O racismo estrutural e a violência policial nos Estados Unidos: análise do caso George Floyd
6 de junho de 2020, 13h12
A violência policial contra negros nos Estados Unidos, infelizmente, não é novidade. O episódio envolvendo George Floyd reacendeu questões complexas como os atos de violência praticados pela polícia norte-americana contra Rodney King, em 1991, na cidade de Los Angeles, quando quatro policiais, três deles brancos, bateram mais de 50 vezes na vítima sem saber que estavam sendo gravados. A absolvição dos agressores gerou revolta a época por todo o país.
Além das questões próprias do Direito Penal, do inaceitável excesso do uso da força pela polícia, a morte de George Floyd asfixiado por membro da força policial de Minneapolis, Derek Chauvin, chamou a atenção para o racismo estrutural existente no país.
Sobre o tema, racismo estrutural ocorre com a formalização de um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais dentro de uma sociedade que frequentemente coloca um grupo social ou étnico em uma posição melhor para ter sucesso e ao mesmo tempo prejudica outros grupos de modo consistente e constante causando disparidades que se desenvolvem entre os grupos ao longo de um período de tempo (Steven D. Soifer, 2014 e Lawrence, 2004).
Para Carl E. James (1996), o racismo social também foi chamado de racismo estrutural porque, pois, a sociedade é estruturada de maneira a excluir um número substancial de minorias da participação em instituições sociais.
O modelo normativo norte-americano, na seara penal, é baseado em fontes (sources), na common law e no Direito legislado. Os crimes dividem-se quanto à pena, e não quanto à intencionalidade. Em relação às penas, os crimes são divididos em felonies, cujas penas são mais graves e podem gerar, por exemplo, pena de morte, e misdemeanors, crimes cujas penas são menos graves.
No sistema norte-americano temos os seguintes elementos identificadores para a configuração (ou não) dos fatos reprováveis: 1) atos e omissões criminosas (wrongful act or omission); 2) em voluntariedade (guilty state of mind); e 3) causalidade (causation of injury).
A grande questão que se coloca é analisar se a conduta do agente policial pode ser enquadrada como murder (crime voluntário) ou manslaughter (homicídio involuntário, mas não necessariamente culposo).
O vídeo e as informações sobre o caso que circulam na rede mundial de computadores chama a atenção para questões que, inicialmente, afastam a culpa (imprudência, negligência ou imperícia) por parte do agente policial, a saber:
1 — Desproporcionalidade do uso da força policial, em que o joelho do agente pressionou o pescoço da vítima;
2 — Possibilidade de usar meios alternativos de imobilização do acusado diante da presença de outros profissionais que poderiam auxiliar na medida.
3 — Atos e omissões criminosas (wrongful act or omission): a asfixia por meio do joelho como ato comissivo e, ao mesmo tempo, a omissão do agente público em relação às súplicas da vítima.
4 — Guilty state of mind: a soma de condições descritas acima demonstra a presença, igualmente, de voluntariedade por parte do agente policial, bem como de seus colegas, que, devendo agir para evitar danos maiores a vítima, nada fizeram.
5 — Causalidade (causation of injury): há nexo de causalidade entre os atos praticados e o resultado, a morte.
A respeito da inaplicabilidade, ao caso concreto, do chamado manslaughter , não se tratou de conduta praticada no "calor da paixão" (in the heat of passion) e, sim, durante o cumprimento regular das funções policiais do agente, momento no qual esse deveria ter cumprido os protocolos de segurança ao qual é submetido desde o momento que entra na academia de polícia.
Não se tratou, tampouco, de reação à súbita provocação (sudden provocation) da vítima, pois, os fatos provocativos devem se dar concomitantemente ao crime, o que não ocorreu. A narrativa dos fatos mostra que o agente policial, Derek Chauvin, após efetivar a mobilização, manteve o joelho em cima do pescoço de George Floyd por cerca de oito minutos, ato manifestamente desproporcional.
Em face desse cenário, que o presente caso, após o respeito a todas as garantias do então acusado e fases do processo, sirva como paradigma inicial para a mudança de mentalidade em relação a violência policial contra pessoas negras.
TODAS AS VIDAS IMPORTAM.
Referências bibliográficas
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Penal nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10179. Acesso em: 31 maio 2020.
JAMES, Carl E. (8 de fevereiro de 1996). Perspectives on Racism and the Human Services Sector: A Case for Change 2nd Revised ed. [S.l.]: University of Toronto Press. p. 27.
LAWRENCE, Keith; Keleher, Terry (2004). "Chronic Disparity: Strong and Pervasive Evidence of Racial Inequalities" (PDF). Poverty Outcomes. 24 páginas. Consultado em 28 de novembro de 2018.
STEVEN, D. Soifer; Joseph B. McNeely; Cathy L. Costa; Nancy Pickering-Bernheim (11 de dezembro de 2014). Community Economic Development in Social Work. [S.l.]: Columbia University Press. pp. 451–452. ISBN 978-0-231-50857-5
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