Opinião

O Direito do juridiquês ao visual law

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23 de maio de 2020, 11h08

"Ante o exposto, data maxima venia o parecer do ilustre representante do Parquet, confia-se na sensibilidade e do vasto conhecimento dos eminentes julgadores que compõem esta Augusta Corte para espancar o ato vergastado que feriu de morte o jus libertatis do paciente. É o que se requer por ser ato da mais lídima JUSTIÇA!!!!".

Poderia ter sido o trecho de uma petição. Ou será que foi? Sim ou não, ninguém ficaria surpreso com esse vocabulário. Juridiquês 1 é a expressão cunhada para ironizar a forma de expressão comumente adotada pelos profissionais do Direito para comunicarem-se em suas manifestações escritas ou orais, composta por formalismos ultrapassados, expressões difíceis, sinônimos incomuns, palavras em latim e termos até esdrúxulos.

Por que falar em resumo dos fatos, se posso dizer breve introito ou prolegômenos? Petição inicial não é elegante quanto exordial ou peça inaugural. Libelo acusatório soa melhor do que denúncia. Constituição pode ser Carta Magna. CPC vira Código de Ritos. CLT é o Digesto Obreiro. Autos são os fólios. Ministério Público é Parquet ou Órgão Ministerial. STF é o Pretório Excelso. STJ, o Tribunal da Cidadania. Há também os egrégios, as colendas e os sodalícios. Nas petições, não podem faltar outrossim, noutra banda, lado outro, destarte, nada obstante, haja vista, etc…

Há também o juridiquês falado. As sustentações com minutos de cumprimentos e saudações ao julgador antigo professor. Às vezes, esse tempo perdido faz falta no final… Após, nos votos, temos pronomes de tratamento para lá e para cá (vez por outra, seguidos de ironias, troca de farpas e até insultos graves).

Alguns até se sentirão ofendidos. Tenho culpa de o outro não ser erudito? Pedindo toda as vênias, ousamos divergir dos eminentes colegas.

Sem pretensão de rigor científico, a linguagem é um conjunto de sinais que permite a comunicação, isto é, a transmissão de uma mensagem (informação) de um emissor para um receptor. É preciso compreender que o Direito é uma linguagem. E o seu objetivo, no processo, é facilitar a comunicação da parte com o julgador.

Cada vez mais valorizamos uma interação rápida e simples. Sem obstáculos. Não há tempo a perder. Por aplicativos de mensagens, conversamos em tempo real, enviamos documentos, fotos e vídeos. Transações bancárias são feitas com um clique. Contratamos refeições a partir de fotografias dos pratos desejados. Pedimos Uber e sabemos imediatamente a previsão da duração do percurso e o valor da corrida. A pandemia da Covid-19 acelerou a migração para o trabalho à distância. Reuniões que demandavam deslocamento (aéreo, às vezes) estão sendo realizadas em casa. Nos tribunais, até sessões de julgamento foram realizadas virtualmente.

Por que achar que a linguagem jurídica é imune a essa nova perspectiva? Nessa linha, o visual law 2 é uma forma de linguagem jurídica que visa a tornar a mensagem mais fácil e atrativa por meio de recursos visuais, principalmente valendo-se do uso das novas tecnologias. Embora a designação desse nome possa ser relativamente recente, é certo que, intuitivamente, mesmo sem saber, já fazemos uso dessas ferramentas. As novas tecnologias apenas ampliaram o rol de possibilidades 3. Vídeos, áudios, fotos, mapas, Google Street View, gráficos estatísticos, linhas do tempo, tabelas comparativas etc… Tudo dependerá da criatividade e do conhecimento do emissor 4 5.

Pode-se afirmar, portanto, sem receios, que a lógica por detrás do visual law é exatamente contrária à ideia do juridiquês. Enquanto aquela forma de expressão almeja tornar a comunicação mais atrativa e fácil, esta busca tornar a linguagem supostamente mais intelectual ou culta, deixando de lado a preocupação quanto a torná-la atrativa.

A seguir, elencamos simples dicas voltadas ao aprimoramento das manifestações. Ainda que sejam focadas na atuação do MPF, elas também podem ser aproveitadas por outros profissionais, visando a uma melhor comunicação.

1 Formule petições curtas, com linguagem direta e objetiva: O número de páginas de que você precisa para tentar convencer alguém pode sinalizar que os seus argumentos não são tão convincentes assim. Fale o que é necessário. Menos pode ser mais.        

