Opinião

A interrupção do despacho aduaneiro

Autor

  • Daniela Floriano

    é mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora em direito tributário e aduaneiro em diversos cursos de extensão e pós-graduação pesquisadora do NEF-FVG e UFMG advogada e sócia do DFloriano Advogados.

26 de junho de 2020, 6h07

Sempre que constatado, no curso da conferência aduaneira, qualquer ocorrência que impeça seu prosseguimento, o despacho aduaneiro pode ser interrompido, dando início, muitas vezes, a um pesadelo para os importadores.

Entre algumas das hipóteses de interrupção do despacho aduaneiro, encontram-se aquelas listadas no artigo 570 do Decreto nº 6.759/09 e que podem alcançar desde a não apresentação de documentos indispensáveis até questionamentos sobre diferenças de tributos normalmente decorrentes de questionamentos sobre a classificação fiscal das mercadorias importadas, aplicação de ex-tarifários ou normas antidumping.

Pois bem, uma vez interrompido o despacho aduaneiro e, por consequência, retidos os produtos importados, a legislação atualmente vigente faculta ao importador duas alternativas imediatas: o pagamento do valor questionado pelo Fisco ou a apresentação de uma manifestação de inconformidade discordando da imposição que lhe foi feita.

Apresentada a manifestação no próprio Siscomex, terá início o prazo de apenas oito dias para que a fiscalização aduaneira concorde com os argumentos apresentados pelo importador, concluindo o despacho de importação e liberando as mercadorias, ou, em contrapartida, lavre um auto de infração constituindo o crédito tributário sob discussão. É a partir da emissão do auto de infração que se iniciará o processo administrativo fiscal e se discutirá sobre a classificação fiscal dos produtos importados.

Existem, todavia, casos específicos em que, interrompido o despacho aduaneiro, poderá o importador retirar suas mercadorias de forma antecipada, antes da efetiva conclusão do despacho de importação. Conhecida por "entrega antecipada da mercadoria", mostra-se financeiramente vantajosa ao importador em decorrência dos altíssimos custos de armazenagem nos recintos alfandegados.

A entrega antecipada da mercadoria, todavia, não é aplicável a qualquer cenário de importação e impõe ao importador, via de regra, a impossibilidade de utilização das mercadorias desembaraçadas até a conclusão do despacho.

As hipóteses de autorização para entrega antecipada estão previstas no artigo 47 da Instrução Normativa nº 680/06 e, acompanhando um movimento global de facilitação e desburocratização do comércio exterior, recentemente veio contemplar os importadores certificados como Operadores Econômicos Autorizados (OEA).

Outro detalhe importante, e muitas vezes despercebido no processo de importação, diz respeito à autorização legal para o desembaraço imediato de mercadorias cujas declarações de importação tenham sido parametrizadas, por exemplo, em canal vermelho de conferência aduaneira e dependam, exclusivamente, de análise laboratorial.

Uma vez lavrado o auto de infração e impugnado, não se assegura ao importador a liberação de sua mercadoria. De fato, conforme ainda sustentam alguns recintos alfandegados, fundamentados em uma portaria do Ministério da Fazenda, editada em 1976, existiria a necessidade de apresentação de garantia do débito constituído para a efetiva conclusão do despacho aduaneiro. Tratam-se de garantias apresentadas ainda na via administrativa, as quais atualmente contemplam, nos termos do parágrafo 9º do artigo 48 da já referenciada Instrução Normativa nº 680/06, o depósito em dinheiro, a fiança bancária ou o seguro.

Inconteste o fato, todavia, de que a exigência, nesse cenário, mostra-se juridicamente passível de questionamento.

Ademais, esgotadas ou não as possibilidades de atuação administrativa buscando a conclusão do despacho aduaneiro e, por consequência, a liberação dos produtos importados, a propositura de uma ação judicial para questionar arbitrariedades ou ilegalidades sempre se afigura uma possibilidade ao importador.

Judicialmente, súmulas já editadas pelo Superior Tribunal Federal, a exemplo das de número 323 e 547, são reiteradamente invocadas para afastar a apreensão de mercadorias como medida para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos. O posicionamento de juízes de primeiro grau e dos próprios Tribunais Regionais Federais, contudo, ainda se mostra unânime quanto ao tema.

Ao passo que os Tribunais Federais da 1ª e da 5ª região fiscal, de jurisdição de estados como Bahia, Minas Gerais, Alagoas e Ceará, possuem um posicionamento reiteradamente favorável à liberação das mercadorias após impugnado o auto de infração, o Tribunais da 2ª e da 3ª, que por sua vez atendem a Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Mato Grosso do Sul, não possuem orientação unificada sobre o tema.  Os estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, por seu turno, e via de regra, entendem pela necessidade de oferecimento da garantia para a conclusão do despacho aduaneiro.

É fato que alternativas administrativas e judiciais não faltam ao importador. Uma vez interrompido o despacho de importação, no entanto, é a análise estratégica e prévia de todo o cenário que apontará para os resultados mais rápidos e menos onerosos ao importador.

Autores

  • é sócia-fundadora do escritório Daniela Floriano Advocacia e Consultoria Tributária, juíza do TIT-SP e professora no IBET, na PUC-Cogea e na Escola Paulista de Direito (EPD).

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