma vez que o artigo 30 afirma que a imunidade não se estende a entidade com personalidade jurídica própria constituída e mantida pela entidade. Logo, extrai-se que as filiais — unidades sem personalidade jurídica própria — são alcançadas pela imunidade da entidade que obteve o Cebas.

Por sua vez, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil — RFB nº 1071/2010, dispôs que o direito à isenção das contribuições sociais usufruída pela entidade é extensivo às suas dependências e estabelecimentos. Portanto, ainda que se desconhecesse a dinâmica matriz/filial, mantenedora/mantidas e normativas do Cebas, não se pode furtar das regras sobre tributação previdenciária.

Cumpre lembrar que esse tema foi amplamente discutido pelo grupo de trabalho instaurado pela Advocacia-Geral de União, instituída pela Portaria nº 488/2011, em que RFB consignou que:

"O Cebas é um dos requisitos para a obtenção desta isenção e sempre foi conferido pela lei à Pessoa Jurídica como um todo, ou seja, não há isenção para apenas um dos estabelecimentos ou filial. Desta forma, do ponto de vista da isenção, que é a principal razão do pedido do Cebas, não faz sentido sua concessão por estabelecimento ou filial, ou seja, o certificado deve ser emitido para a pessoa jurídica como um todo, incluindo seus estabelecimentos ou filiais, na forma do art. 1º e 3º da Lei nº 12.101, de 2009: (…)".

O que temos assistido é ao esvaziamento do direito decorrente da obtenção do Cebas, pois ainda que a entidade logre alcançar a tão sonhada certificação, o pleno gozo da condição de entidade beneficente de assistência social (filantrópica) encontra diversos óbices e restrições oriundos de equívocos, desconhecimento da dinâmica do Cebas ou até de regras de direito civil e tributário.

Não há dúvida que a atuação, tal como das operadores de plano de saúde aqui apresentada, finda por sufocar o terceiro setor com uma burocracia desnecessária, mobilizando recursos humanos e tempo para levantar declarações para mera transcrição de textos legais, quando esses poderiam estar com a atenção mais focada para a atividade-fim — prestação de serviço de relevante interesse social. Atuação nesse sentido também está na contramão da política de desburocratização, sendo necessário repensarmos o porquê da cultura da chancela do ente público para declarar o óbvio. Por outro lado, o poder público também precisa ter mais sensibilidade aos pleitos dos administrados, saindo de modelos para de fato atender as reais necessidades das organizações.

Autores

  • é advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Ensino e Pesquisa e Instituto Brasileiro de Direito Processual e especialista em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília.

  • é advogada da Covac Sociedade de Advogados, com atuação no Terceiro Setor, mestre em Democracia e Bom Governo pela Universidade de Salamanca (Espanha), pós-graduada em Organizações da Sociedade Civil (Flacso Argentina – EAD) e ex-secretária-geral da Comissão de Direito do Terceiro Setor OAB DF.

  • é graduando em Direito pela Universidade de Brasília, estagiário na Covac Sociedade de Advogados e coordenador/educador social voluntário na Rede Emancipa, movimento nacional de educação com foco em cursinhos populares pré-universitários.

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