2 Abra o jogo: revele, logo de início, qual é a pretensão da sua petição inicial, denúncia ou de seu recurso. Isso facilita a leitura dos argumentos em seguida.

3 Use tópicos e subtópicos: o texto corrido, sem divisões, pode fazer com o que leitor não se atente para a sua tese mais importante.

4 Evite teses jurídicas desnecessárias: não há necessidade de o procurador da República abrir tópico em sua ação civil pública para demonstrar a sua legitimidade ativa ou o cabimento de ACP para proteção do meio ambiente 6.

5 Evite textos legais e doutrinas desnecessárias: Não tente ensinar a missa ao vigário. O julgador cível sabe o que é dano moral e onde ele está previsto. O julgador criminal sabe os requisitos da prisão preventiva. Não precisa transcrever longos artigos e citações doutrinárias irrelevantes. Foque nos fatos.

6 Adote jurisprudência adequada e atual: jurisprudência antiga é confissão de que não se achou uma mais recente. Se tem precedente vinculante (artigo 927, CPC), é o que basta. Se não tem, súmulas não-vinculantes. Se não tem, decisões não vinculantes na seguinte ordem: I) STF; II) STJ; III) TRF ou TJ correspondente; e IV) decisão dos outros TRFs ou TJs. Em todo caso, transcrever apenas os pontos importantes, evitando longas citações.

7 Cuidado com o destaque de trechos e palavras (negrito, sublinhado, colorido, etc.): Se tudo é urgente, nada é urgente. Contenha-se no destaque de trechos ou palavras em sua petição, limitando-os aos pontos realmente importantes. Assim, o receptor irá compreender a relevância que você dá a eles.

8 Trabalhar com imagens, gráficos, tabelas, etc.: tabela indicando as datas e valores de pagamentos, por exemplo, é mais didática do que narrá-los em texto corrido. Em processos maiores, gráficos indicativos dos vínculos entre investigados ou sobre a estrutura e e o modus operandi do esquema ajudam bastante na compreensão da acusação.

9 Explore o potencial probatório de documentos e imagens: insira, na própria petição, o print do extrato bancário que comprova a movimentação dos recursos ou aquela conversa comprometedora no WhatsApp. Fotos em redes sociais podem evidenciar o padrão de vida da pessoa e, com isso, servir para a fixação de valores em transações, suspensões, fianças e acordos de colaboração e não-persecução.

 


1 Talvez fosse melhor a expressão "juridi…quê?" adotada por José Roberto Xavier, em ótimo texto disponível em https://www.jota.info/carreira/juridiques-26042018

3 Além das manifestações processuais, o visual law também pode proporcionar inúmeras facilidades no ambiente interno do órgão público ou do escritório, seja no aspecto da administração (tabelas e gráficos sobre faturamento, despesas, índices de produtividade, etc..), seja quanto ao aprimoramento das atividades (fluxogramas, check lists e rotinas de trabalho para definir e dividir tarefas, evitar gargalos e eliminar atos desnecessários). Da mesma forma, os grandes escritórios de advocacia investem em recursos visuais para divulgar a sua atuação e facilitar a comunicação com seus clientes.

4 Já foi noticiado, p.ex, que um advogado inseriu em uma petição um QR code, que permitia ao julgador acesso a um vídeo no qual ele "despachava" a sua petição, sem necessidade de deslocar-se de cidade ou até de Estado para a mesma finalidade. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-set-25/advogado-usa-qr-code-peticao-facilitar-comunicacao-juiz. Aliás, já há doutrinadores inserindo, em seus livros, QR codes para vídeos aulas sobre determinados assuntos. Por todos, cito Cleber Masson em seu Manual de Direito Penal.

5 É preciso, todavia, ter dois cuidados: primeiro, o perfil do receptor pode indicar alguém mais ou menos aberto a essa forma de exposição; segundo, não o exagerar na dose. Fontes diferentes, parágrafos em diferentes cores, páginas coloridas, marcas d'água com imagens de pouco bom gosto ou que dificultem a leitura, usos de stickers podem, além de não tornar a linguagem mais atrativa e persuasiva, infantilizar e ridicularizar a manifestação. Destacamos duas notícias a esse respeito: https://drawanessa.blogspot.com/2017/09/olha-o-que-um-advogado-esta-usando-como.html e https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/advogado-de-palmital-responde-a-juiz-com-emoji-de-joinha-em-peticao-e-imagem-viraliza.ghtml

6 Se houver alguma controvérsia sobre uma matéria preliminar, será necessária a sua intimação em atenção ao princípio da não-surpresa (artigo 10, CPC).

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