Opinião

É chegada a hora do Protocolo de Nagoia

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25 de junho de 2020, 16h14

O Brasil é o país com maior diversidade biológica do mundo. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, abrigamos 20% do total de espécies do planeta. São mais de 103.870 animais e 43.020 vegetais já catalogados e espalhadas pelos nossos seis biomas e três grandes ecossistemas marinhos, sem contar os inúmeros outros organismos. 

Em um cenário como esse, parece intuitivo que um acordo internacional cujo objetivo seja assegurar que o país receba parte dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos contidos nessa vasta biodiversidade seja um bom negócio. Que tal se o Brasil pudesse, por exemplo, receber parte dos lucros auferidos por uma farmacêutica que utilize uma substância extraída de determinada planta nacional para elaborar um medicamento? Ou de uma indústria cosmética que desenvolva um inovador creme para rugas com espécies como açaí ou cupuaçu? Parece bom negócio, não? É isso que o Protocolo de Nagoia promete.

Concebido na cidade de Nagoia, no Japão, em 2010, esse acordo multilateral vinculado à Convenção sobre Diversidade Biológica tem por objetivo justamente assegurar a repartição de benefícios pela utilização dos recursos genéticos da biodiversidade.

Desde a adoção dessa convenção na Rio-92, o mundo reconheceu que cada país tem soberania sobre os recursos genéticos existentes em seu território e pode estipular normas regendo o seu acesso e lhes assegurando parte dos benefícios decorrentes de sua utilização. Lastreado nesse fundamento, o Brasil, por exemplo, editou uma medida provisória pra tratar de acesso e repartição de benefícios há quase 20 anos, e mais recentemente aprovou um novo marco legal sobre o tema, a Lei 13.123/2015. Contudo, verificou-se na prática que as normas nacionais eram insuficientes para que esse objetivo de efetivar a repartição de benefícios fosse alcançado, uma vez que elas só surtiam efeito dentro do país que as editou, enquanto os recursos genéticos circulavam facilmente e poderiam ser utilizados em outros países.

Não tardou para que o mundo percebesse que a solução para esse problema seria a adoção de um acordo internacional em que os países assumissem o dever de colaboração mútua, assegurando o respeito às normas de acesso e repartição de benefícios uns dos outros. Foi dessa constatação que nasceu, após anos de negociação, o Protocolo de Nagoia, um tratado por meio do qual as partes ou seja, os países se comprometem a adotar medidas destinadas a assegurar que o acesso e a utilização de um recurso genético ocorram sempre em respeito às normas do país de origem, inclusive no que diz respeito à repartição dos benefícios decorrentes dessa utilização. 

Atualmente, esse acordo já conta com 124 países. Parceiros comerciais importantes do Brasil como China, União Europeia e Argentina, por exemplo, já fazem parte do clube. Intuindo os benefícios que o país poderia ter, a diplomacia nacional exerceu um importante papel de liderança no processo de construção do protocolo e o Brasil foi um dos primeiros a assiná-lo. Porém, desde 2012 o texto aguarda análise do Congresso Nacional.

Em um primeiro momento, legítimas preocupações com os potenciais efeitos desse tratado sobre o agronegócio nacional, que é sabidamente usuário de recursos genéticos estrangeiros, geraram alguma resistência à ratificação. Contudo, ajustes na legislação interna, aliados à possibilidade de adoção de uma interpretação menos abrangente sobre o escopo do protocolo e à tranquilidade sobre a sua não retroatividade, fizeram com que ela perdesse força. Logo, olhando para o quadro atual, parece haver razoável consenso, inclusive no agronegócio, de que as vantagens de se adotar esse acordo superam as desvantagens, por isso movimentos recentes têm sido feitos no Congresso para que o processo de ratificação finalmente avance.

Algumas dessas vantagens merecem ser citadas. A primeira e mais evidente já foi destacada acima: o Brasil é megabiodiverso, sendo de se esperar que tenha algo a ganhar com um tratado que busca remunerá-lo pela utilização de sua biodiversidade. A segunda é que, queiramos ou não, o protocolo já conta atualmente com 124 partes, de modo que parece cada vez mais improvável que não sejamos de algum modo afetados por seus efeitos,  mesmo optando pela não ratificação. A terceira é que há decisões importantes que precisarão ser tomadas no âmbito do protocolo, como a relativa à sua abrangência, e ficar de fora desses debates não é estratégico.

É inegável que a implementação do protocolo trará desafios importantes para o Brasil e aqui incluímos setor empresarial, academia, governo e comunidades tradicionais. O seu texto aberto deixou muito a ser resolvido pelas partes em âmbito internacional e por cada país no momento de sua internalização. Mas ficar de fora do jogo, atualmente, parece ter se tornado um mal negócio. No pior cenário, se o acordo se mostrar desinteressante no longo prazo, o país sempre poderá denunciá-lo.

É hora do Protocolo de Nagoia.

Autores

  • é sócio do Nascimento e Mourão Advogados, mestre e doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, professor da Universidade São Judas Tadeu e membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

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