Opinião

As ilegalidades da contribuição ao SAT

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16 de maio de 2020, 7h08

A atualidade tem demandado atenção para a redução dos custos vinculados às atividades empresárias, notadamente na área tributária. Segundo levantamento da PGFN, já existem milhares de ações judiciais no país com este objetivo.

Neste contexto, a contribuição ao SAT volta a assumir relevância. Embora antiga e já questionada no Judiciário, a exação vem recebendo renovadas objeções quanto à sua legalidade, as quais nunca foram analisadas pelos Tribunais Regionais Federais, tampouco pelos Tribunais Superiores.

Provavelmente a discussão mais conhecida sobre o SAT, tem-se a possibilidade de Decreto Presidencial fixar os riscos das atividades econômicas, em contraposição à regra da legalidade tributária (risco leve, médio ou grave, e as alíquotas de 1, 2 ou 3%).

O STF, como sabido, julgou constitucional a possibilidade do Executivo estabelecer os riscos das atividades, sob o fundamento de que o caso não se trata de uma delegação pura. Conforme decidido, a situação seria uma hipótese de delegação técnica, pois a aplicação da lei exige a aferição de dados específicos pela Administração (RE 343.446/SC).

Em 2009, o Governo Federal editou o Decreto 6.957, que modificou o risco/alíquota de várias atividades econômicas (a maior parte delas foi penalizada, diga-se de passagem). À época, a única informação publicada pelo Executivo para embasar o referido ato foi a quantidade de acidentes registrados em cada atividade econômica. Nenhum outro dado foi apresentado, a exemplo da metodologia empregada no reenquadramento.

Passados dez anos da edição do Decreto 6.957/09, outras informações referentes ao reenquadramento dos riscos têm vindo à tona. Atendendo solicitação feita por contribuinte através do Sistema de Acesso à Informação, a União justificou o agravamento do risco da atividade com base em uma “nota” fornecida pela Secretaria da Previdência, que até então não havia sido disponibilizada ao público.

De acordo com tal documento, foi aplicada, por analogia, a metodologia de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Para tanto, foram utilizados os índices de frequência, gravidade e custo, referentes à acidentalidade do trabalho verificada em cada atividade econômica e, após a realização de alguns cálculos, cada CNAE recebeu um índice de 0% a 100%. Quanto mais próximo de 0% o índice estivesse, menor o risco da atividade; e vice-versa[1].

A presente análise não objetiva adentrar nas minúcias do cálculo, mas expor as sérias ilegalidades do procedimento.

Em primeiro lugar, cabe frisar que o uso da analogia em matéria tributária está regulado no art. 108, I, do CTN[2], segundo o qual a analogia deve ser empregada diante da “ausência de disposição expressa” para uma determinada situação fática.

Trata-se de técnica interpretativa que auxilia a aplicação do direito em situações excepcionais, para as quais não há uma referência expressa na legislação. De modo que, frente à uma situação omissa na lei, a autoridade competente aplica a disposição prevista para hipótese análoga.

No caso em exame, porém, a analogia não foi utilizada com esta finalidade. Ela foi empregada de forma abstrata, com o objetivo de fixar o grau de risco de todas as atividades econômicas do país. Ao invés do ente público editar um Decreto prevendo os procedimentos a serem observados para o reenquadramento dos graus de riscos, simplesmente foram aplicados os parâmetros do FAP (os referidos percentis).

Outra incongruência, referente à utilização deste método de integração do Direito, decorre da circunstância de que a analogia deve ser empregada pela autoridade competente para aplicar a legislação tributária (“a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará”). Ou seja, diante de um caso concreto, sua aplicação cabe ao contribuinte, ao fisco, ou ao Judiciário, se necessário.

O que não se pode permitir, em hipótese alguma, é o indevido emprego da analogia fora de situações concretas, com evidente finalidade legiferante e por autoridade absolutamente incompetente para tal.

Em segundo lugar, constata-se a ofensa à legalidade, pois não existe previsão legal que autorize a aplicação da metodologia do FAP para promover a alteração do risco das atividades econômicas.

Em terceiro lugar, e novamente sem previsão legal, foram implementadas inovações na metodologia do FAP, com o objetivo de ajustá-la ao intento do Governo. Trata-se da regra, contida na mencionada “nota”, de que cada intervalo de índice composto corresponde a um determinado grau de risco/alíquota. Não há, no ordenamento jurídico, qualquer previsão nesse sentido.

Retomando o precedente do STF sobre a matéria, percebe-se que a premissa estabelecida para validar a fixação das alíquotas pelo Executivo ainda não foi cumprida. Até hoje, inexiste Decreto disciplinando a forma de variação dos graus de risco.

Mais uma oportunidade, portanto, para os contribuintes prejudicados adequarem suas obrigações fiscais.

Clique aqui para ler a nota enviada à Secretaria da Previdência


[1] Detalhadamente, foi feito o seguinte:

– para cada um dos índices foi atribuído um peso diferente (0,35; 0,50; e 0,15, respectivamente);

– do resultado encontrado a partir da aplicação desta fórmula, chegou-se a um índice composto para cada atividade;

– na sequência, criou-se um critério para relacionar os índices compostos (IC) com os três graus de risco e suas alíquotas:

IC entre 0% a 33,3%, risco leve, 1%;

IC entre 33,4% a 66,7%, risco médio, 2%;

IC entre 66,8% a 100%, risco grave, 3%.

[2] “Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I – a analogia;”

Autores

  • é sócio do Araújo Guerra Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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