Autonomia e independência

O Ministério Público brasileiro é um e são muitos

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13 de dezembro de 2020, 9h02

*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2020, que será lançado nesta segunda-feira (14/12), às 11h, no canal da ConJur no YouTube. O Anuário está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa. 

Construído como um espelho do sistema de Justiça nacional, o Ministério Público brasileiro na verdade não existe como entidade autônoma. É a soma do Ministério Público da União e do MP dos estados. O Ministério Público da União também não tem função específica, mas é uma árvore frondosa que se divide em ramos robustos, que são os Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal. Também não existe um MP Estadual, mas 26 instituições ministeriais, uma para cada estado, totalmente autônoma e independente.

Há ainda o Ministério Público de Contas, que “possui fisionomia institucional própria e não se confunde com a do Ministério Público comum, sejam os dos Estados, seja o da União”, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal. O MP de Contas é, portanto, um órgão de controle que faz parte da estrutura do Tribunal de Contas da União e de seus similares dos estados.

O parágrafo 5º, do artigo 128, que trata da organização do MP, determina que leis complementares da União e dos estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos procuradores-gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público. Em observância a este dispositivo foi promulgada a Lei Complementar 75/1993, que é a Lei Orgânica do MPU. E a Lei 8.625/1993 ditou as regras para a organização do MP dos estados. Depois, cada estado produziu a Lei Orgânica para seu MP em particular.

O procurador-geral da República é o chefe administrativo do MPU e também do MPF. E aqui volta à arena de debate a questão da unidade institucional versus a independência funcional dos membros da instituição. O PGR e todos os chefes do MP em geral exercem o controle administrativo das unidades que comandam, mas não têm hierarquia funcional sobre os membros que lhe são subalternos administrativamente.

“Há independência sobre o pensamento e isso é intocável. Agora, a administração, a autogestão, a eficiência, o resultado e as entregas, temos que acompanhar de perto. Não há empresa em que a unidade não prevaleça. Nós servimos a uma unidade", diz Eduardo Gussem, procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro.

O ex-presidente Michel Temer, que é professor de Direito Constitucional, bate na mesma tecla. “Ao longo do tempo, a tese da independência funcional funcionou como independência individual. Então cada membro do Ministério Público não se submete ao princípio da hierarquia, não se submete ao procurador-geral da República. Acho que seria discutível essa matéria, porque o princípio da hierarquia comanda toda a Constituição”, diz ele. 

Independentemente do ponto de vista com que se queira ver a questão, o PGR é o dono do poder dentro do todo poderoso Ministério Público. Como chefe do MPU, acumula também o comando do Ministério Público e tem a prerrogativa de nomear os procuradores-gerais do Trabalho e Militar e também do Ministério Público Eleitoral. Dentro do MPF se aloja a Procuradoria-Geral Eleitoral, que é a cabeça do Ministério Público Eleitoral, que, à semelhança da Justiça Eleitoral, é composto por membros do MPF e do MP dos estados.

Outro ponto de discórdia é o rito de escolha do procurador-geral da República. A Constituição diz simplesmente que o PGR será nomeado pelo presidente da República dentre os integrantes da carreira, após sabatina e aprovação no Senado. Diz também que o procurador-geral de Justiça, que comanda o MP do estado, será escolhido pelo chefe do Executivo dentre os integrantes da carreira, a partir de lista tríplice formada pela própria instituição. O mandato do procurador-geral de qualquer ramo ministerial é de dois anos, permitida uma recondução.

A Constituição não fala em lista tríplice para a indicação do PGR, mas de 2003 a 2018 a prática foi adotada pelos presidentes Lula, Dilma e Temer. Em  2019, a lista tríplice foi feita pela Associação Nacional dos Procuradores da República – seus membros são os eleitores para formação da lista –, mas o presidente Bolsonaro a ignorou e não aplicou a regra não escrita. 

Nos estados, a questão é se promotores também são elegíveis ao cargo de procurador-geral de Justiça. A Constituição não colocou restrições, tampouco a Lei 8.625, permitindo que promotores concorram ao posto, mas a Lei Orgânica de uma parte dos estados limitou a candidatura apenas aos procuradores. É o caso de São Paulo e Minas Gerais. Hoje, entre os 26 procuradores-gerais de Justiça, 16 são promotores. Há duas ações no STF que pedem a participação de promotores nas eleições para o cargo.

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Unidade sui generis: MP-DF tem viés estadual, mas faz parte do MP da União Divulgação

E há o caso singular do Ministério Público do Distrito Federal, que, apesar de ter a estrutura e as atribuições de um MP estadual, faz parte do MPU. A Constituição diz que quem nomeia o chefe do MP-DF é o “chefe do Executivo”, mas não fica claro se está se referindo ao Executivo federal ou distrital. A LC 75/1993 atribuiu a prerrogativa ao presidente da República e tem sido assim. Agora, o governador se insurgiu contra a prática e levou ao STF ação contra a Lei Orgânica do MPU. 

Os membros do MP acessam a carreira por concurso. No MPF, são três níveis: procuradores da República, procuradores regionais da República e subprocuradores-gerais da República. MPT e MPM têm uma escala similar de cargos. Nos estados, são dois níveis: promotor de Justiça e procurador de Justiça.

Todos os membros do MP gozam das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. São proibidos de exercer a advocacia ou qualquer outra atividade profissional ou político-partidária. Há duas exceções: podem exercer o cargo de professor; e os que ingressaram no MP antes de 1988 podem praticar a advocacia privada.

Como a organização do MP reflete a estrutura da Justiça, a atuação do MPF está ligada à competência da Justiça Federal, prevista no artigo 109 da Constituição: crimes contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, crimes políticos, crimes contra a organização do trabalho, o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.

O Ministério Público do Trabalho atua nas causas de competência da Justiça do Trabalho, em defesa dos direitos individuais e coletivos na área trabalhista, tais como relações de trabalho, aplicação dos contratos, fiscalização de acordos e convenções coletivas e fiscalização do direito de greve, bem como arbitragem dos dissídios coletivos.

O Ministério Público Militar é responsável pela ação penal militar no âmbito da União, atuando somente em matéria criminal militar. Também faz o controle externo da Polícia Militar.

Já o MP dos estados atua nas causas de competência da Justiça Estadual. Os promotores de Justiça exercem suas funções junto aos juízes de Direito e os procuradores de Justiça atuam perante os Tribunais de Justiça dos estados.

A função eleitoral é partilhada pelo MPF e pelos MPs dos estados. O ofício no Tribunal Superior Eleitoral e nos Tribunais Regionais Eleitorais (segunda instância) é ocupado pelo MPF, enquanto em primeira instância a função cabe aos promotores da Justiça estadual por delegação do MPF.

O MP também é responsável pelo controle externo da atividade policial.

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