2020, ano de crise ou oportunidade? Uma reflexão prospectiva da retrospectiva
14 de dezembro de 2020, 10h05
É inconteste o caos causado pela pandemia da Covid-19 à humanidade em 2020, ano em que as relações internacionais e o Direito, mais interdependentes do que nunca, tiveram de se adaptar abruptamente à nova realidade originada pelo coronavírus, num momento tão delicado aos negócios internacionais, à defesa do multilateralismo, à salvaguarda da paz e estabilidade mundiais.
O lockdown — confinamento dos povos, determinado por líderes em todo o mundo —, repercutiu diretamente na interrupção do fornecimento da cadeia de suprimentos e o resultado foi o questionamento referente ao enquadramento ou não da pandemia como evento de força maior para o não cumprimento de contratos domésticos e internacionais. Esse foi, inclusive, o motivo pelo qual diversas plataformas de negócio e câmaras de comércio internacionais passaram a emitir certificados oficiais (de força maior), de forma a assegurar a um dos contratantes a impossibilidade objetiva do cumprimento da obrigação de fazer.
Essa retração exigiu uma habilidade de negociação ímpar aos juristas, para que o caos não tomasse conta das relações comerciais. Diga-se de passagem, a Organização Mundial do Comércio inclusive prevê uma queda de 9,2% no volume do comércio mundial de mercadorias em 2020, seguida de possível aumento de 7,2% em 2021, dada a evolução da pandemia e as respostas dos governos a ela [1].
Por outro lado, tivemos um avanço substancial na digitalização da economia, como forma de mudança nos negócios. Tanto que consoante estudo da IBM intitulado "Covid-19 e o futuro dos negócios" [2], 51% dos executivos brasileiros têm a digitalização como prioridade de investimento nos próximos dois anos.
Nesse sentido, muito tivemos e ainda temos a aprender com o nosso maior parceiro comercial. A China tem investido maciçamente em inovação — aproximadamente 2,3% de seu PIB — e o reflexo disso é a integração sofisticada dos meios de produção, infraestrutura, logística, consumo e meios de pagamento.
O maior evento de vendas online e físicas do planeta conhecido como "11.11" ou "Dia dos Solteiros" (Singles Day) vem quebrando recordes de negócios a cada ano, desde o início da campanha em 2011. Em uma década, tornou-se o maior festival de compras do mundo.
Segundo números do Alibaba, em 2011 foram aproximadamente US$ 820 milhões em vendas e, em 2020, chegou-se ao número astronômico de US$ 74.1 bilhões [3], o que representa 52 vezes o faturamento da Black Friday brasileira de 2020, em que pese ter a nossa campanha crescido 21,9 % em relação a de 2019.
Esse indispensável processo de inovação e transformação digital da economia, aliado ao home office integral forçadamente implementado pelas empresas brasileiras a partir de março de 2021, impactou gravemente também o volume de tráfego das redes de telecomunicação e, mais uma vez, a China pode ser um enorme parceiro do Brasil na construção da infraestrutura 5G, oferecendo equipamentos às empresas de telecomunicações que participarem do certame brasileiro, previsto para o primeiro semestre de 2021, se atendidos todos os protocolos de segurança cibernética e segurança do Estado brasileiro, além da privacidade dos seus cidadãos.
Nessa esteira, a Lei Geral de Proteção de Dados, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, adicionou ainda, em meio à pandemia, outros desafios aos negócios e ao mundo jurídico, dada a necessidade de adaptação aos instrumentos intensificadores das obrigações de transparência ativa e passiva.
Como se vê, o mundo está sendo sacudido e as relações internacionais e o direito precisam também se renovar para atender de forma satisfatória o mundo dos negócios. Visão global, pragmática e estratégica são qualidades imprescindíveis para a retomada dos negócios, especialmente nesse momento tão delicado de discussão, análise, reflexão e transformação dos processos, procedimentos e protocolos.
A milenar sabedoria chinesa, transmitida ao longo dos anos pelos ideogramas chineses, já entendia, inclusive, poder se tratar o ideograma do polissêmico jī como "crise" ou "oportunidade". Tudo isso dependerá de como nós enxergamos o copo dos negócios — se metade cheio ou se metade vazio.
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