Estúdio ConJur

Como reduzir custos com os processos judiciais

Autor

  • Zênia Cernov

    é advogada nas áreas trabalhista e administrativa. Autora dos livros "Estatuto da OAB Regulamento Geral e Código de Ética interpretados artigo por artigo" (LTr 1ª Ed./2016 e 2ªEd./2021) "Honorários Advocatícios" (LTr/2019) "Greve de Servidores Públicos" (LTr/2011) e "Marketing Jurídico e a nova publicidade na Advocacia: Comentários ao Provimento n° 205/2021" (Temática/2021). Membro da Academia Rondoniense de Letras Ciências e Artes. Coordenadora da Revista da Advocacia de Rondônia.

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21 de dezembro de 2020, 9h17

1) Introdução
O Brasil possui um Poder Judiciário duplamente oneroso, para se manter e para ser acionado. Em pesquisa da Revista Superinteressante [1], constatou-se que o país possui 16,2 mil juízes com salários de cerca de R$ 46 mil/mês, ou seja, 1,3% do PIB. Tais despesas correspondem a quatro vezes os gastos com do Poder Judiciário na Alemanha (0,32%), a oito no Chile (0,22%) e a dez na Argentina (0,13%). Acrescenta a pesquisa que o Brasil está em 30º lugar entre os países com o Poder Judiciário mais lento do mundo.

Divulgação
Sobre o seu acionamento, o regime de custas caracteriza-se no Brasil por ser desigual e acentuado. Desde 2010, o CNJ busca uniformizar esses regimentos. Em pesquisa do então conselheiro do CNJ Jefferson Kravchychyn [2], foram achados problemas graves, como o desiquilíbrio nos critérios de cobrança das custas, a falta de clareza nos elementos de construção das tabelas, a distorção entre os valores praticados na primeira e segunda instâncias e, principalmente, a grande discrepância dos valores cobrados nas diversas unidades federativas. A propósito, o relatório do procedimento de controle administrativo revela que

Situações paradoxais e preocupantes foram reveladas quando observadas no cotejo entre os valores de custas processuais e os indicadores socioeconômicos relevantes como o IDH, PIB per capita e percentual de pobres. Aqui se notou que as unidades da federação mais ricas e desenvolvidas praticam valores de custas mais baixos enquanto aquelas com menor riqueza impõem custas e taxas mais altas.

Além das custas pagas ao Judiciário, as alterações do Código de Processo Civil de 2015 fixaram os honorários de sucumbência em favor da classe advocatícia, contribuindo igualmente para o aludido encarecimento, e com o agravante de que esses honorários acumulam-se nas fases de conhecimento, recursal e cumprimento de sentença. Sejamos francos, a despeito de a verba vir em nosso auxílio, precisamos não esquecer da perspectiva do sucumbente.

2) Alguns cuidados que podem contribuir para a redução de custos

2.1) Desjudicializar
Judicializamos em demasia. Se há conflito, apresenta-se de imediato o protocolo de demanda judicial. O Direito nos condiciona a litigar, visto que um dos primeiros ensinos nos núcleos de prática jurídica é a petição inicial. Raras instituições da área investem no ensino dos métodos de solução extrajudicial. Entretanto, o Código de Ética e Disciplina é bastante claro ao dispor, em seu artigo 48, § 5º, que "é vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial". Com essa garantia, uma vez constituído e tendo firmado seu contrato de honorários, o advogado poderia buscar, como primeira providência, a conciliação. Para tanto, poderia se valer das seguintes providências:

1) Jurimetria: pesquisa nos órgãos judiciários sobre qual terá sido a jurisprudência majoritária sobre determinada demanda, obtendo-se assim uma estimativa aproximada do possível resultado, bem como dos valores envolvidos. O Brasil já conta com mais de vinte softwares feitos para jurimetria via inteligência artificial. Além do mais, a jurimetria prima por uma análise mais acurada das propostas de acordo e possíveis soluções a serem materializadas; ela é capaz de identificar eventuais mudanças de posturas de magistrados e tribunais.

2) Contato direto: diálogo sem intermediações com a outra parte, seja pessoa física ou jurídica, pessoalmente ou através de seu advogado ou setor jurídico, visando a conciliação. A estratégia pode ser apresentada por uma simples mensagem pessoal, por exemplo, como um convite a uma reunião (videoconferência, por exemplo) através de mensageiro eletrônico ou e-mail. A subscritora deste artigo já obteve êxito em inúmeras demandas judiciais, antes mesmo do protocolo da ação, providenciando as tratativas de uma possível conciliação diretamente com o advogado da parte contrária, obtendo assim o acordo. O diálogo entre os advogados é vantajoso dado o conhecimento jurídico de ambos sobre as possibilidades de resultado da demanda. Além do mais, tais tratativas caracterizam-se pela tecnicidade, nelas não há as variações emotivas que podem, eventualmente, extravasar em prejuízo do possível acordo.

