Opinião

Os reflexos da fiança como garantia fidejussória nos negócios jurídicos

Autores

  • Alberto Malta

    é sócio-fundador do escritório Malta Advogados professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal mestre em Direito Estado e Constituição com ênfase em Direito Imobiliário Registral pela UnB pós-graduado do programa de Master in Business Administration em Gestão de Negócios de Incorporação Imobiliária e Construção Civil pela Fundação Getulio Vargas (MBA/FGV) pós-graduado em Direito Imobiliário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e árbitro da Câmara Brasileira de Arbitragem na Administração Pública (Cambraap).

  • Júlia Scartezini

    é sócia do escritório Malta Advogados membro da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal aluna especial do programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB) coordenadora do blog "Imobiliário em Foco" e membro do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal" sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto.

5 de junho de 2020, 6h35

Ao celebrar um negócio jurídico, as partes comumente preveem garantias no instrumento particular, objetivando maximizar a segurança de que a obrigação pactuada será adimplida. As garantias podem ser classificadas, em um primeiro momento, como reais ou fidejussórias.

As garantias reais são aquelas nas quais é oferecido um bem determinado, móvel ou imóvel, ou o seu rendimento, como garantia pela satisfação da obrigação. É o caso do penhor, da hipoteca e da anticrese, hipóteses nas quais o ônus é estabelecido sobre a coisa.

As garantias reais, por sua vez, são aquelas nas quais um terceiro estranho à relação contratual se compromete com o pagamento, caso o devedor originário não cumpra a obrigação pactuada. É o caso da fiança, objeto deste artigo.

A fiança é uma garantia fidejussória ampla, que deve ser consagrada por escrito e pode ser aplicada às espécies obrigacionais de qualquer natureza. Nesses contratos, o beneficiário é o credor e não o devedor, de modo que a fiança pode ser consolidada até mesmo contra a vontade do devedor, que não poderá recusá-la.

Costumeiramente, a fiança ocorre em obrigações atuais, mas não há óbice que obrigações futuras também sejam objeto da garantia fidejussória, desde que estas se façam líquidas e certas no futuro. Caso isso não se concretize, o fiador não poderá ser demandado. Ademais, caso não exista previsão de limitação à fiança, essa compreenderá além da obrigação principal, todos os seus acessórios, inclusive as despesas judiciais.

Além disso, premente pontuar que a fiança não existe por si só e sempre está vinculada a uma obrigação principal. Neste passo, a eficácia da fiança está condicionada à validade da obrigação principal. Portanto, se a obrigação principal padece de nulidade, independentemente do motivo, em regra, a fiança será igualmente nula.

Ainda, a garantia pode não abranger a totalidade da dívida principal, assim como ser contraída com condições menos onerosas. Contudo, não pode ultrapassá-la, mas, se isso ocorrer, não acarretará a nulidade da fiança, a qual será limitada à dívida.

Não é raro o inadimplemento da obrigação pelo devedor. Neste contexto, questiona-se: quais são os reflexos disso para o fiador? Os impactos do inadimplemento são observados sobre dois aspectos principais. O primeiro desses concerne à relação entre o fiador e o credor. Já o segundo refere-se à relação entre o fiador e o devedor.

Quando ocorre o inadimplemento pelo devedor originário, o credor da relação obrigacional poderá exigir do fiador o pagamento total ou parcial, a depender da existência de eventual previsão contratual nesse sentido da dívida garantida.

Ocorre que, quando demandado, o fiador possui o benefício de ordem. Isso significa que ele poderá exigir, até o momento da contestação da lide, que sejam executados, primeiramente, os bens que sejam de titularidade do devedor afiançado. Para isso, basta que o fiador indique, em tempo, bens do devedor que estejam situados no mesmo município, livres e desembargados, suficientes para satisfazer o débito.

Contudo, se, no contrato de fiança, o garantidor houver renunciado expressamente ao benefício de ordem ou se obrigado como principal pagador ou devedor solidário, ele não fará jus ao benefício de ordem. Do mesmo modo, o fiador também não aproveitará o benefício se o devedor for insolvente ou falido.

