Opinião

Medidas executivas atípicas e parâmetros de aplicabilidade: diretrizes do STJ

Autor

  • Mariana Furtado Guimarães

    é pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região desde 2013 e foi técnica Judiciária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 2007 a 2013.

11 de dezembro de 2020, 17h46

1) Introdução
O primeiro parágrafo da exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015 revela os anseios do legislador de criar um sistema processual efetivo e célere, mas sem perder de vista os direitos constitucionais do processo. Nesse contexto, as medidas executivas constituem papel essencial ao outorgar, ao magistrado, instrumento capaz de atribuir força às decisões proferidas.

Por meio do inciso IV do artigo 139 do CPC, o legislador conferiu o poder-dever ao juiz de "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". O referido poder, contudo, não é um cheque em branco à disposição do magistrado. Apesar da norma geral e aberta do artigo 139, IV do CPC, o STJ constrói a jurisprudência acerca do tema e busca estabelecer critérios para aplicação das medidas executivas atípicas.

2. Critérios para aplicação das medidas executivas atípicas
Alicerçado sobre o direito das partes de obterem em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, conforme artigo 4º do CPC, evitando-se a prática reiterada de manobras protelatórias, o legislador armou o juiz da execução de poderes indispensáveis à realização da atividade executiva (THEODORO JR., 2016). Assim, consagrando o poder geral de efetivação do magistrado, o artigo 139, IV do CPC permitiu a adoção de medidas executivas não previstas em lei, sobretudo em função da impossibilidade de prever a particularidade de cada caso concreto e proporcionar meios executivos diferenciados (GUERRA, 2003).

A despeito de a lei autorizar a adoção de medidas executivas atípicas pelo magistrado, não significa dizer que tais medidas podem ser usadas indiscriminadamente e sem balizas. Ao substituir o princípio da tipicidade pelo da atipicidade das medidas executivas, o magistrado continua vinculado a seguir parâmetros de controle.

Exemplo de parâmetro a ser seguido pelo magistrado é a obediência ao artigo 8º do CPC, o qual prevê o dever do juiz de atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Grande parte dos requisitos definidos pelo STJ — senão todos — está fundamentada no citado artigo 8º do CPC.

2.1) Respeito aos ditames constitucionais
O dever de preservar os direitos constitucionais, embora pareça óbvia, é importante porque, por vezes, a aplicação de medidas executivas atípicas pode ensejar restrição a direitos individuais. Como destacam Lenio Luiz Streck e Dierle Nunes (STRECK; NUNES, 2020), as "decisões públicas precisam prestar contas em relação aos princípios fundamentais da comunidade em que vivemos".

Nesse sentido, no julgamento proferido no REsp nº 1.788.950 – MT em 23/4/2019, a ministra Nancy Andrighi, foi clara ao consignar que é possível a restrição de direitos individuais, desde que observe os ditames constitucionais e seja feita de forma razoável:

Não por outro motivo, o STJ vem entendendo que 'as modernas regras de processo […], ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável' (RHC 97.876/SP, 4ª Turma, DJe 9/8/2018).

Vale lembrar, ainda, que a ADI nº 5.941/DF encontra-se pendente de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, que possui, como objeto, justamente os dispositivos do CPC que autorizam a aplicação de medidas executivas atípicas.

2.2) Dever de fundamentação
Outro requisito estabelecido pelo STJ ainda sob o viés constitucional é o de que as decisões que determinam a aplicação de medidas executivas não previstas em lei devem conter fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta. O dever — para o magistrado — e o direito — para os jurisdicionados — de fundamentação das decisões judiciais é expresso, primordialmente, no artigo 93, IX da CR/88 e, no CPC, registrado no artigo 489, §1º, seguido pelo §2º, sob pena de nulidade da decisão (CUNHA, 2015). O dever de fundamentação serve como verdadeiro controle da atividade judicante, considerando que, na maioria das vezes, haverá colisão entre normas, o que atrai a disposição do §2º do artigo 489 do CPC.

