Opinião

O acordo coletivo como possibilidade de parcelamento das verbas rescisórias?

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20 de maio de 2020, 6h35

Diante de um cenário pandêmico e da consequente crise no setor econômico, é comum que as empresas estejam com dificuldades, precisando, muitas das vezes, de maiores prazos para adimplir com suas obrigações.

Mesmo com a tentativa governamental de manter os postos de trabalho mediante a edição de diversas medidas provisórias, inevitavelmente

muitos empregados foram dispensados de suas atividades.

Como se sabe, o ato de dispensar um funcionário representa um amplo custo para os cofres empresariais, o que gera a necessidade de discutir uma readequação no tocante ao pagamento das verbas rescisórias.

As recentes medidas provisórias editadas pelo presidente da República nada dispuseram sobre a flexibilização do pagamento das verbas em comento, mesmo porque, em sentido diametralmente oposto, visam à manutenção do vínculo empregatício.

Nesse sentido, devem ser observados os entendimentos e as normas já existentes sobre a matéria.

As empresas, via de regra, precisam se atentar ao disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 477, §6º, o qual dispõe que os valores das verbas rescisórias devem ser quitados até dez dias após o término contratual. Em caso de descumprimento, há possibilidade de a empresa ser instada ao pagamento de multa em valor equivalente ao salário do seu empregado dispensado.

A despeito do exposto, vislumbra-se a possibilidade de parcelamento das verbas rescisórias, mas com alguns riscos que aqui serão abordados.

É salutar, inclusive, que os fatos passados sejam apreciados como exemplos para as ações futuras, visando a minimização de possíveis erros, precipuamente em momentos como o que estamos atravessando. É o que irá ser feito a partir de agora.

Há alguns anos o setor sucroalcooleiro sofre forte crise financeira, tendo muitas usinas diminuído consideravelmente sua produção, outras tantas fecharam as portas e diversas entraram em recuperação judicial. Com a notória dificuldade financeira que as empresas desse setor passam até hoje, é imprescindível analisar como as relações de trabalho foram moldadas a esse contexto, e especialmente quanto ao presente trabalho, observar de que forma se deram os pagamentos das verbas rescisórias dos obreiros dispensados.

Como já ressaltado, a Consolidação das Leis do Trabalho contém dispositivo legal no sentido de que as verbas aqui debatidas devem ser quitadas em até dez dias após o término do contrato laboral.

Sabe-se, ainda, que os instrumentos coletivos de negociação possuem pujança na seara trabalhista, de modo que com a participação e anuência dos entes sindicais, muitos direitos trabalhistas podem efetivamente ser compatibilizados com os diversos cenários que assolam a sociedade.

Dessa forma, em relação às usinas e ao contexto econômico que as envolveu, foram pactuadas normas coletivas, as quais compreenderam a realidade das empresas do setor e permitiram o pagamento parcelado das verbas de origem rescisória.

O diálogo entre as partes sempre foi profícuo, sobretudo em momentos de dificuldade. Empresas, trabalhadores, sindicatos, todos precisam dialogar no afã de encontrar uma solução que seja favorável à conjuntura.

Apesar de não existir dispositivo legal que possibilite expressamente o parcelamento da paga, a negociação coletiva, nesse compasso, mostra-se como o elemento que possibilita a realização do parcelamento das verbas rescisórias. A seguinte decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região ilustra bem o aqui desenvolvido e representa inúmeras outras decisões no mesmo toar:

"RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL. VERBAS RESCISÓRIAS. QUITAÇÃO. PARCELAMENTO. ACORDO COLETIVO. VALIDADE. O parcelamento do valor da rescisão se deu em razão de acordo firmado pela reclamada e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados e Assalariadas Rurais de São Miguel dos Campos/AL, denominado 'cordo Coletivo sobre as Rescisões dos Contratos de Trabalho dos Rurícolas. Da Grave Crise Financeira. Por isso, descabem as multas dos arts. 467 e 477 da CLT, vez que, em relação à primeira, houve o pagamento das verbas rescisórias, e quanto à segunda, foi observado o prazo de pagamento previsto no acordo. Recurso parcialmente provido" (TRT 19 – 0000323-15.2018.5.19.0262 – Relator: João Leite de Arruda Alencar – Publicada em: 18/3/2019).

