Segunda leitura

Fusion center, um passo decisivo no avanço da segurança pública

Autores

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

  • Wagner Mesquita de Oliveira

    é delegado de Polícia Federal ex-secretário estadual da Segurança Pública do Paraná e coordenador geral de Combate ao Crime Organizado no Ministério da Justiça.

5 de janeiro de 2020, 10h22

Spacca
As Organizações Criminosas tiveram acentuado desenvolvimento nos últimos anos, valendo-se do processo de globalização e da utilização de recursos logísticos modernos, meios de comunicação protegidos e articulação rápida, somados à ineficácia do Estado no seu combate, principalmente em nível preventivo e estratégico. Tais fatos chegaram a dar-lhes um papel preponderante, por vezes sobrepondo-se à própria força estatal.

No Brasil a segurança pública é atribuição dos três entes federativos (União, Estados e Municípios), disto resultando a existência de dezenas de órgãos policiais, além das forças militares e outros órgãos federais e estaduais estratégicos envolvidos (v. g., Receita Federal).

A partilha de poder não é privilégio do Brasil, sendo mais acentuada nos estados federais, como a Argentina. Neste particular, a experiência internacional tem mostrado que a forma mais eficaz de promover a coleta, análise e divulgação de informações relevantes, o compartilhamento de meios de investigação e a coordenação de ações e operações entre várias instituições de segurança é a adoção de unidades de operações integradas. Trata-se dos Centros Integrados de Operações de Fronteira, mais conhecidos como fusion centers.

Nestes órgãos de integração, utilizando ferramentas tecnológicas e ambiente adequado, oficiais de ligação de diferentes órgãos e instituições, através de rotinas previamente estabelecidas e obedecendo protocolos de trabalho específicos, analisam e produzem conhecimento no interesse coletivo e de cada uma das agências participantes.

Nos EUA são nada menos do que 78, valendo citar, como exemplo de sucesso, o “EPIC – El Paso Intelligence Center”, administrado pela agência federal antidrogas norte-americana (DEA – Drug Enforcement Administration). O EPIC congrega oficiais de ligação de 24 instituições e de diversos países, gerando ações operacionais, estratégicas, preventivas e repressivas em relação ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, assim como presta cooperação direta a investigações e levantamentos de órgãos policiais no EUA e outros países interligados, mediante protocolos de comunicação e rotinas de difusão. A constituição e o funcionamento destes órgãos são normatizados pelo Departamento de Justiça do Governo Federal, através do DHS – US Department of Homeland Security.1

No caso dos fusion centers, os usuários são órgãos policiais e de aplicação da lei de quaisquer esferas de governo, organismos internacionais, órgãos de fiscalização e controle. Sua atividade segue protocolos estabelecidos interagências, visando à consecução do fim especifico mediante Acordos de Cooperação Técnica.

Este conjunto de forças presta apoio a quaisquer investigações e procedimentos investigatórios legítimos, compartilha ferramentas técnicas (laboratórios de TI, ferramentas cibernéticas, lavagem de dinheiro, etc) e está diretamente voltado a operações de prevenção e repressão ao crime organizado, muitas vezes ligado a Centros de Comando e Controle de Operações Regionais ou a Forças Tarefa de matérias específicas.

Para a implantação do primeiro fusion center de Segurança Pública no Brasil, foi escolhido o município de Foz do Iguaçu, PR. Afinal, sabidamente, “a fragilidade da segurança nas fronteiras, que permite a entrada de armas e drogas, também facilitou o crescimento das facções criminosas.” 2 Esta é uma antiga queixa dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Explicitando as razões da escolha de Foz do Iguaçu:

  • Posicionamento geográfico adequado para ações de repressão – tanto investigações quanto operações ostensivas – ao crime organizado atuante diretamente nos Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, com reflexos diretos nos grandes centros consumidores no RJ, SP, MG, RS e outros.

  • Facilidade de atuação conjunta com autoridades de países estrategicamente importantes para o combate ao crime organizado, sejam produtores de entorpecentes ou países de passagem para entrada de armas e outros produtos ilícitos no Brasil, como o Paraguai e Bolívia, já havendo base legal entre instituições policiais do Mercosul, ou seja, o Acordo do COMANDO TRIPARTITE da Tríplice Fronteira, criado há 23 anos.

  • Interesse nacional na região (polícias estaduais civis e militares, polícias federais, Forças Armadas, órgãos de controle e fiscalização estaduais e federais) e internacional (países de fronteira, agências de segurança internacional, adidos policiais, oficiais de ligação, etc.) em possuir recursos operacionais disponíveis e acesso a informações compartilhadas para alimentar investigações e orientar ações operacionais.

  • Praxe instituída e já consolidada de colaboração institucional permanente entre os órgãos de segurança pública na região de Foz do Iguaçu, em ações integradas informais, modo de trabalho que já resultou na drástica redução da criminalidade.