3) Plataformas de negociação desenvolvidas por lawtechs: lawtechs são empresas de tecnologia que prestam serviços jurídicos. Algumas delas desenvolvem plataformas de resolução de disputas judiciais de modo alternativo, por meio de negociações remotas. Em casos de escritórios com grande volume de demandas, as lawtechs mostram-se como boa solução ao substituir uma negociação pessoal. No Brasil, as lawtechs são uma alternativa em franco crescimento. A propósito, em texto publicado nesta ConJur, Tadeu Rover [3] diz que:

"[…] O escritório Viseu Advogados […] que defende mais de 100 empresas perante seus consumidores, utiliza a plataforma Melhor Acordo uma startup focada em acordos judiciais via internet. Gustavo Viseu, sócio-administrador do escritório, relata que a plataforma tem resultado em redução das carteiras cerca de 30% a 50% dos gastos e do tempo de vida útil dos processos."

O articulista reconhece ainda que tais soluções estão "mudando a forma tradicional de o advogado negociar".

4) Protesto de títulos e outros documentos de dívidas: ferramenta rápida para a recuperação de créditos, que antes vinha sendo pouco utilizada em virtude da obrigatoriedade do depósito prévio dos emolumentos e despesas, o que tornava a mera inclusão dos devedores no cadastro de inadimplentes menos onerosos, embora sem a mesma segurança jurídica. Esse obstáculo, no entanto, foi removido, conforme destacam os advogados Fellipe Vilas Bôas Fragal e Marcelo Lessa da Silva [4]:

"[…] visando proporcionar a utilização dessa potente ferramenta de recuperação de créditos […] já em 2016 foi firmado convênio entre a ordem dos advogados do Brasil/RO e o Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil/RO, possibilitando aos advogados regulares e habilitados junto à OAB/RO […] a apresentação de títulos e outros documentos de dívidas para protesto, sendo diferido o pagamento com as despesas para o momento do pagamento elisivo e do cancelamento do protesto. […] Ademais, os advogados podem apresentar todos os títulos e documentos de dívida aos tabelionatos de protestos de qualquer comarca, sem sair de seu escritório, através da Central Nacional de Protestos (CENPROT). É tudo feito de forma 100% online […]".

5) Arbitragem: as partes têm de arcar com os custos dos honorários do árbitro, de tal forma que, a depender do regimento de custas vigente na unidade federativa, é possível que a arbitragem não seja capaz de reduzir os custos com o litígio. Ocorre que em alguns estados as custas processuais são calculadas com base no valor da pretensão, e o teto máximo é excessivamente alto. Recomenda-se ao advogado que faça a simulação do valor dos custos do processo judicial comparando-o com os custos com a arbitragem, pois, não raro, principalmente em demandas que envolvem valores econômicos mais substanciais, é possível que a arbitragem se mostre como a solução mais viável.

2.2) Regimento de custas local
Importa conhecer bem o regimento de custas do Poder Judiciário local, pois há isenção em algumas situações. Existem tribunais nos quais o protocolo de embargos à execução é dispensado de custas, como na Justiça federal [5]; em outros, não é necessário o pagamento de preparo para interposição de agravo de instrumento [6], muito embora ambos estejam sujeitos a custas/preparo algumas vezes; isso, sem contar as hipóteses de diferimento das custas que estão previstas nos regimentos, as quais permitem remeter o recolhimento das custas para o final.

2.3) Opção pelo protocolo da ação em outra unidade da federação
Em situações nas quais a parte tem direito a atrair a competência em favor de seu domicílio, é preciso analisar se tal alternativa é vantajosa.

O artigo 101, inciso I, do Código do Consumidor dispõe que nas ações de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, a ação pode ser proposta no domicílio do autor. É um direito do qual o consumidor pode declinar, pois o STJ tem firme entendimento de que "a norma protetiva, erigida em benefício do consumidor, não o obriga a demandar em seu domicílio, sendo-lhe possível renunciar ao direito que possui de ali demandar e ser demandado, optando por ajuizar a ação no foro do domicílio do réu" [7].

Caso o consumidor resida na Paraíba, Estado entre os que têm as custas judiciais mais caras do país [8] e a empresa esteja em São Paulo, estado com custas judiciais entre as mais baratas, certamente, será melhor para o autor da ação, conforme o caso, protocolar a ação em São Paulo. Com o sistema do processo judicial eletrônico e remoto tornou-se acessível e prático demandar em outras comarcas. A propósito, o CNJ implantou, através da Resolução nº 345, de 9/10/2020, o processo 100% digital.

2.4) Insista na gratuidade judiciária, sempre que estiverem presentes os necessários requisitos
O Código de Processo Civil defere o direito à gratuidade judiciária à pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as despesas processuais (artigo 98). Infelizmente, há magistrados que dificultam o acesso a esse direito, exigindo "comprovação" da insuficiência. Ora, em verdade, essa determinação só pode ser exigida exclusivamente nas hipóteses em que houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade (§ 2º).

