Opinião

O racismo estrutural e a violência policial nos Estados Unidos: análise do caso George Floyd

Autor

  • Víctor Minervino Quintiere

    é doutor em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Research Fellow na Universitá degli studi Roma TRE na Itália mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) sócio no escritório Bruno Espiñeira Lemos & Quintiere Advogados professor do programa de pós-graduação em Direito Penal do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) professor convidado do programa de pós-graduação da Escola Baiana de Direito em Direito Penal e professor da Faculdade de Ciências Jurídicas (Fajs) do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

6 de junho de 2020, 13h12

A violência policial contra negros nos Estados Unidos, infelizmente, não é novidade. O episódio envolvendo George Floyd reacendeu questões complexas como os atos de violência praticados pela polícia norte-americana contra Rodney King, em 1991, na cidade de Los Angeles, quando quatro policiais, três deles brancos, bateram mais de 50 vezes na vítima sem saber que estavam sendo gravados. A absolvição dos agressores gerou revolta a época por todo o país.

Um segundo episódio que acabou sendo lembrado disse respeito ao caso ocorrido em 2010, na Flórida, consistente na morte de Trayvon Martin, 17 anos, desarmado, por um tiro disparado por um vigia branco, de origem latina, George Zimmerman, o qual igualmente foi absolvido.

Além das questões próprias do Direito Penal, do inaceitável excesso do uso da força pela polícia, a morte de George Floyd asfixiado por membro da força policial de Minneapolis,  Derek Chauvin, chamou a atenção para o racismo estrutural existente no país.

Sobre o tema, racismo estrutural ocorre com a formalização de um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais dentro de uma sociedade que frequentemente coloca um grupo social ou étnico em uma posição melhor para ter sucesso e ao mesmo tempo prejudica outros grupos de modo consistente e constante causando disparidades que se desenvolvem entre os grupos ao longo de um período de tempo (Steven D. Soifer, 2014 e Lawrence, 2004).

Para Carl E. James (1996), o racismo social também foi chamado de racismo estrutural porque, pois, a sociedade é estruturada de maneira a excluir um número substancial de minorias da participação em instituições sociais.

O modelo normativo norte-americano, na seara penal, é baseado em fontes (sources), na common law e no Direito legislado. Os crimes dividem-se quanto à pena, e não quanto à intencionalidade. Em relação às penas, os crimes são divididos em felonies, cujas penas são mais graves e podem gerar, por exemplo, pena de morte, e misdemeanors, crimes cujas penas são menos graves.

No sistema norte-americano temos os seguintes elementos identificadores para a configuração (ou não) dos fatos reprováveis: 1) atos e omissões criminosas (wrongful act or omission); 2) em voluntariedade (guilty state of mind); e 3) causalidade (causation of injury).

A grande questão que se coloca é analisar se a conduta do agente policial pode ser enquadrada como murder (crime voluntário) ou manslaughter (homicídio involuntário, mas não necessariamente culposo).

O vídeo e as informações sobre o caso que circulam na rede mundial de computadores chama a atenção para questões que, inicialmente, afastam a culpa (imprudência, negligência ou imperícia) por parte do agente policial, a saber:

1 — Desproporcionalidade do uso da força policial, em que o joelho do agente pressionou o pescoço da vítima;

2 — Possibilidade de usar meios alternativos de imobilização do acusado diante da presença de outros profissionais que poderiam auxiliar na medida.

3 — Atos e omissões criminosas (wrongful act or omission): a asfixia por meio do joelho como ato comissivo e, ao mesmo tempo, a omissão do agente público em relação às súplicas da vítima.

4 — Guilty state of mind: a soma de condições descritas acima demonstra a presença, igualmente, de voluntariedade por parte do agente policial, bem como de seus colegas, que, devendo agir para evitar danos maiores a vítima, nada fizeram.

5 — Causalidade (causation of injury): há nexo de causalidade entre os atos praticados e o resultado, a morte.

A respeito da inaplicabilidade, ao caso concreto, do chamado manslaughter , não se tratou de conduta praticada no "calor da paixão" (in the heat of passion) e, sim, durante o cumprimento regular das funções policiais do agente, momento no qual esse deveria ter cumprido os protocolos de segurança ao qual é submetido desde o momento que entra na academia de polícia.

Não se tratou, tampouco, de reação à súbita provocação (sudden provocation) da vítima, pois, os fatos provocativos devem se dar concomitantemente ao crime, o que não ocorreu.  A narrativa dos fatos mostra que o agente policial, Derek Chauvin, após efetivar a mobilização, manteve o joelho em cima do pescoço de George Floyd por cerca de oito minutos, ato manifestamente desproporcional.

Em face desse cenário, que o presente caso, após o respeito a todas as garantias do então acusado e fases do processo, sirva como paradigma inicial para a mudança de mentalidade em relação a violência policial contra pessoas negras.

TODAS AS VIDAS IMPORTAM.

Referências bibliográficas

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Penal nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10179. Acesso em: 31 maio 2020.

JAMES, Carl E. (8 de fevereiro de 1996). Perspectives on Racism and the Human Services Sector: A Case for Change 2nd Revised ed. [S.l.]: University of Toronto Press. p. 27.

LAWRENCE, Keith; Keleher, Terry (2004). "Chronic Disparity: Strong and Pervasive Evidence of Racial Inequalities" (PDF). Poverty Outcomes. 24 páginas. Consultado em 28 de novembro de 2018.

STEVEN, D. Soifer; Joseph B. McNeely; Cathy L. Costa; Nancy Pickering-Bernheim (11 de dezembro de 2014). Community Economic Development in Social Work. [S.l.]: Columbia University Press. pp. 451–452. ISBN 978-0-231-50857-5

Autores

  • é advogado criminalista, professor de Direito Penal no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), professor na Escola Superior da Advocacia do Distrito Federal (ESA-DF), vice-Presidente da Comissão de Acompanhamento das Reformas Criminais da OAB-DF, membro efetivo do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (IADF), doutorando e mestre em Direito pelo IDP.

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