Opinião

A venda da Oi sob uma ótica concorrencial — a teoria da failing firm

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22 de dezembro de 2020, 9h17

Em 8 de agosto de 2020, a Assembleia Geral de Credores da recuperação judicial da Oi aprovou um modificativo ao plano de recuperação judicial, que previu um novo modelo estratégico da tele e a possibilidade de venda de ativos em Unidades Produtivas Isoladas (UPIs) por meio de leilão, dentre elas a UPI Ativos Móveis, composta por bens atrelados à operação de telefonia móvel.

O modificativo ao plano prevê que a venda da operação móvel por meio de processo competitivo representa a maximização do valor do ativo, com consequente alívio relativo ao curto ciclo de investimento e capex para 5G.

Nos termos da Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei 11.101/2005), a venda de UPIs por meio competitivo garante ao adquirente que não haverá sucessão das dívidas da empresa em recuperação judicial, inclusive de natureza tributária e trabalhista, o que torna a transação atrativa e segura.

Em setembro deste ano, o consórcio formado por Telefônica, Tim e Claro apresentou proposta vinculante no valor de R$ 16.563.000,00 para a aquisição da UPI Ativos Móveis. Nos termos do modificativo do plano de recuperação judicial e do edital de leilão, o consórcio tinha direito ao right to top, ou seja, de cobrir eventual oferta superior de concorrente ao valor já proposto.

Na audiência de leilão realizada em 14 de dezembro de 2020, diante da ausência de outros interessados, foi homologada a proposta vinculante feita pelo consórcio, ressalvando-se que a operação está condicionada à aprovação do Cade e anuência da Anatel.

Nesse contexto, a venda da operação móvel da Oi para o referido consórcio tem gerado questionamentos de natureza concorrencial. Alguns defendem que tal venda deve ser examinada com extrema cautela em vista da concentração que geraria no segmento de telefonia móvel, com a redução de quatro para três players nacionais.

A concentração e/ou a redução de players são elementos relevantes de uma análise concorrencial, mas não os únicos. A autoridade antitruste leva em conta vários fatores que constroem aquele cenário de concentração, às vezes, valendo-se de análises retrospectivas e perspectivas. Fatores relativos à probabilidade de exercício de poder de mercado, à possibilidade de entrada e rivalidade, além de eventuais argumentos de eficiências são considerados.

O fato de a Oi ser uma empresa em recuperação judicial (desde 2016), situação excepcional exatamente para se reorganizar de sua dívida de mais de R$ 64 bilhões, traz um elemento adicional bastante relevante para a análise concorrencial. A (iminência da) insolvência de uma firma como esteio de uma defesa técnica concorrencial a favor da aprovação da operação, apesar da concentração envolvida, é chamada de teoria da failing firm (teoria da empresa insolvente).

Essa teoria, originária dos EUA e reconhecida (mas pouco usada) por autoridades concorrenciais ao redor do mundo, inclusive o Cade, prevê o cumprimento de determinados requisitos para que a aquisição de ativos de uma empresa "insolvente" (podendo-se incluir, nesse conceito, empresas em recuperação judicial, como a Oi) seja aprovada apesar da concentração decorrente.

Dentre os requisitos para a aplicação da teoria, nos termos do Guia para Análise de Atos de Concentração Horizontal do Cade (em linha com as principais jurisdições internacionais, incluindo EUA e Europa), citam-se: 1) caso reprovada a operação, a empresa sairia do mercado ou não poderia cumprir suas obrigações financeiras; 2) os ativos da empresa não permaneceriam no mercado (gerando redução da oferta); e 3) a empresa empreendeu esforços na busca de alternativas com menor dano à concorrência (por exemplo, buscando compradores alternativos). Usualmente, a aplicação é vista como uma circunstância extrema e excepcional a ser sopesada no caso concreto.

Em termos simples, entre os males à concorrência — 1) a falência de uma empresa com a saída dos ativos do mercado, e 2) a concentração mais elevada — a autoridade escolhe a segunda alternativa. Essa escolha não exclui, todavia, possíveis compromissos impostos às partes no sentido de mitigar os possíveis efeitos decorrentes da nova composição do mercado, por exemplo, por meio de obrigações de compartilhamento de rede com futuros interessados ou players de nichos.

No caso da Oi, a própria companhia justificou a modificação de sua estratégia comercial nos desafios que enfrentou ao longo da sua recuperação judicial, como timing para aprovações regulatórias (PGMU 4 e PL 79), o declínio acelerado das atividades legado (cobre e DTH), a desvalorização expressiva do câmbio, a demora no resgate dos depósitos judiciais e o impacto do cenário econômico na venda dos ativos non-core. Assim, na ausência de compradores alternativos ao consórcio da Telefônica, Claro e Tim, e caso o cenário de não venda signifique realmente a potencial saída de seus ativos do mercado e consequente redução de oferta, a pretendida venda pode ser analisada e aprovada com base (ainda que parcialmente) na teoria da failing firm. Questiona-se, de toda forma, a verdadeira capacidade de um player em grave dificuldade financeira exercer qualquer rivalidade efetiva. Recentemente, nos EUA, as dificuldades financeiras da quarta maior operadora de telefonia móvel (Sprint) e sua questionável capacidade de competir efetivamente foram relevantes na consideração — e aprovação final — de sua aquisição pelo terceiro maior player (T-Mobile).

A consolidação no setor de telefonia móvel insere-se no contexto dos desafios de crescimento orgânico, diante das dificuldades das operadoras na aquisição de novos clientes e das altas taxas de investimento. Do ponto de vista concorrencial, atenção deve ser dada aos elementos que são considerados pela autoridade concorrencial em situações excepcionais, e que vão além da análise tradicional de concentrações, como é o caso da teoria da failing firm. Eventuais medidas e decisões excepcionais também devem ter em vista o bem-estar do consumidor e as oportunidades de oferta para o mercado como um todo.

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