  • Todavia, ainda existem obstáculos. Sintetizando, é possível afirmar que quatro fatores negativos impactam a atuação das polícias e agências de fiscalização, principalmente as instituições estaduais, cujo volume de trabalho é enorme e a estrutura carente em relação ao combate ao crime organizado:
  • A incapacidade de aprofundamento nas investigações sobre tráfico de drogas e armas, posto que os limites territoriais de atuação impedem ou dificultam o desenvolvimento dos trabalhos, mantendo a rapidez e o sigilo necessários. Polícias estaduais não possuem “braços institucionais” treinados, eficientes e confiáveis para efetuar diligências que permitam ascender as investigações dentro da pirâmide da ORCRIM, principalmente em região de fronteira, onde via de regra seriam identificados distribuidores, operadores de logística e/ou grandes fornecedores de drogas e armas.

  • A deficiência de recursos tecnológicos e efetivo treinado nas unidades policiais estaduais especializadas, que permitam o aprofundamento e a gestão adequada de investigações face ao crime organizado, tais como softwares de análise criminal, aparelhos extratores de dados e informações, ferramentas de operações cibernéticas e de TI em comunicações. É necessário oferecer às polícias estaduais o acesso a ferramentas modernas e padronizadas que possibilitem, por exemplo, pesquisas em fontes abertas e redes sociais com apoio internacional, acordos bilaterais visando ao rastreio de armas e munições importadas, bem como a coleta adequada e confronto de vestígios genéticos, entre outras medidas de fomento à investigação criminal, de maneira simplificada, única, objetiva.

  • A falta de ferramentas e de treinamento de investigadores estaduais acerca da necessidade de descapitalização das organizações criminosas, identificando e vinculando patrimônio, pessoas físicas ou pessoas jurídicas que lastreiam a atividade das ORCRIM, eventuais movimentações financeiras em nome de terceiros ou fora do sistema oficial, remessas de valores dentro ou fora do território nacional, identificação e retorno de patrimônio oculto no país ou no exterior.

  • Dezenas de agências de segurança pública federais e estaduais, incluindo as Forças Armadas, efetuam operações ostensivas na área da Tríplice Fronteira, (ex.: Op. Fronteira Blindada, Op. Ágata, etc.) com emprego de grande efetivo e verbas públicas em larga escala, sem a utilização de uma ferramenta de Comando e Controle para gestão operacional de meios e resultados. Não há ferramentas de imageamento digital, geoposicionamento de tropas e acompanhamento de objetivos, consulta de imagens e sensores, nem sequer padrão estabelecido nos sistemas de radiocomunicação entre as instituições que operam ostensivamente na região, por terra, água ou ar. Essa deficiência compromete o resultado das operações integradas sujeitas a planejamento e implica em risco iminente ante a ocorrência de qualquer evento crítico e urgente na região em que haja necessidade de atuação operacional integrada.

Adequando o modelo fusion center e suas capacidades à crescente demanda na região e às deficiências da estrutura de segurança pública nacional, seriam objetivos básicos e princípios fundamentais dos trabalhos no referido Centro Integrado: a) o foco no compartilhamento de informações e de ações entre agências, e consequente aumento da capilaridade e da capacidade investigativa para os órgãos de persecução criminal e fiscalização; b) comando e controle das operações ostensivas e encobertas executadas por órgãos e instituições, integradas ou não, no território de fronteira; c) produção e difusão de conhecimento em nível nacional e internacional com foco direto em ações de prevenção e repressão ao crime organizado.

Esta nova forma de tratamento da região de fronteira traria como consequências importantes a padronização de procedimentos, devido ao uso de ferramentas unificadas porém compartilhadas por várias instituições, treinamento e qualificação constantes para operadores das investigações, ferramentas tecnológicas de ponta, dados cibernéticos, lavagem de dinheiro, etc. e a possibilidade de produzir excelentes índices de produtividade e eficiência. Em suma, uma política de segurança pública difusa, porém coordenada.

Como se vê, a implantação do primeiro fusion center no país constituirá um marco importante tanto para as instituições de segurança pública que operam na região da tríplice fronteira (Polícia Federal, PRF, unidades de Polícia Militar de policiamento de fronteiras, delegacias especializadas no combate ao tráfico de drogas, armas e crime organizado), quanto para uma maior efetividade da Justiça Criminal.


1 Disponível em: https://it.ojp.gov/documents/d/fusion_center_guidelines.pdf. Acesso em 3/1/2020.

2 Vulnerabilidade nas fronteiras abre caminho para tráfico de arma e droga. Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2017/01/vulnerabilidade-nas-fronteiras-abre-caminho-para-trafico-de-arma-e-droga.html. Acesso em 3/1/2020.

Autores

  • é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

  • é delegado de Polícia Federal, ex-secretário estadual da Segurança Pública do Paraná e coordenador geral de Combate ao Crime Organizado no Ministério da Justiça.

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