O que muda para as sociedades no estado de calamidade?
11 de maio de 2020, 6h33
O espalhamento do coronavírus pelo mundo e a crise de saúde pública causada pela pandemia trouxeram consigo um grande desafio de se buscar algum nível de estabilidade e segurança jurídica frente às recomendações de isolamento social.
Entre as iniciativas legislativas que merecem atenção podemos citar a Medida Provisória nº 931/2020 e o Projeto de Lei 1.179/2020, ambos com rito de urgência e tramitação sumária no Congresso Nacional.
O PL 1.179/2020 propõe a regulamentação de um Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), cuja redação original sofreu várias alterações no processo de aprovação no Senado e atualmente aguarda a deliberação pela Câmara dos Deputados.
Na sua última versão, o PL que visa a estabelecer o RJET tem dois dispositivos que são dedicados às pessoas jurídicas (artigos 4º e 5º), mais especificamente às associações, sociedades e fundações, em que comina observância às restrições das autoridades sanitárias à realização de reuniões e assembleias presenciais até a data de 30 de outubro.
Além disso, autoriza a realização de assembleia geral por meio eletrônico, independentemente de previsão estatutária ou no contrato social, cujo formato será indicado pelo administrador, tendo como requisitos a necessidade de identificação do participante e a segurança do voto, com a produção dos mesmos efeitos legais de uma assinatura presencial.
Uma comissão de juristas elaborou esse PL a partir da premissa de norma de caráter temporário, inspirada nas regras excepcionais da Lei Faillot de 1918, do Direito Francês, no intuito de estabelecer algum nível de segurança jurídica, mitigar o oportunismo e o possível caos de uma excessiva judicialização.
Já a MP é dirigida às sociedades anônimas, limitadas e cooperativas e possui três núcleos principais: 1) prorrogar o prazo para a realização da assembleia geral ordinária; 2) prorrogar os mandatos de órgãos de administração, fiscalização e de gestão ou apoio; e 3) autorizar a participação e a votação à distância em reuniões e assembleias.
Para cada um dos tipos societários existem pontos em comum e especificidades que merecem atenção, que trazem consequências jurídicas no que tange às deliberações ordinárias de uma sociedade, especialmente de aprovação de contas e respectiva distribuição de resultados, do exercício de funções de administração e fiscalização e da delimitação da responsabilidade civil.
A Comissão de Valores Imobiliários (CVM) regulamenta a realização de reuniões e assembleias por meio remoto, recentemente atualizada para tratar dos atos integralmente virtuais para as sociedades anônimas (ou companhias) abertas pela Instrução nº 481, de 17/12/2009, e suas alterações, cabendo citar aqui em especial a Instrução CVM nº 622, de 17/4/2020.
As companhias fechadas, sociedades de responsabilidade limitada e cooperativas tiveram as suas reuniões e assembleias por meio semipresencial e digital reguladas pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei), vinculado à Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia. A IN Drei nº 79, de 14/4/2020, vincula os requisitos formais para a realização dos atos, que devem, igualmente, observar todos os requisitos legais e contratuais ou estatutários previamente existentes.
A medida provisória está vigente, apta a produzir ato jurídico perfeito e, caso venha a ser aprovada e sancionada no processo legislativo, terá natureza de norma permanente e não temporária tal qual se propõe no RJET — cuja aplicação estará adstrita aos fatos, atos e negócios jurídicos do período da pandemia, juridicamente reconhecido como de calamidade pública, e, por ser excepcional, tem natureza transitória.
Nessas condições, ainda que o momento eleve o nível de preocupação dos administradores, é preciso cautela na condução dos atos societários para evitar a ocorrência de vícios jurídicos e a imputação de eventual responsabilidade civil no futuro diante das inúmeras variáveis que se colocam.
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