Opinião

Os avanços regulatórios no Brasil sobre criptomoedas

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6 de maio de 2020, 20h08

Entre os temas discutidos em anos recentes relacionadas à tributação de novas tecnologias, encontram-se as criptomoedas, seleto grupo de moedas digitais, entre outros ativos, capazes de proteger os próprios dados por meio da criptografia. O uso desse instrumento, que inclui bitcoins e tolkiens, sofre uma preocupante necessidade de definição de sua natureza jurídica em território nacional, ao mesmo tempo que seu uso se expande no Brasil.

Atualmente, há mais de um milhão de brasileiros registrados para investir em criptoativos, e estima-se que as transações nacionais foram superiores a R$ 5 bilhões durante o primeiro semestre de 2019. Ainda assim, é necessário aumentar a proteção de seus usuários contra fraudes e roubos de informações privilegiadas, que cresceram em 2019 ao alcançar 4,52 bilhões de dólares perdidos, em um aumento de 160% em relação ao ano anterior [1].

Ao final de 2018, sentiu-se que alguns passos foram dados nessa direção. Acórdão do Superior tribunal de Justiça [2] versou sobre a possibilidade de criptomoedas serem consideradas valores mobiliários, levando o julgamento dos delitos a elas relacionadas à competência da Justiça Federal. Após analisar a posição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que em seu relatório semestral do segundo semestre de 2017 excluiu de sua própria esfera de competência reguladora tais ativos, o ministro relator Sebastião Reis Júnior determinou não haver dispositivo no Regulamento do Banco Central sobre tais moedas virtuais, que não se confundem com as moedas eletrônicas já regulamentadas pela Lei n° 12.865/2013. Portanto, não é possível tratá-las como valores mobiliários, qualificando tais crimes como comuns e cabíveis à Justiça Estadual.

Em 5 de março deste ano, o ministro flexibilizou seu entendimento anterior sobre as criptomoedas ao indeferir um habeas corpus [3]. Em uma situação semelhante, mas não análoga à sua decisão anterior, 18 réus foram denunciados por diversos crimes financeiros, como  evasão de divisas e gestão fraudulenta. Uma das condutas a eles atribuídas, havendo denúncia formalizada perante a Justiça Federal, foi a do oferecimento de contrato de investimento coletivo, e sem registro prévio na Comissão de Valores Mobiliários, atrelado a especulação de criptomoedas.

O ministro denegou o pedido de HC em virtude da tipificação do ilícito, prevista na Lei n° 7.492/1986. O artigo 26 da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro delimita a competência da Justiça Federal, o que impede um julgamento análogo ao do conflito de competência, no qual não havia uma denúncia formalizada. Além desse dado, o ministro alegou deliberação da CVM tratando contratos coletivos vinculados a negociação de criptoativos como valores mobiliários [4]. Portanto, é possível que operações relacionadas a criptomoedas tenham natureza mobiliária, em determinadas circunstancias definidas pela CVM.

"(…) Vêm oferecendo, na página da rede mundial de computadores https://www.btc-banco.com, oportunidade de investimento cuja remuneração estaria atrelada à negociação de criptoativos por equipes de profissionais, utilizando-se de apelo ao público para celebração de contratos que, da forma como vêm sendo ofertados, enquadram-se no conceito legal de valor mobiliário".

Regulação perante a Receita Federal do Brasil
Entretanto, a primeira regulação brasileira relativa às criptomoedas surgiu somente em 1º de agosto de 2019, com a necessidade de se reportar ao governo, mediante a Instrução Normativa n° 1.888 da Receita Federal, todas as transações ligadas a criptomoedas ocorridas mês anterior. A obrigação atual independe do uso de corretoras, mas, segundo especialistas, não caracteriza-se como uma nova operação tributação tributária [5]. De fato, a IN RFB n° 1.888 refere-se a termos tributários apenas para restringir a obrigação de prestar informações sobre seus criptoativos destinadas às pessoas jurídicas fornecedoras de criptoativos (exchanges) "residentes e domiciliadas no Brasil". A opção pela forma de declarar o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) também altera o valor da multa imposta sobre a exchange que falhar em informar suas transações, como se denota no seguinte trecho:

"Artigo 10  A pessoa física ou jurídica que deixar de prestar as informações a que estiver obrigada, nos termos do artigo 6º, ou que prestá-las fora dos prazos fixados no artigo 8º, (…) ficará sujeita às seguintes multas, conforme o caso:

I pela prestação extemporânea:

a) R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês ou fração de mês, se o declarante (…) na última declaração apresentada tenha apurado o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no lucro presumido."

Ou seja, há referências indiretas ao Imposto de Renda préexistente, mas não são listadas as características referentes a um novo imposto, como fato gerador, alíquota e base de cálculo.

Outro avanço recente é que, a partir do mês atual, exchanges que circulam criptomoedas, no papel de corretoras, contarão com CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas) próprio, junto ao IBGE. Tal ato, que ocorrerá por meio da atualização do sistema do próprio IBGE, atendendo a pedido do Conselho Nacional de Justiça, (CNJ) constitui mais um passo para a formalização das trocas de criptomoedas efetuadas por brasileiros. O código destinado a elas terá o número de 6619-3/99 (corretagem e custódia de criptoativos) [6].

O tema da natureza jurídica das criptomoedas permanece em situação de incerteza no Brasil, mas no último ano já começaram a surgir indícios de que, em breve, uma definição concreta, favorável à regulação pela CVM e pela Receita Federal, poderá vir a surgir.

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