Opinião

O exercício do contraditório em processos administrativos sancionatórios

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3 de novembro de 2020, 21h32

Os atos administrativos possuem atributos intrínsecos, entre eles a presunção de legitimidade e veracidade (Di Pietro, 2019, p. 63). O primeiro diz respeito à conformidade do ato com a lei, ou seja, todo ato administrativo nasce pretensamente legítimo. O segundo atributo é ainda mais importante, pois se relaciona à matéria fática em si, ou seja, presumem-se verdadeiros todos os fatos alegados pela autoridade administrativa. 

No entanto, muito embora a presunção de veracidade seja necessária até mesmo para assegurar a estabilidade dos atos administrativos, já que dela decorre a própria ideia de poder e supremacia do Estado, o que ocorre quando essa presunção de veracidade está equivocada, em especial na constituição de auto de infração que resulta em sanções contra o particular? Dessa indagação decorre a necessidade de preservar e assegurar o contraditório e ampla defesa no âmbito dos processos administrativos sancionatórios.

O direito de infirmar os atos presumidos como verdadeiros está legitimado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e, ainda, da Lei Federal nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito federal e que possui aplicabilidade subsidiária aos demais entes federativos por força do princípio da simetria, e na falta de uma norma estadual ou municipal (cf. STJ — REsp 1648877/DF).

De acordo com o inciso X do artigo 2º da Lei Federal nº 9.784/1999, o conteúdo do direito ao contraditório no âmbito do processo administrativo compreende, cumulativamente, a "garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio".

No entanto, ainda que legitimado por diplomas legais, o direito de contrariar a presunção por meio de provas produzidas em face da Administração Pública, na prática, não é observado da mesma forma, isto é, não é automaticamente concedida ao particular a oportunidade de produzir provas de suas alegações no curso do processo administrativo. A experiência mostra que é somente por meio da atuação incisiva da advogada e do advogado que se garante ao particular o direito de infirmar a presunção de veracidade das provas suscitadas pela Administração. 

O momento adequado para apresentar o pedido de produção de provas é logo no primeiro ato de defesa. Esse pedido, além de devidamente formulado, sobretudo, deve ser necessariamente apreciado pela autoridade administrativa no curso do processo ou, no mínimo, na prolação da decisão de primeiro grau.

Isso quer dizer que a produção de provas somente poderá ser recusada por meio de decisão fundamentada que revele em seus motivos alguma das seguintes hipóteses: que a prova a ser produzida é ilícita, impertinente, desnecessária ou protelatória (cf. artigo 38, §2º da Lei Federal nº 9.784/1999). Por outro lado, o silêncio da autoridade administrativa sobre esse direito não produz efeito tácito de indeferimento e, sim, privação material ao direito à motivação e, consequentemente, ao exercício ao contraditório e ampla defesa.

Com efeito, a inércia da autoridade administrativa sobre os pedidos formulados na peça defensiva revela evidente descaso ao devido processo legal e, se esse vício no ato administrativo não for convertido nas decisões subsequentes, o administrado deverá recorrer ao Poder Judiciário para que seja declarada a nulidade do referido processo por ofensa à garantia constitucional ao contraditório (Melo, 2014, p. 483).

Diante desse cenário, cabem alguns remédios processuais em defesa dos interesses do cidadão, entre eles a ação anulatória com pedido de tutela de urgência, que pode evitar desde logo os efeitos de sanções administrativas, assim como pode chegar à declaração de nulidade do processo administrativo contaminado. Os efeitos da declaração de nulidade serão retroativos, ou seja, será reconhecida a nulidade de todo o procedimento de aplicação de penalidade desde a prolação da decisão administrativa que obstou o direito de defesa.

Como dito, a observância ao contraditório e ampla defesa no âmbito sancionatório não decorre, infelizmente, de uma aplicação automática, dado que, por diversas vezes, requer uma atuação mais intensa da advogada e do advogado, ainda mais quando a prática revela que o silêncio da autoridade administrativa é mais comum do que se imagina. Em situações como essas, é necessário que se recorra a instrumentos legítimos para que seja garantido ao administrado o direito de infirmar a presunção de veracidade dos atos administrativos, ainda que à revelia da Administração.

 

Referências bibliográficas
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 32. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Forense, 2019.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. 

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