Opinião

Adiamento das eleições e a importância da prestação de contas

Autor

  • Ricardo Stella

    é advogado palestrante e conferencista com experiência em Direito Eleitoral e Partidário com foco em prestação de contas. Possui MBA em Gestão Pública e é pós-graduando em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral na Escola Paulista Judiciaria Eleitoral em parceria com a Escola Paulista da Magistratura.

16 de julho de 2020, 18h12

De acordo com o último levantamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no Brasil somos cerca de 147 milhões de eleitores que, em apenas um dia, precisam votar para escolher os próximos prefeitos e vereadores de nossas cidades. Apesar do número espantoso — maior, por exemplo, que a população inteira da Espanha e França juntas —, as eleições por aqui sempre foram invejáveis, com urnas, fiscais e resultados rápidos.

Tudo isso, no entanto, só é possível com preparação prévia, o que, infelizmente e por razões compreensíveis — coronavírus —, não vinha sendo feito. Além disso, como bem alertou o presidente do TSE, minstro Luis Barroso, a curva da pandemia deve estar decrescente apenas no final de setembro e, portanto, a realização das eleições no início de outubro seria uma total incoerência e irresponsabilidade.

Agora, com o adiamento das datas das eleições para o dia 15 de novembro e 29 de novembro (1º e 2º turnos, respectivamente, nas cidades que possuem essa possibilidade), o Tribunal Superior Eleitoral, através dos Tribunais Eleitorais Regionais, ganha preciosos dias para retomar a organização administrativa e preparação dos procedimentos preparatórios para a realização das eleições municipais de 2020.

Entre os prazos adiados, temos o de afastamento dos apresentadores e comentaristas de programas transmitidos em rádio e televisões (11 de agosto), o prazo de desincompatibilização de 3 meses anteriores à eleição para dia o 15 de agosto, o período de realização das convenções partidárias (31 de agosto a 16 de setembro), de data limite de registro de candidatura (26 de setembro), início da propaganda eleitoral (27 de setembro a 12 de novembro), e também o de apresentação das prestações de contas de campanha (15 de dezembro), tema que iremos abordar agora mais detalhadamente.

A Prestação de Contas de Campanha possui importância fundamental à uma campanha eleitoral, seja ela vitoriosa ou não. A correta prestação de contas valida a vitória obtida nas urnas, como também evita futuros problemas que o candidato que não foi eleito pode ter caso suas contas sejam rejeitadas, julgadas não prestadas ou, pior, se verifique a ocorrência de algum crime.

Fazendo um breve histórico sobre as prestações de contas eleitorais, podemos dizer que os anos 1990 a apresentação de contas eleitorais mais se parecia com um grande "faz de contas", sem ter qualquer protagonismo no processo eleitoral, muito distante da importância atual.

Inúmeras vezes era prática comum que ao final de uma eleição, vitoriosa ou derrotada, um Contador se sentasse com o candidato e lhe perguntasse: o que vamos declarar? O que colocar na prestação de contas da campanha? Então, com uma grande quantidade de papeis sobre a mesa, se decidia: isso vai, isso não, isso é legal aparecer, isso não tem importância, e assim por diante. Lançava-se aquilo que melhor parecia ao candidato e ao Partido Político.

Com o passar das eleições, o legislador começou a olhar de forma diferente para a prestação de contas, começou a entender que ela deveria ter alguma importância para a sociedade, especialmente, acompanhar como os seus candidatos arrecadavam e gastavam seus recursos na campanha eleitoral, e quem eram os seus doadores.

Porém, com a maior fiscalização em torno dos mandatários e os postulantes ao cargo eletivo, em especial com o advento da Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, o legislador e a Justiça Eleitoral passaram a dedicar um olhar mais aprofundado também para a prestação de contas eleitoral, exigindo dos candidatos e partidos políticos maiores detalhes nos lançamentos das contas eleitorais, iniciando-se um movimento em que o legislador começou a apresentar regras mais duras, no sentido de se exigir maior transparência, de se proibir diversas condutas, alterando completamente a forma de apresentar a prestação de contas eleitorais, elevando a importância de sua apuração, o que acabou por lhe incorporar um status de obrigação acessória, que por sua própria natureza seguia o principal, a candidatura, elevando a prestação de contas ao patamar de algo eficaz, considerando-a como sinônimo de probidade, de lisura e de transparência na campanha eleitoral.

Mas, enfim, o que é "prestação de contas eleitoral"?

Para responder esta pergunta de forma mais acadêmica se faz necessário conceituar a prestação de contas eleitorais como sendo a obrigação legal que todos os candidatos e partidos políticos possuem, de apresentar relatórios de receitas (doações em dinheiro e estimáveis em dinheiro) e despesas eleitorais, à Justiça Eleitoral, ainda que o seu registro de candidatura tenha sido impugnado, indeferido ou que o candidato tenha desistido da candidatura ou, falecido durante a campanha ou depois dela.

Assim, a prestação de contas para além de uma obrigação legal é, ainda, fundamental para as questões de transparência pública, pois é a única forma de se apurar contabilmente as receitas e despesas que efetuou o partido, o candidato ou terceiros para eleição de um mandatário, seja ele candidato a cargo majoritário (prefeito e vice-prefeito) ou para ou para um cargo proporcional (vereador), na esfera local, regional ou nacional.

A Resolução nº 23.607/2019 do TSE dispõe sobre a prestação de contas nas Eleições 2020, trazendo todas a normatização, procedimentos e atribuições necessárias aos candidatos e, principalmente aos profissionais que atuarão na elaboração das prestações de contas. É exatamente sobre isso que trato no recém-lançado "Manual de Prestação de Contas nas Eleições 2020: Comentários à Resolução TSE Nº 23.607/2019 — Uma Visão Prática para as Eleições de 2020", da editora Imperium.

Na obra trato da obrigatoriedade da presença do Contador responsável bem como do Advogado que, com sua capacidade postulatória, levará ao Juiz Eleitoral o processo de prestação de contas via Sistema PJE – Processo Judicial Eletrônico.

Mostro que a prestação de contas hoje é judicializada, segue um rito processual, desde sua protocolização via sistema PJE — Processo Judicial Eletrônico até seu julgamento pela Justiça Eleitoral, além de prever as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa – trazidos de forma expressa pela Resolução 23.607/2019.

É cediço que o Brasil vive um momento diferenciado em sua história, decorrente de todos os acontecimentos recentes na política nacional com a inclusão de operações policiais e prisões de influentes agentes públicos e políticos. Deste modo, o legislador eleitoral, tomado pelo sentimento de impunidade reverberado pela sociedade, endurece cada vez mais a fiscalização das campanhas eleitorais e a forma com que estas movimentam seus recursos, tanto aqueles recebidos em doação, quanto aqueles que se referem aos gastos eleitorais.

Diante desta constatação, a cada eleição se torna necessária a profissionalização das campanhas eleitorais, com a consequente contratação de assessoria contábil e jurídica especializadas para mitigar os problemas decorrentes de equívocos corriqueiros na campanha eleitoral, que em última análise acabam por retirar do candidato a possibilidade de assumir o seu mandato ou, de perdê-lo, caso a sua atuação seja contrária às normas postas que disciplinam a matéria.

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  • é advogado, palestrante e conferencista com experiência em Direito Eleitoral e Partidário, com foco em prestação de contas. Possui MBA em Gestão Pública e é pós-graduando em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral na Escola Paulista Judiciaria Eleitoral, em parceria com a Escola Paulista da Magistratura.

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