Opinião

O polêmico prazo do agravo interno em pedido de suspensão

Autor

  • Pablo Freire Romão

    é advogado procurador do município de Fortaleza pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor) membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (ANNEP) e mestrando em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

17 de dezembro de 2020, 21h57

1) Considerações iniciais
O pedido de suspensão é um incidente que objetiva sobrestar a eficácia de decisão judicial que causa grave lesão à ordem, saúde, segurança ou economia públicas. Possuem legitimidade para a sua apresentação: 1) as pessoas jurídicas de Direito público; 2) o Ministério Público; e 3) as concessionárias de serviços públicos, quando evidente o interesse público [1].

Tal incidente é direcionado ao presidente do tribunal competente para apreciar eventual recurso contra aquela mesma decisão. Caberá ao presidente do tribunal apreciar o pedido de suspensão e decidir, de forma monocrática, se o defere ou não. Contra essa decisão proferida pela presidência, o recurso cabível é o agravo interno, a ser julgado pelo órgão especial ou pelo plenário do tribunal.

O objetivo do texto é: 1) expor as divergências doutrinárias, jurisprudenciais e regimentais acerca do prazo para o citado agravo interno (se de cinco, dez, 15 ou 30 dias), quando interposto pela Fazenda Pública, especialmente quanto à sua contagem em dobro; e 2) defender, ao final, posicionamento sobre a questão, opinando-se, de forma fundamentada, pelo prazo aplicável à hipótese.

2) Primeiro enfretamento: definir a legislação aplicável ao caso
Nos termos do artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/1992 (que dispõe sobre o pedido de suspensão), o prazo para o referido agravo interno é de cinco dias. Porém, tal previsão deixou de prevalecer em razão do artigo 1.070, do CPC, que preceitua ser de 15 dias o prazo para a interposição de qualquer agravo interno, ainda que previsto em lei especial ou em regimento interno.

Assim, o Código de Processo Civil dispõe, expressamente, que todo e qualquer agravo interno, previsto em lei especial ou em regimento interno de tribunal, terá o prazo de 15 dias para interposição, o que, por óbvio, revogou o prazo previsto no artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/1992. Frise-se que tal entendimento consta no Enunciado nº 58 da I Jornada de Processo Civil do CJF [2].

Carneiro da Cunha [3] endossa o posicionamento: "Tudo está a demonstrar, em suma, que tanto da decisão que defere como da que indefere o pedido de suspensão cabe o agravo interno, a ser interposto no prazo de 15 (quinze) dias". Marcelo Abelha [4] também adere a essa tese, ressaltando a revogação, pelo novo CPC, de todos os dispositivos legais que estipulem prazo diverso.

Todavia, o Regimento Interno do STJ [5], mesmo atualizado após o novo Código de Processo Civil, preceitua, expressamente, no seu artigo 271, §2º, que o prazo para a interposição do citado agravo interno é de cinco dias, e não de 15 dias. Da mesma forma, existem decisões do STF, após o novo CPC, que, sem abordar o artigo 1.070 do CPC, replicam o prazo o cinco dias [6].

Fácil perceber que deve o STJ modificar o seu regimento interno, bem como o STF rever o seu posicionamento, adequando-os ao disposto no artigo 1.070 do CPC, que, de forma expressa, destaca que o prazo de todo e qualquer agravo interno, esteja ele previsto no CPC, em lei especial ou em norma regimental, é de 15 dias, tendo sido revogadas as disposições em contrário [7].

Portanto, quanto ao objetivo do presente texto, conclui-se, em um primeiro momento, que é de 15 dias o prazo para a interposição de agravo interno em face de decisão judicial proferida pelo presidente do tribunal em sede de pedido de suspensão, tendo em vista que o disposto no artigo 1.070 do CPC revogou o prazo previsto no artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/1992.

3) Segundo enfretamento: quando a Fazenda for a recorrente, haverá a dobra do prazo?
A Fazenda Pública possui o prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, nos termos do artigo 183, caput, do CPC. Excepciona-se tal regramento quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público (CPC, artigo 183, §2º). Debate-se, assim, se o prazo para a interposição de agravo interno em pedido em suspensão deve ser contado em dobro.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal [8], é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o prazo para o agravo interno no âmbito dos pedidos de suspensão não deve ser contado em dobro, por existir prazo específico para a Fazenda Pública no artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/1992. Para o STF, aplicar-se-ia, ao que tudo indica, a norma de exceção do §2º do artigo 183 do CPC.

Ilustrando o entendimento da Suprema Corte, veja-se o seguinte trecho da decisão proferida na Suspensão de Segurança nº 4.390 [9]: "O fundamento adotado para negar o direito alegado em favor da Fazenda Pública é aplicável na espécie vertente, pois prevalece a regra específica". Em outras palavras, o STF compreende que prevalece a regra específica em detrimento da dobra.

Já o STJ possui jurisprudência oscilante sobre a matéria, com precedentes em sentidos opostos. Em fevereiro de 2018, a Corte Especial do STJ [10] compreendeu que o prazo para interpor agravo interno em sede de pedido de suspensão deve ser contado em dobro, pois a lei que rege o citado incidente não estabeleceu prazo próprio para a Fazenda, não incidindo o §2º do artigo 183 do CPC.