Ao apreciar a validade das decisões recorridas, o STJ verifica se o pronunciamento judicial passou pelo crivo da fundamentação exauriente, ou seja, se o juiz indicou as razões pelas quais a escolha pela medida executiva atípica é adequada às especificidades da hipótese concreta. O referido requisito foi expresso em dois julgados proferidos pela 3ª Turma do STJ, quais sejam, REsp nº 1.782.418 – RJ e REsp nº 1.788.950 – MT, ambos julgados no dia 23/4/2019 e sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, com seguinte trecho nas decisões:

A decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do artigo 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados sem ser explicitado o motivo concreto de sua incidência na espécie (artigo 489, § 1º, I e II, do CPC/15).

O requisito também foi seguido em duas outras decisões julgadas pelo STJ, no REsp nº 1.864.190 – SP, julgado em 16/6/2020, e no HC nº 558.313 – SP, julgado em 23/6/2020.

2.3) Contraditório Substancial
Ao lado do requisito da fundamentação exauriente, a decisão que prevê a aplicação de medidas executivas atípicas deve observar o contraditório substancial, direito consagrado pelo inciso LV do artigo 5º da CR/88, bem como assegurado pelos artigos 9º e 10 do CPC.

Além de legitimar a decisão no tocante ao princípio da menor onerosidade (artigo 805, CPC), o contraditório efetivo, no contexto de aplicação de medidas atípicas, traz maior eficiência à decisão judicial, uma vez que evita medidas inúteis (ROSADO, 2018).

Nos julgados já citados (REsp nº 1.782.418 – RJ e REsp nº 1.788.950 – MT) a ministra relatora registrou que "para que seja adotada qualquer medida executiva atípica portanto, deve o juiz intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo, seguindo-se, como corolário, os atos de expropriação típicos". No julgamento do REsp nº 1.785.726 – DF, também julgado pela 3ª Turma, mas sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, o requisito do prévio contraditório também ficou claro:

Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia das que foram deferidas anteriormente.

Vale lembrar que, em regra, o contraditório deve ser prévio, ou seja, antes da tomada da decisão, sem embargo de que seja diferido, nos casos expressos em lei (artigo 9º, parágrafo único, CPC) e de extrema urgência (TALAMINI, 2020), o que não é sinônimo de ausência de contraditório.

3.4 Proporcionalidade: sinais de ocultação patrimonial e subsidiariedade
Por fim, mas não menos importante, o magistrado não deve perder de vista a proporcionalidade das medidas executivas e, desse dever, decorre uma série de consequências. A primeira é a de que as medidas executivas indiretas, isto é, que atuam sobre a vontade do devedor, não servem como punição. A coerção autorizada pelo artigo 139, IV do CPC diz respeito às possibilidades de se compelir o devedor a cumprir a ordem judicial, tornando desvantajoso o descumprimento (NEVES, 2017), desde que sem caráter punitivo, como acontece no caso de prisão civil por dívida de alimentos, por exemplo.

A proporcionalidade a ser aferida pelo magistrado em cada caso concreto consiste no sopesamento entre as regras constitucionais que fará o juiz concluir se a imposição da medida não prevista em lei é adequada e razoável para se atingir o fim almejado. Para Bruno da Silva Madeira, a proporcionalidade é cláusula constitucional implícita que possibilita a aplicação das medidas executivas atípicas (MADEIRA, 2019).

As medidas executivas adotadas de forma desproporcional equivalem, portanto, às medidas punitivas, desvirtuando a finalidade do instituto. Sob este prisma, o STJ estabeleceu dois requisitos anexos: 1) que as medidas atípicas sejam determinadas apenas em casos que haja sinais de ocultação patrimonial e; 2) que as medidas atípicas sejam fixadas de forma subsidiária, ou seja, após o esgotamento das vias tipicamente previstas em lei para satisfação do crédito.