Nesse caso, um acordo coletivo foi firmado entre a Usina Caeté S/A e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados e Assalariadas Rurais de São Miguel dos Campos (AL). No momento, levando-se em consideração todo o cenário, foi acordado o pagamento em quatro parcelas das verbas devidas aos funcionários dispensados.

Dessarte, as empresas podem se utilizar das alternativas usadas em crises e dificuldades preexistentes, como a do setor sucroalcooleiro, pactuando novos acordos coletivos ou até mesmo aditando os já existentes com cláusulas de fracionamento das verbas aqui comentadas. Essa é a alternativa mais segura para se chegar no parcelamento desejado.

É interessante notar, entretanto, que não obstante a decisão anterior entender como válido o acordo coletivo pactuado entre as partes (não arbitrando multa para a empresa), outras decisões não compactuam desse mesmo entendimento. É o caso da seguinte decisão:

"MULTA DO artigo 477 DA CLT. ACORDO COLETIVO. PARCELAMENTO DO ACERTO RESCISÓRIO. Acordo firmado com o sindicato, tendo por objeto o pagamento parcelado das verbas rescisórias não se enquadra no rol permissivo do artigo 611-A, da CLT, tratando-se de matéria infensa à negociação coletiva. Assim, o parcelamento das verbas rescisórias, pactuado em instrumento normativo, não afasta a multa prevista no artigo 477, § 8º, da CLT" (TRT 18 – 0010444-57.2019.5.18.0016 – Relator: Celso Moredo Garcia – 1ª turma – Publicado em: 16/8/2019).

O Tribunal Superior do Trabalho, assim como os tribunais regionais, divide-se quanto ao entendimento a ser adotado na questão.

É pertinente notar que a mesma cláusula normativa pode ser considerada como válida ou inválida, a depender do tribunal que for designado para o exame da matéria.

Apresentados entendimentos divergentes dos tribunais acerca da mesma matéria, é preciso fazer algumas ponderações.

Entendo que nas hipóteses devem prevalecer o princípio da autonomia coletiva dos sindicatos, bem como o da adequação setorial negociada, cooperação e solidariedade, validando, por conseguinte, as normas coletivas pactuadas nesse sentido, sendo benéfico para todas as partes. Afinal, ninguém melhor que as próprias partes para encontrarem soluções para seus dilemas.

Outro ponto que pode ser levado em consideração é o de que o estado de calamidade pública pelo qual passamos, muito mais impactante que a crise financeira instaurada no setor sucroalcooleiro, pode expandir a interpretação dos tribunais no sentido da possibilidade do parcelamento das verbas.

Qual seria a solução a ser adotada pelas empresas, portanto?

Não há uma solução melhor, no caso de dispensa dos seus colaboradores, as empresas precisam levar em consideração as alternativas que melhor se adaptam ao seu modelo de negócio, passando pela análise dos riscos de cada opção possível, ponderando os impactos tanto de ordem financeira quanto reputacional na intenção de salvaguardar o ambiente empresarial.

O que deve ser levado à reflexão é que a norma coletiva é mais uma opção, entre as já existentes, possível de ser adotada, resgatada de outro momento de crise, já sendo considerada por vários tribunais como o liame que pode permitir um maior prazo para o pagamento da totalidade do montante rescisório.

Sendo essa a opção, para fins de conseguir uma maior segurança, é fundamental analisar qual o entendimento que o Tribunal Regional do Trabalho, da região em que o estabelecimento está localizado, vem adotando anteriormente.

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