Não obstante, a 1ª Turma do STJ, em julho de 2019 (após o julgamento da Corte Especial, órgão jurisdicional de maior envergadura), compreendeu em sentido oposto, veja-se: "não se admite a aplicação do prazo em dobro para o agravo interposto no âmbito de pedido de suspensão de liminar, haja vista a especificidade do prazo previsto no artigo 4º, § 3º, da Lei 8.437/1992" [11].

Além disso, é possível verificar outros diversos acórdãos igualmente divergentes no âmbito da jurisprudência do STJ, inclusive com datas próximas entre eles [12]. Percebe-se, assim, que não se pode compreender pela existência de um entendimento sedimentado no âmbito da Corte Superior Federal, pois o precedente da Corte Especial não foi seguido posteriormente pela 1ª Turma.

Pode-se constatar que tanto a jurisprudência do STF quanto os precedentes jurisprudenciais do STJ que advogam a tese de que não há dobra do prazo se fundam no argumento de que o artigo 4º, §3º, da Lei nº 8.437/1992, estipula um prazo específico e próprio para a Fazenda Pública, o que atrairia a exceção contida no §2º do artigo 183 do CPC, impedindo a contagem em dobro.

No entanto, tal compreensão se revela equivocada pelos seguintes motivos:

— Em primeiro lugar, o prazo para a interposição de agravo interno em pedido de suspensão não é próprio da Fazenda Pública, pois tal espécie recursal pode ser manejada pela parte adversa quando há o deferimento, pelo presidente do tribunal, do pleito suspensivo em favor do ente público. E tal parte adversa pode ser tanto uma pessoa física quanto uma pessoa jurídica de direito privado.

— Em segundo lugar, saliente-se que é possível, em casos específicos, que o pedido de suspensão seja manejado por uma concessionária de serviços públicos, detentora de personalidade jurídica de direito privado; e, em caso de indeferimento do seu pedido de suspensão, caberá a interposição de agravo interno. Confirma-se, assim, que tal recurso não é próprio da Fazenda Pública.

— Em terceiro e último lugar, não se trata sequer de um prazo específico, como destaca o STF, pois, com o advento do artigo 1.070 do CPC, o prazo para a interposição de qualquer agravo interno, não importa o procedimento, é de 15 dias; logo, a interpretação adequada é compreender que não há fundamento legal para se entender que não se aplica a dobra do artigo 183, caput, do CPC.

4) Conclusão
Portanto, conclui-se que o prazo para a Fazenda Pública interpor agravo interno contra decisão da presidência do tribunal que indefere pedido de suspensão é de 30 dias, nos termos dos artigos 1.070 e 183, caput, ambos do CPC. Revela-se urgente a necessidade de os tribunais superiores enfrentarem melhor a questão, pacificando-a e adequando seus entendimentos à legislação.

 


[1] STJ, AgRg na PET nos EDcl no AgRg na SS 2.727/DF, Relatora: Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 21/8/2019.

[2] O Enunciado nº 58, da I Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal: "O prazo para interposição do agravo previsto na Lei n. 8.437/92 é de quinze dias, conforme o disposto no art. 1.070 do CPC".

[3] CUNHA. Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. Forense: Rio de Janeiro. 13. ed. 2016, p. 627.

[4] RODRIGUES, Marcel Abelha. Suspensão de segurança. Juspodivm: Salvador. 4. ed. 2017, p. 216.

[5] Art. 271. […] § 2º – Da decisão a que se refere este artigo caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias, para a Corte Especial.

[6] STJ, AgRg na PET nos EDcl no AgRg na SS 2.727/DF, Relatora: Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 21/8/2019.

[7] Art. 2º […] § 1º – A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

[8] STF, SS 4390 AgR-quinto, Relatora: Cármen Lúcia (presidente), Pleno, julgado em 5/2/2018; STF, STA 115 AgR-AgR, Relatora: Cármen Lúcia (presidente), Pleno, julgado em 05/02/2018.

[9] STF, SS 4390 AgR-quinto, Relatora: Cármen Lúcia (presidente), Pleno, julgado em 5/2/2018

[10] STJ, AgInt na SS 2.902/RS, Relatora: Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 1/2/2018.

[11] STJ, AgInt no REsp 1754306/CE, Relator: Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 1/7/2019.

[12] Contra a dobra do prazo: STJ, AgInt no AREsp 906.752/BA, Relatora: Assusete Magalhães, 2ª Turma, julgado em 3/8/2017, DJe 16/8/2017; STJ, REsp 1317163/SC, Relator: Olindo Menezes, 1ª Turma, julgado em 6/10/2015, DJe 13/10/2015. A favor da dobra do prazo: STJ, AgRg no AgRg na SLS 1.955/DF, Relator: Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 18/3/2015, DJe 29/4/2015.

Autores

  • é advogado, procurador do município de Fortaleza, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Fortaleza (Unifor), membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (ANNEP) e mestrando em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

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