Opinião

STJ reafirma nulidade de prova obtida em devassa no celular de preso em flagrante

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21 de junho de 2020, 16h34

Comuns nos programas policiais e em vídeos no YouTube, abordagens nas quais o policial vasculha, além dos bolsos e documentos do suspeito, também seu smartphone, em busca de chamadas, mensagens ou qualquer outra informação a fim de localizar provas de práticas de crimes e/ou eventuais comparsas podem estar com os dias contados.

Isso porque, assim como qualquer outro dado telemático e de comunicação, é necessária a autorização judicial prévia, específica e fundamentada para a quebra de sigilo, sob pena de afronta ao inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal.

A discussão não é nova, tampouco sem importância, haja vista que o próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a repercussão geral [1] do tema, cujo leading case pende de julgamento.

Enquanto não há definição pelo Supremo, é o STJ que vem decidindo sobre o tema. No último dia 5 de maio, a 6ª Turma [2], por unanimidade, reiterou seu posicionamento de que são ilegais as provas obtidas dessa forma, ou seja, não pode a autoridade policial devassar o telefone celular do suspeito ou do preso em flagrante sem prévia autorização de um juiz competente.

O ministro Relator Rogério Schietti Cruz em absoluta lealdade processual e intelectual, diga-se consignou em seu voto a existência de um precedente do Supremo Tribunal Federal contrário à sua decisão, ponderando contudo que "os fatos narrados nesse writ são de 2004, período em que os telefones celulares sabidamente não eram conectados à internet de banda larga como o são já há algum tempo os chamados smartphones, dotados de aplicativos de comunicação em tempo real , motivo pelo qual o acesso que os policiais teriam àquela época seria necessariamente menos intrusivo que o seria hoje".

Referido argumento baseou-se em decisão inovadora da Suprema Corte americana, a qual anulou condenação criminal em situação similar ao julgar o caso David Leon Riley v. California, invocando a 4ª emenda da Constituição Americana (similar ao nosso artigo 5ª, XII) e interpretando-a considerando as atuais tecnologias: "Telefones celulares modernos não são apenas mais conveniência tecnológica, porque o seu conteúdo revela a intimidade da vida. O fato de a tecnologia agora permitir que um indivíduo transporte essas informações em sua mão não torna a informação menos digna de proteção" [3].

Assim, enquanto o Supremo Tribunal Federal não julga o mérito da Repercussão Geral 977, a jurisprudência da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça parece-nos a mais alinhada à Constituição Federal e às atuais tecnologias disponíveis em nossos smartphones, devendo assim se espera ser a norteadora do tema.

 

[1] Tema 977 – Aferição da licitude da prova produzida durante o inquérito policial relativa ao acesso, sem autorização judicial, a registros e informações contidos em aparelho de telefone celular, relacionados à conduta delitiva e hábeis a identificar o agente do crime.

[2] Recurso em Habeas Corpus nº 90.200, julgado em 05/05/2020, acórdão publicado em 12/06/2020, Relator Min. Rogério Schietti Cruz

[3] No original: "Modern cell phones are not just another technological convenience. With all they contain and all they may reveal, they hold for many Americans 'the privacies of life', Boyd, supra, at 630. The fact that technology now allows an individual to carry such information in his hand does not make the information any less worthy of the protection for which the Founders fought" https://www.supremecourt.gov/opinions/13pdf/13-132_8l9c.pdf acessado em 17/6/2020.

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