Ademais, na hipótese de cofiadores — mais de um fiador assegurando o cumprimento obrigacional —, presumir-se-á a solidariedade entre esses, em relação ao credor, por força do artigo 829 do Código Civil. Nesses casos, há ressalva de que o fiador que adimplir a totalidade da dívida poderá demandar dos demais cofiadores pro parte. E, caso um dos cofiadores seja insolvente, a sua cota deve ser partilhada entre os demais.

Todavia, caso haja previsão contratual estipulando a cota parte equivalente a cada um dos cofiadores, cada um desses apenas responderá pela parte que, proporcionalmente, lhe couber o pagamento. Nesses casos, realizado o pagamento da sua cota fixada contratualmente, aquele fiador fica exonerado da obrigação, deixando os demais responsáveis, cada um para com a sua cota.

Quanto à relação entre o fiador e o devedor, por sua vez, o principal ponto a ser evidenciado concerne ao direito de regresso. Isso porque, como explanado, a fiança é um contrato benéfico ao credor e, por isso, não implica em doação ao devedor.

Desse modo, o fiador que paga a dívida do devedor sub-roga-se como titular do crédito e, por isso, passa a ter direito a exigir do devedor a restituição dos valores que despendeu. Não obstante, o devedor também responde pelas perdas e danos que o fiador eventualmente pague, bem como pelos prejuízos que este eventualmente sofrer. Para que ocorra a sub-rogação, contudo, o fiador deverá pagar a integralidade do débito, já que não pode concorrer com o credor na busca da satisfação do crédito contra o devedor afiançado.

Entretanto, o direito de regresso também não se perfectibiliza nas hipóteses em que, por omissão do fiador, o afiançado não for intimado do pagamento e pagar novamente o mesmo débito. A situação se reproduz na hipótese de fiança prestada com o ânimo de doar, assim como nos casos em que o fiador houver pago valor maior do que o devido. Por fim, também inexiste direito de regresso na hipótese em que o fiador adimple a obrigação, sem ser demandado, e omite a informação do devedor afiançado.

Já a extinção da fiança, último dos assuntos tratados, pode decorrer de algumas causas principais. A primeira concerne à desoneração do fiador por manifestação de vontade, pois, na fiança sem limitação de tempo, o fiador pode exonerar-se da obrigação quando for conveniente, sendo que permanecerá obrigado pelos efeitos da fiança apenas durante os 60 dias que sucederem a efetiva notificação do credor.

Outra hipótese de extinção da fiança decorre do credor que agrava a situação do fiador, sem que esse consinta. A título exemplificativo, cita-se o caso de prorrogação do prazo de vencimento da obrigação, que poderá acarretar na dilapidação patrimonial futura do devedor, a hipótese de impossibilidade de sub-rogação por fato do credor, e, por fim, o recebimento de dação em pagamento.

Por derradeiro, a última causa principal de extinção da fiança é oriunda da oposição de exceções pessoais — novação, remissão, compensação, confusão e transação — e de causas extintivas da obrigação que sejam relativas ao devedor principal. Nesse sentido, importa destacar que a morte do fiador não é causa extintiva da fiança, haja vista que a obrigação que o devedor possuía até a data de sua morte é transmitida aos herdeiros, desde que a responsabilidade da fiança não ultrapasse as forças da herança.

Portanto, conclui-se que a fiança é uma garantia fidejussória muito utilizada nos negócios jurídicos pactuados. Contudo, o instituto possui diversos regramentos basilares, entre requisitos e escusas, cujo conhecimento é imprescindível para que seja possível analisar pormenorizadamente os reflexos da garantia em cada caso, sob a ótica do credor, do devedor e do fiador e maximizar a segurança conferida ao negócio jurídico.

Autores

  • é sócio-fundador do escritório Malta Advogados, professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) e secretário-geral da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB.

  • é estagiária no escritório Malta Advogados, bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e membro do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal", sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto.

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