O §3º do artigo 98 diz que, em relação à pessoa natural, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência por ela deduzida, de tal forma que somente a pessoa jurídica terá que juntar comprovação além dessa declaração.

O Tribunal Superior do Trabalho definiu recentemente que "a declaração de pobreza apresentada pelo interessado em audiência é prova bastante de sua hipossuficiência econômica" [9]; já para o STJ, o dispositivo aclara que "para as pessoas físicas, a simples declaração de pobreza tem presunção juris tantum, bastando, a princípio, o simples requerimento, sem nenhuma comprovação prévia" [10].

Destarte, na hipótese de indeferimento, utilize-se do agravo de instrumento previsto no artigo 101 do Código de Processo Civil e insista no direito de seu cliente, sem se olvidar de também requerer a gratuidade do preparo recursal do próprio agravo.

2.5) Requeira — e cobre — o ressarcimento das despesas processuais
As despesas processuais que foram gastas no curso do processo devem ser ressarcidas à parte vencedora. Embora, a princípio, seja obrigação inicial das partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, o §2º do artigo 82 dispõe que "a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou".

Acresce que é preciso que se inclua na petição inicial ou na contestação o requerimento para que a parte oposta seja condenada a ressarcir todas as despesas processuais arcadas pelo seu cliente; na hipótese de sentença omissa, cabe que se oponha embargos declaratórios quanto a essa parte. Ainda que não tenha sido feito o requerimento, cabem os embargos declaratórios, já que essa condenação deve ser feita de ofício pelo magistrado, ao proferir a sentença.

2.6) Utilize as facilidades do CPC quando seu cliente tiver pouca probabilidade de êxito
Saiba o advogado que entre suas obrigações com o cliente está a de orientá-lo corretamente, conscientizando-o sobre suas reais chances de êxito na demanda. Nessa hipótese, deve buscar reduzir ao máximo os valores que seu cliente terá que dispender em decorrência do processo. O Código de Processo Civil também estimula a solução negociada das lides e o cumprimento voluntário da obrigação, trazendo alguns benefícios tais como:

1) As partes ficam dispensadas de pagar as custas remanescentes quando ocorre transação antes de proferida a sentença (artigo 90, §3º);

2) Quando o réu reconhece a procedência do pedido e, simultaneamente, cumpre integralmente a prestação, os honorários de sucumbência serão reduzidos pela metade (artigo 90, §4º);

3) Na execução por quantia certa, se o devedor efetuar o pagamento integral no prazo de três dias, o valor dos honorários de sucumbência serão reduzidos pela metade (artigo 827, §1º).

Em caso de condenação, o cliente não deve ser incentivado a protelar o processo ou interpor recursos infundados, muito menos opor-se ao cumprimento da sentença, o que lhe imporá gastos e multas específicos a essa fase.

3) Considerações finais
Precisamos nos dedicar mais à desjudicialização, cujas soluções se apresentam mais acertadas quando se trata de litígios de objeto repetitivo, o que permite antecipar as probabilidades de êxito e a mensuração dos valores envolvidos. Assim, os vários métodos alternativos de solução extrajudicial estão em franco crescimento.

Além do mais, as inovações do Código de Processo Civil de 2015 tornaram a insistência no litígio mais onerosa ao introduzir despesas adicionais com honorários recursais e de cumprimento de sentença e multas por falta de cumprimento voluntário, o que já tem resultado em uma substancial redução dos recursos protelatórios, assim como tem incentivado o cumprimento voluntário das obrigações e a transação no curso do processo.

É importante que a advocacia esteja sempre atualizada em relação a todas as mudanças e tendências que surjam para sua redução de custos e celeridade. Indubitavelmente, a advocacia do futuro tende a se tornar cada vez mais extrajudicial, custeando assim cada vez menos a nossa lenta e onerosa máquina judiciária.

 


[2] CNJ, PCA 0005012-10.2009.2.00.0000.

[4] "Perspectivas futuras da atuação dos advogados na recuperação de dívidas ante a desjudicialização em curso." Revista da Advocacia de Rondônia, Ano I, n. 3, NOV/DEZ 2020.

[5] Art. 7º da Lei n. 9.289/1996.

[7] AgRg no CC 129.294/DF, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 2ª Seção, publ. DJe 1/10/2014).

[9] TST, 2ª Turma, RR 340-21.2018.506.0001, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, publ. DJE 27/2/2020.

[10] STJ, AgInt no AREsp 1647231/SP, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, 4ª Turma, publ. DJe em 25/6/2020.

Autores

  • é advogada nas áreas Trabalhista e Administrativa, autora dos livros "Greve de Servidores públicos" (LTr, 2011), "Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética interpretados artigo por artigo" (LTr, 2016) e "Honorários Advocatícios" (LTr, 2019), membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes e coordenadora da "Revista da Advocacia de Rondônia".

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