Os requisitos anexos foram, inclusive, recentemente veiculados no sítio eletrônico de notícias do STJ. No primeiro caso, o requisito da necessidade de sinais de ocultação patrimonial fora veiculada em 30/5/2019 (Brasil, 2019), que se baseou nos acórdãos, provenientes do REsp nº 1.782.418 – RJ e no REsp nº 1.788.950 – MT, já citados no presente trabalho. No segundo caso, a notícia acerca do requisito da subsidiariedade fora publicada no dia 21/8/2020 (Brasil, 2020), baseada no julgamento proferido no REsp nº 1.864.190 – SP, julgado em 16/6/2020.

Portanto, observa-se que, embora admitida a aplicação de medidas executivas atípicas, o STJ estabelece uma série de requisitos para que sejam adotadas, sempre com o fito de se evitar que sejam adotadas de forma indiscriminada e sem parâmetros. A tese conclusiva fixada de forma idêntica nos três acórdãos mencionados é clara ao prever as balizas até então já definidas pelo STJ e merece transcrição:

"Em suma, é possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (grifos da autora).

A perspectiva teórica permite verificar que a proporcionalidade constitui primado fundamental para que as medidas executivas atípicas sejam aplicadas, o que demandará a análise casuística pelo magistrado, que sempre deverá conciliar ao máximo os direitos constitucionais envolvidos e evitar o uso indiscriminado do inciso IV do artigo 139, CPC.

3) Considerações finais
O estudo desenvolvido no presente trabalho permite concluir que possibilidade do magistrado se valer de medidas executivas atípicas pressupõe ausência de parâmetros para sua aplicabilidade. A pesquisa jurisprudencial aponta que o STJ, embora admita a determinação de medidas não elencadas pela lei, se preocupa em compatibilizar a norma do artigo 139, IV, CPC às demais regras do ordenamento jurídico, sempre com o intuito de evitar arbitrariedades decorrentes da aplicação indiscriminada dos meios de coerção indiretos, que jamais devem possuir finalidade punitiva.

Para a validade da decisão que determina medidas executivas atípicas é imprescindível que a decisão concilie, ao máximo, os direitos fundamentais envolvidos no caso concreto, bem como contenha fundamentação exauriente, indicando as razões pelas quais a escolha pela medida executiva atípica é adequada às especificidades da hipótese concreta. Além disso, é indispensável assegurar o direito ao contraditório prévio e substancial às partes, de forma a preservar o princípio da menor onerosidade ao executado e evitar a adoção de medidas inúteis, potencializando a eficiência da decisão judicial. Por fim, as providências executivas atípicas devem estar sempre calcadas no princípio da proporcionalidade, que atrai a aplicação subsidiária das medidas não tipificadas e apenas em casos que existam sinais de ocultação patrimonial pelo devedor, conforme recentes julgados proferidos pelo STJ.

Os requisitos definidos até o momento pelo STJ em casos recentes não são estanques. Novos parâmetros certamente serão fixados pela jurisprudência e é essencial que sejam bem delimitados, sobretudo porque o legislador não positivou os requisitos para aplicabilidade das medidas executivas atípicas, apenas autorizou, por meio de cláusula aberta, a adoção de instrumentos para assegurar o cumprimento da ordem judicial.

 


Referências bibliográficas
 Escola Nacional de Formação e aperfeiçoamento de magistrados. O Poder Judiciário e o novo código de processo civil. Disponível em: https://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%c3%83O-DEFINITIVA-.pdf. Acesso em: 26 de julho de 2020.

— GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

— ROSADO, Marcelo da Rocha. A eficiência dos meios executivos na tutela processual das obrigações pecuniárias no Código de Processo Civil de 2015. Dissertação (Mestrado em Direito Processual). Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2018.

— STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC? Carta branca para o arbítrio?. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-branca-arbitrio>. Acesso em: 03 de agosto de 2020.

— TALAMINI, Eduardo. Medidas judiciais coercitivas e proporcionalidade: a propósito do bloqueio do WhatsApp por 48 horas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231699,61044-Medidas+judiciais+coercitivas+e+proporcionalidade+a+proposito+do>. Acesso em: 10 de julho de 2020.

— THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. III. 49. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.

Autores

  • é pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes, analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, desde 2013 e foi técnica Judiciária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de 2007 a 2013.

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